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Crítica | Casa de Antiguidades

por Iann Jeliel
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Casa de Antiguidades

Ele é preto e velho, onde acharia algo melhor que isso?” Casa de Antiguidades

É interessante como o cineasta João Paulo Miranda Maria institui seu universo distópico através de paralelismos históricos diretos com o panorama político atual do Brasil. A premissa de um negro, possivelmente nordestino, vindo de Goiás para trabalhar numa fábrica de leite em colônia alemã, num contexto de um movimento separatista de região sul, por si só, comunica claramente o que o diretor quer passar metaforicamente com sua narrativa. Assim, só restava explorar histórias adversas nesse universo para completar o quadro de exercício crítico de forma coesa com o cinema de gênero. E é nesse ponto em que A Casa de Antiguidades se perde, ou melhor, não entrega.

Talvez seja intencional do diretor querer mostrar, da sua fantasia, somente aquilo que convém ao exercício crítico, tornando-o mais direto. Contudo, parece inconsequente de sua parte vender um universo com imensa amplitude de possibilidades e contrastes sociais para descartá-los ao se concentrar no íntimo de um protagonista, somente como signo e não como um grande personagem de verdade. É certo que o filme até tenta levá-lo para além desse símbolo de resistência padrão e irônico (imagino que o nome Cristóvão, não foi à toa), inserindo micro situações que o torna falho ou de pensamento retrógado “como qualquer um” dali. É a sua reação sobre os garotos que homossexuais que invadem a casa, ou a imposição quando deseja intervir na vida de uma família que conhece no caminho. Pontualidades buscando uma humanização que não se concretiza porque ocupa um tempo que deveria ser dividido com as funcionalidades do universo para tere a força dramática desejada.

Como as origens dessas pontualidades ficam em aberto, o equilíbrio inicial da proposta entre o metafórico e a crítica direta é perdido em meio a monotonias que pouco dizem, pouco desenvolvem e pouco aproveitam as possibilidades que teoricamente implantam. Nunca fica muito claro o que são os insertos sobrenaturais na Casa, se é que são sobrenaturais ou simplesmente surreais, para desenvolver uma dimensão de passado que justificaria a investida revanchista do protagonista, ao final. Parte dessa investida já é meio que induzida pela organização do contexto, um negro sendo mão de obra para um projeto de Brasil melhor (construção de Brasília, o negro vindo de Goiás), que na proposta distópica é o separatismo do sul (e de São Paulo) do resto do Brasil.

A base para a motivação da reação está aí e Antônio Pitanga direciona perfeitamente sua caracterização a visualmente se distanciar daquele mundo, de modo a transparecer que ele não pertence àquilo. A escolha do casting é perfeita: o ator é uma das lendas do Cinema Novo, movimento que reconhecia as mazelas sociais brasileiras sobre uma ótica espacial, em que Miranda conscientemente tenta desviar ao mesmo tempo que aponta ele, como o único centro verdadeiramente brasileiro daquele ambiente. A ideia da decupagem é ótima, mas até ser entendida, o filme já perdeu tempo demais em trivialidades que no fundo não adicionam nenhuma atmosfera ao filme.

Quando aparece de verdade, lá para o clímax, fica o sentimento de desperdício sobre os demais blocos porque não há conexões suficientes para toda a construção fortalecer esse final em níveis de empolgação iguais ao sentimento de revanchismo e da justiça social, tornando-se seco e impessoal como o resto da decupagem, só que nesse caso, não era seu intuito ser assim. É o mesmo problema apontado por muitos – inclusive por mim – em Bacurau, de Kleber Mendonça Filho. A diferença, é que Bacurau conseguia ao menos trazer elementos suficientes que impunham uma identidade icônica ao universo do filme, conversando mais diretamente com o folclore do país, algo tentado aqui, mas quando inserido, soa até risível pelo modo abrupto e aleatório que aparece, sem o sustento de outros momentos que iriam trabalhando na identidade do filme um senso de exagero e verossimilhança.

Acaba que Casa de Antiguidades até atinge sua proposta crítica, mas muito mais cedo do que deveria, deixando amplamente desinteressante a pergunta sobre como poderia ter aproveitado melhor. Para um filme que tanto se assemelha tematicamente a vários outros títulos desse novo cinema brasileiro (Que Horas Ela Volta, Aquarius, O Som ao Redor, dentre outros) possivelmente sendo um dos nossos nomes mais fortes a ir para a seleção do próximo Oscar, Casa de Antiguidades é uma grande decepção.

Casa de Antiguidades (Brasil, 2020)
Direção: João Paulo Miranda Maria
Roteiro: João Paulo Miranda Maria
Elenco: Antonio Pitanga Cristóvão, Ana Flavia Cavalcanti, Gilda Nomacce, Sam Louwyck, Soren Hellerup
Duração: 87 minutos

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