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Crítica | Cavaleiro da Lua – 1X03: The Friendly Type

Os deuses devem estar loucos!

por Ritter Fan
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  • Há spoilers. Leiam, aqui, as críticas dos demais episódios e, aqui, de todo o nosso material sobre o Cavaleiro da Lua.

E, com The Friendly Type, chegamos à metade da minissérie (será que ela vira série como aconteceu com Loki?) do Cavaleiro da Lua sem perder a qualidade, muito ao contrário, com a ação sendo deslocada para o Cairo e arredores e ganhando um estilo mais abertamente Indiana Jones de caça ao tesouro com (muitos) toques sobrenaturais e uma referenciazinha inofensiva ao Universo Cinematográfico Marvel, quando Madripoor é mencionada. E, ainda que eu preveja que alguma hora o super-herói uniformizado – seja o fantástico traje original dos quadrinhos, seja o menos fantástico, mas também excelente, terno branco – tomará de assalto a narrativa, é alvissareiro notar que o foco continua predominantemente em Steven Grant/Marc Spector, aqui mais Spector do que Grant, invertendo um pouco a lógica do que vinha sendo apresentado até agora.

Não é exatamente um daqueles episódios que impulsionam enormemente a narrativa, até porque ela é, em essência, muito simples, com Arthur Harrow, de posse do escaravelho-bússola, achando o lugar em que em tese Ammit está entumbada (sim, sei que a palavra não existe em português, mas tomei a liberdade de fazer um anglicismo aqui, pois ela deveria existir…) e Spector, ao lado de Layla (cada vez mais semelhante com a Marlene dos quadrinhos em razão de seu passado com o pai arqueólogo), correndo atrás do prejuízo, mas é um capítulo que sem dúvida serve para ampliar a mitologia do Cavaleiro da Lua e também para aproximar as duas personalidades antes basicamente em guerra. Portanto, de um lado, vemos Khonshu causar um eclipse solar para forçar uma Enéade com os demais avatares dos deuses egípcios e, de outro, notamos o começo de uma parceria interessante entre o mercenário e o funcionário de lojinha de museu que é expert em egiptologia.

A Enéade é muito bem trabalhada, vale dizer, com um design de produção caprichado ali no interior da pirâmide de Quéops e um roteiro que anda no fio da navalha entre a abordagem séria e a jocosa, com Khonshu mostrando como sua forma de “usar” seu avatar é intrusiva e violenta em completa antítese aos demais deuses que cercam o pátio central. Claro que há uma certa conveniência em somente Yatzil/Hathor (Díana Bermudez) mostrar alguma compaixão por Marc, com os demais correndo para aceitar tudo o que Harrow diz com aquele tom de voz de áudio de relaxamento zen sem no mínimo dos mínimos fazer algum tipo de investigação divina. Seja como for, o que eu quero ver agora é a Enéade formando uma Liga da Justiça de deuses egípcios, pois não tem ideia melhor para vender boneq…, ops, figuras de ação do que essa.

Com o episódio mais focado em Spector, podemos testemunhar um pouco de sua eficiência em lidar com os bandidos, mas também notamos que sua fúria sanguinária não parece ser exatamente dele, mas sim algo influenciado por Khonshu ou, talvez mais provavelmente ainda, isso sendo os primeiros indícios do surgimento da personalidade Jake Lockley do personagem (que é taxista, nos quadrinhos). No entanto, cada vez mais o uso de reflexos – agora com Grant preso e tentando ser a voz da razão – ganha peso e voz, realmente criando oportunidades para mais humor fluido e natural, que emerge da situação em si e não algo marretado no roteiro. Além disso, continua o excelente trabalho de elipses em que parte da ação é sublimada em razão das trocas de personalidades, com Oscar Isaac mais uma vez mostrando versatilidade ao pular de um personagem para o outro de maneira extremamente convincente.

