Home TVTemporadas Crítica | Castle Rock – 1ª Temporada

Crítica | Castle Rock – 1ª Temporada

por Rafael Lima
3,6K views

As pequenas cidades tiveram um grande papel na construção do universo compartilhado literário de Stephen King, pois o autor criou uma região fictícia inteira do estado americano do Maine para as suas histórias. Nenhuma dessas cidades teve tanto destaque quanto Castle Rock. Criada no livro Zona Morta, a cidade é um cenário recorrente na obra do autor, tornando-a um ponto central de seu universo. Com esse conceito, Sam Shawn e Dustin Thomason, levaram para o Hulu e para a Bad Robot de J.J Abrams a ideia de uma série situada na famosa cidade, que contaria uma trama diferente por temporada. Usando cenários e personagens do autor, Castle Rock não adapta nenhuma obra especifica, fazendo uma leitura livre do universo de King para contar a sua própria história. Cheia de referências diretas a obra do autor, sejam narrativas ou visuais, além de um Cast cheio de atores que já haviam participado de adaptações de Stephen King, Castle Rock entrega em sua 1ª temporada uma história de terror mais voltada para o desconforto psicológico do que o horror propriamente gráfico, ainda que tenha os seus momentos.

Na trama, após o suicídio de Dale Lacy (Terry O’Quinn), diretor da Prisão Shawshank, um rapaz (Bill Skarsgård) é achado em uma jaula em uma área desativada da prisão, tendo sido mantido preso em segredo por anos por Lacy. A única coisa que ele diz ao ser resgatado é o nome de Henry Deaver (Andre Holland), um advogado que cresceu em Castle Rock, mas que deixou o lugar anos antes. Chamado de volta à cidade para ajudar a lidar com o caso, Henry passa a testemunhar eventos estranhos, que parecem ligados tanto ao rapaz da jaula quanto ao seu próprio passado, envolvendo o seu desaparecimento na adolescência em circunstâncias nunca esclarecidas.

Em sua primeira temporada, Castle Rock traz uma trama repleta de mistérios, que avança em um ritmo lento. Os dez episódios do primeiro ano perseguem uma sensação de estranheza e desorientação, constantemente trazendo novas perguntas ao público, e respondendo muitas das antigas com respostas ambíguas.  Essa ambiguidade é bem utilizada na trama central, onde a real natureza do Rapaz confunde tanto Henry quanto o espectador.  Torna-se óbvio que a tragédia segue o personagem de Skarsgård aonde quer que ele vá, mas os roteiros jogam constantemente com a dúvida sobre o rapaz ser, como afirma o ex-xerife Alan Pangborn (Scott Glenn), uma criatura diabólica que deliberadamente traz a morte e o caos, ou, ser apenas mais uma vítima das forças que agem em Castle Rock.

O programa é repleto de outros mistérios que se cruzam com a trama principal, como as circunstâncias do desaparecimento de Henry quando adolescente; a morte de seu pai adotivo (Adam Rothenberg) neste mesmo período; ou o misterioso ruído vindo da floresta que atormenta tanto o protagonista quanto a sua amiga de infância, Molly (Melanie Lynskey). A série não tem pressa de responder esses mistérios, deixando até alguns em aberto; o que somado ao seu ritmo lento, pode deixar alguns espectadores com a impressão de que o programa propõe mistérios para os quais não sabe a resposta. Essa impressão, entretanto, parece ser provocada mais pela forma como a série constrói os seus personagens do que pela condução da trama. Castle Rock tenta reproduzir a atmosfera que Stephen King busca criar em suas histórias. Muitos dos tropos do autor estão presentes, mas a série falha em captar o espirito mundano dos personagens de King, que é vital nas tramas de cidade pequena do autor. 

A maioria dos personagens da série são excêntricos ou excessivamente enigmáticos e apáticos, dificultando a conexão do público com eles. Molly, por exemplo, é uma personagem confusa, construída de forma nebulosa, assim como o desejo da médium de revitalizar o centro da cidade, que parte de um idealismo em relação ao local sem qualquer base. Também Nunca entendemos por que Alan Pangborn (personagem oriundo dos livros de King) não pode ser claro com Henry sobre os seus temores em relação ao rapaz, com seu comportamento parecendo ter a função de esticar alguns mistérios da história.

 É quando se lembra de que os seus mistérios sobrenaturais e o terror proveniente deles possuem mais significado quando embalados por dramas reais, que Castle Rock encontra os seus melhores momentos. Não por coincidência, a mãe adotiva de Henry, Ruth Deaver (Sissy Spacek) surge como uma das melhores personagens, ao acompanharmos a sua luta contra a demência, um drama bastante humano e tocante, que após ser construído por alguns episódios, gera a melhor entrada da temporada. O sétimo episódio, The Queen, contado completamente do ponto de vista de Ruth, cuja noção de tempo torna-se cada vez mais confuso devido à doença, funciona maravilhosamente bem por explorar o drama humano da personagem, que dá suporte a estranheza da situação sinistra em que ela se encontra nesta parte da temporada.

