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Crítica | Castlevania – 1ª Temporada

por Ritter Fan
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Existem duas formas – normalmente divisivas – de encarar a adaptação em animação de Castlevania, a famosa franquia de games da Konami que debutou em 1986 ainda no Family Computer Disk System, antecessor do NES: como um fã ou como um crítico e não digo isso de forma negativa, pois não há uma forma propriamente “errada” de se encarar uma obra audiovisual. Ainda que existam os críticos que são fãs e que conseguem realmente separar as coisas, é mais comum encontrarmos defesas apaixonadas da série televisiva do Netflix pelos fãs e uma crítica mais contundente por aqueles que são “só” críticos. Faz parte. Apesar de ter jogado o Castlevania original no NES quando de seu lançamento e algumas de suas versões seguintes, nunca fui fã da franquia, o que não me impede de perfeitamente compreender sua importância e respeitar todo o fandom que a franquia teve e tem.

Portanto, enquadro-me na categoria de não-fã e, assim, sou um “só” crítico e, como tal, não consigo ver, na 1ª temporada, a qualidade técnica que muitos realçam em prol de ver seus personagens favoritos ganharem uma versão aparentemente fidedigna nas telinhas. Na verdade, para começar, chamar a 1ª temporada de “temporada” é um desserviço ao significado que a palavra passou a ter para séries de televisão. São apenas quatro episódios de pouco mais de 20 minutos cada que poderiam sim formar uma temporada se o roteiro de Warren Ellis encerrasse arcos, mas ele nem de longe faz isso, o que não é exatamente culpa do escritor, já que a adaptação audiovisual demorou mais de uma década para sair do papel, com diversos produtores por trás, o que acabou gerando problemas ao longo do caminho. De toda forma, sem encerramento de arcos – poderiam ter seguido a bem-sucedida cartilha de Voltron, o Defensor Lendário, por exemplo – o que há é um prelúdio, um tira-gosto para uma efetiva 1ª temporada ou, para empregar o linguajar dos jogos, uma cutscene introdutória e particularmente longa.

Ultrapassado esse ponto que pode parecer besteira, mas que, ao contrário, é da essência de uma narrativa televisiva e não pode ser varrida para debaixo do tapete sem que ele seja ressaltado, há que se falar dos roteiros em si. Nesse quesito, infelizmente, o que impera é o didatismo imbecilizante, que trata o espectador como dromedários. Uma obra audiovisual precisa dialogar de maneira fluida com o espectador, equilibrando o texto com as imagens e fazendo o máximo para deixar as imagens falarem por si próprias. Uma obra audiovisual é mais visual do que auditiva. Claro que, por vezes, fugir dos textos descritivos e expositivos é quase impossível – ainda que os melhores roteiristas e diretores consigam, claro -, mas usar explicações de tudo a todo o tempo é um cacoete narrativo que corrói a estrutura de qualquer obra. A 1ª temporada de Castlevania é um exemplo gritante disso, especialmente por ter apenas quatro episódios.

Baseado principalmente em Castlevania III: Dracula’s Curse, a história é simples até não poder mais. Drácula (Graham McTavish) tem uma esposa humana que é assassinada pela Inquisição de Wallachia (hoje na Romênia) por bruxaria, já que ela é uma médica que usa mágica ciência para curar as pessoas das mais variadas doenças. Sua morte na fogueira coloca o vampiro, retratado interessantemente como um homem de ciência, o que relativiza o lado sobrenatural de sua condição, em pé de guerra contra a humanidade, marcando o pontapé inicial para que o caçador de vampiros Trevor Belmont (Richard Armitage), último membro do clã Belmont, saia de seu ostracismo e organize-se para lidar com a ameaça. Ou seja, o básico dos básicos em termos do mal contra o bem em todas as suas facetas. Em outras palavras, qualquer criança entenderia a narrativa e as funções de cada personagem sem que elas fosse explicadas em seus mínimos detalhes por diálogos excruciantes e intermináveis que, não só substituem o aspecto visual da temporada, como acabam substituindo a própria ação, que é mais rara do que achar diamante na praia.