Talvez o ponto alto da ação “não elipsada” da série seja a pancadaria que ocorre logo depois que Marc e Layla ganham acesso ao sarcófago do medjai Senfu que fora “adquirido” por Anton Mogart (Gaspard Ulliel, infelizmente falecido aos 37 anos em janeiro de 2022, em razão de um acidente de esqui) que, nos quadrinhos é o Homem da Meia-Noite, um dos vilões do Cavaleiro da Lua que é exatamente isso, um ladrão de antiguidades, mas que usa um uniforme quase idêntico ao original do Pantera Negra. Não só os momentos que antecedem o clímax mostram como Isaac domina a transformação de Spector em Grant e vice-versa, como a direção de Mohamed Diab devidamente valoriza o visual mumificado do super-herói, com direito até mesmo à conversão de sua capa em uma lua crescente em pleno pulo (algo criado pelo mago Bill Sienkiewicz quando ele começou a desenhar o herói, em 1978). Além disso, há tempo para uma demonstração maior dos poderes e habilidades do personagem graças à arena de El Mermah que oferece iluminação e uma boa quantidade de oponentes usando simpáticas lanças tradicionais e até uma oportunidade para Grant notar que seu Senhor da Lua de terninho branco não chega aos pés do enfaixado Cavaleiro da Lua tradicional (aliás, que uniforme lindo, não?), suplicando pelo retorno de Spector em outra cena excelente de humor orgânico.

Aliás, falando em cenas de ação, uma coisa tem ficado cada vez mais clara na medida em que a minissérie avança: mesmo usando o excelente artifício das elipses para não mostrar os detalhes do que acontece, a forma como a violência é retratada é incomum em séries e filmes da Marvel Studios. Não quero chegar ao ponto de dizer que Jeremy Slater vem conseguindo emular o estilo intenso “R disfarçado de PG-13” que Matt Reeves imprimiu em seu Batman – até porque as duas produções foram consideravelmente simultâneas e ninguém copiou ninguém -, mas é prazeroso ver o cuidado que o showrunner tem tido em lidar com mortes, sangue e violência em geral sem precisar seguir o caminho mais óbvio e comum, que é mostrar tudo para os fãs que acham que violência no audiovisual é sinônimo de sangue jorrando e tripas aparecendo.

Por outro lado, confesso que não gosto muito da onipresença de Harrow. Ele ser convocado para a Enéade faz perfeito sentido. Faz menos sentido ele convencer os deuses tão facilmente com meras palavras, algo que já comentei acima, e, depois, ele aparecer de bate-papo com Selim/Osíris (Khalid Abdalla). Mas a gota d’água foi o hippie de bengala surgir na festa de Anton Mogart para atrapalhar Marc e Layla. Simplesmente não era necessário ele estar ali para fazer com que a investigação degringolasse como degringolou e catalisar a bela pancadaria. Pareceu-me forçado, como um momento para deixar ainda mais evidente – para quem não está prestando atenção, claro – que Harrow é o grande vilão. Até acho interessante ver Ethan Hawke fazer seu “Steve Jobs que quer ser Charles Manson”, mas suas constantes aparições em todos os lugares (precisava mostrá-lo vendo Khonshu rebobinar o céu?) vêm me cansando um pouco.

Cavaleiro da Lua acerta mais uma vez, desta vez com um episódio que amplia a mitologia do personagem, inicia uma possivelmente bela amizade entre Marc e Steven (pergunta pertinente: se os dois namorarem Layla podemos considerar como um triângulo amoroso com direito à ménage à trois?), finca Layla como personagem vital para a evolução da série, mostra mais dos poderes e habilidades do super-herói, e, ao final, deixa-o sem poderes e sem mentor, o que só pode significar boas notícias para o próximo capítulo, pois quanto mais Oscar Isaac sem fantasia, melhor. Nada mal para uma série que eu tinha sinceras dúvidas sobre sua viabilidade.

Cavaleiro da Lua – 1X03: O Tipo Amigável (Moon Kight – 1X03: The Friendly Type – EUA, 13 de abril de 2022)
Criação e showrunner: Jeremy Slater (baseado em personagem criado por Doug Moench e Don Perlin)
Direção: Mohamed Diab
Roteiro: Beau DeMayo, Peter Cameron, Sabir Pirzada
Elenco: Oscar Isaac, Ethan Hawke, May Calamawy, Karim El-Hakim, F. Murray Abraham, Gaspard Ulliel, Khalid Abdalla, Díana Bermudez, Antonia Salib, Loic Mabanza
Duração: 53 min.

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