A série encontra problemas em explorar completamente o seu elenco e alguns subplots propostos. Jackie (Jane Levy), a assistente de Molly, que nos é apresentada como a enciclopédia viva da cidade, que conhece todo o passado sombrio da Castle Rock, é uma personagem perdida e sem função na narrativa, apesar do carisma que Levy. O mesmo vale para o jovem Wendell Deaver (Chosen Jacobs), filho de Henry, cuja introdução na trama até funciona para humanizar o protagonista, mas que não ganha um desenvolvimento satisfatório, com características de seu personagem como a capacidade herdada do pai de ouvir os bizarros ruídos da floresta sendo introduzidas apenas para serem esquecidas logo depois.

Apesar da narrativa da série possuir essas carências, a construção da atmosfera ainda é impressionante, e o elenco principal está incrível. André Holland passa esse ar de pessoa comum que permite com que nos identifiquemos com Henry Deaver, explorando com inteligência o dilema moral que o protagonista precisa enfrentar nos dois episódios finais. Bill Skarsgård causa desconforto como o Rapaz, dando ao personagem um ar ameaçador, mas ao mesmo tempo alienado, o que permite ao público considerar que talvez o jovem seja inocente das acusações feitas contra ele. Jane Levy, apesar de ter um papel pequeno, concede imenso carisma para Jackie, parecendo se divertir á beça com o jeito mórbido da personagem. Mas o grande destaque da temporada é mesmo Sissy Spacek, que emociona o espectador com a sua interpretação delicada como Ruth, conseguindo equilibrar os aspectos dramáticos que a personagem exige, mas ainda conferindo a mãe de Henry dignidade, por essa ser uma mulher plenamente consciente de sua condição, e que a enfrenta com um humor ácido certeiro.

Tecnicamente, a série também é muito bem realizada. A fotografia explora paletas de cores frias e cinzentas, dando a cidade do título uma aparência opressiva e triste. A direção de arte também merece elogios por ajudar a criar a sensação de Castle Rock como uma cidade que já viu dias melhores, além de criar ambientes assustadores sem soar apelativo, como as passagens passadas em Shawshank. Por fim, a trilha sonora de Thomas Newman traz melodias melancólicas e grandiosas, que combinam com a atmosfera da história, e contribui de forma significativa para a nossa imersão.

Castle Rock entrega uma primeira temporada intrigante e atmosférica, que apesar de parecer um pouco perdida em seu miolo, ainda consegue encerrar a sua história de forma coerente com o que havia sido apresentado, mesmo que tal desfecho não agradar a todos por certa indefinição. Por outro lado, o programa nem sempre consegue conceder humanidade aos seus personagens, e consequentemente, para a própria Castle Rock. Expor a natureza macabra das pequenas comunidades através do caos do terror sobrenatural é uma constante nas histórias de Stephen King que Castle Rock tenta emular, mas esse tropo do autor só é eficiente por antes disso explorar os dramas mundanos de seus personagens. Essa é uma série que ainda vale a conferida, especialmente pela intrigante condução de seu mistério motor, mas poderia ter sido melhor com um pouco mais de investimento no lado humano da cidade do título.

Castle Rock – 1ª Temporada – EUA. 25 de Julho de 2018 a 12 de Setembro de 2018
Criadores: Sam Shaw, Dustin Thomason
Diretores: Michael Uppendahl, Dan Attias, Andrew Bernstein, Kevin Hooks, Greg Yaitanes, Ana Lily Amirpour, Julie Anne Robinson, Nicole Kassell
Roteiristas: Sam Shaw, Dustin Thomason, Gina Welch, Scott Brown, Lila Byock, Vinnie Wilhelm, Marc Bernardin, Mark Lafferty (baseado na obra de Stephen King)
Elenco: André Holland, Bill Skarsgård, Melanie Lynskey, Sissy Spacek, Scott Glenn, Jane Levy, Noel Fisher, Adam Rothenberg, Chris Coy, Ann Cusack, Aaron Staton, Josh Cooke, Terry O’Quinn, Zabyrna Guevara, Rory Culkin, Charles Jones, Chosen Jacobs, Frances Conroy, Charlie Tahan, Mark Harelik, Lauren Bowles, Allison Tolman, Frank L. Ridley, Caleel Harris, Cassady McClincy, Schuyler Fisk, Jeffrey Pierce
Duração: 10 episódios de 35 a 60 Minutos

Você Também pode curtir

Este site usa cookies para melhorar sua experiência. Presumimos que esteja de acordo com a prática, mas você poderá eleger não permitir esse uso. Aceito Leia Mais