Querem um exemplo? O lado tecnológico de Drácula é um deles. Isso fica evidente no primeiro momento em que o personagem aparece, com Lisa (Emily Swallow), sua futura esposa, chegando em seu castelo no prólogo passado 20 anos antes do momento principal da narrativa. As imagens contam fixam essa ideia em nossa mente e o desejo de Lisa de “aprender ciência” termina de ratificar o conceito. Isso é tudo que precisávamos sobre o assunto. No entanto, mais para frente, quando Belmont visita um estanho calabouço com energia elétrica (em pleno século XVI!) para salvar Sypha Belnades (Alejandra Reynoso), ele precisa explicar novamente a mesma situação, só faltando quebrar a quarta parede e soltar um “prezado espectador, como vimos no prólogo, esse Drácula aqui da série não só é um ser sobrenatural, mas, também, um homem de ciência, ok?”. E esse nem é o único momento em que essa informação é repetida. O mesmo acontece com a malignidade reiterada da Igreja, representada pelo Bispo sem nome (Matt Frewer) diretamente responsável pela morte de Lisa, como se fosse possível ter alguma dúvida disso só olhando para o rosto dele ou ouvindo sua voz. É bem verdade que o estilo artístico escolhido foi o de um anime, algo que traz embutido a linguagem mais lenta e didática das animações japonesas. Mesmo assim, porém, Castlevania perde na comparação com outras obras que trabalham de maneira muito mais econômica a necessidade de se explicar tudo em detalhes.

Aliás, falando em estilo artístico, nesse ponto a temporada merece aplausos. A arte, baseada no trabalho de Ayami Kojima para Castlevania: Symphony of the Night, é, sem tirar nem por, deslumbrante. Não só há um respeito grande para a aparência canônica dos personagens, como também para o belíssimo castelo de Drácula (impossível não lembrar do castelo da Besta, em Krull, que também desaparece e aparece ao bel prazer de seu mestre), além dos figurinos. Há cuidado extremo em popular os cenários com camadas e mais camadas sem que as poucas sequências de ação percam fluidez e elegância, com especial destaque para o duelo entre Belmont e Alucard (James Callis), personagem efetivamente introduzido mais para o final desse prólogo alongado. As notas sombrias prevalecem ao longo da narrativa, emprestando o ar opressivo e niilista da cruzada empreendida pelo Príncipe das Trevas, o que acaba, ironicamente, carregando momentos expositivos patéticos de uma solenidade deslocada.

Desgosto um pouco dos arroubos de violência que acontecem ao longo do episódio. Não que eu ache que não devesse haver violência explícita em uma série sobre o Drácula e sua horda de monstros cometendo o genocídio da raça humana, mas não há uma uniformidade de tratamento. Ora os duelos são sofisticados e focados na coreografia, ora parecem um slasher trash dos anos 80. E o mesmo vale para os palavrões pontilhados no roteiro aqui e ali que chamam extrema atenção para si mesmos, na linha do “ih, falou palavrão!” que crianças dizem suprimindo um sorriso quando algum adulto deixa um escapar. Por outro lado, os trabalhos de voz (no original em inglês) são muito bons, imponentes e fazendo o máximo para trabalhar sotaques e a pronúncia mais próxima do correto dos nomes próprios.

A primeira tempo… digo, o prelúdio de Castlevania tem todas as marcas de uma obra que poderia agradar a gregos e troianos, a fãs e não-fãs. Do jeito que ficou, ele apenas parece uma animação deslumbrante, mas de conteúdo pobre, talvez fruto de suas diversas alterações de caminho ao longo da última década. Bram Stoker, o verdadeiro primeiro vampiro, aprovaria a ideia, mas, provavelmente, acharia o roteiro tão mortal quanto o sol para sua raça.

Castlevania – 1ª Temporada (EUA, 07 de julho de 2017)
Direção: Sam Deats
Roteiro: Warren Ellis
Elenco (vozes originais): Richard Armitage, Graham McTavish, Alejandra Reynoso, James Callis, Tony Amendola, Matt Frewer, Emily Swallow
Duração: 4 episódios de aprox. 23 min.

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