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Crítica | Cavaleiros de Ferro (Aleksander Nevsky, 1938)

por Matheus Carvalho
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Que Sergei Eisenstein foi o maior nome do cinema soviético durante o regime stalinista não é novidade para ninguém. O diretor de A Greve, O Encouraçado Potemkin e Outubro ajudou a construir o cinema como conhecemos hoje e sua contribuição para o desenvolvimento da teoria cinematográfica, sobretudo em relação à arte da montagem, faz com que seu nome seja reconhecido e estudado até hoje. Sua importância se coloca como um feito extraordinário para uma cultura ocidental que historicamente tende a ignorar tudo aquilo que não nasce em seus próprios domínios, seja em relação à arte, ciência ou religião.

A genialidade de Eisenstein se sobressai ainda mais quando consideramos as limitações impostas pelo regime soviético, que enxergava o cinema e qualquer manifestação artística como um instrumento de propaganda política e de afirmação dos valores revolucionários. A verdade é que por muito pouco não tivemos a possibilidade de ver Eisenstein dirigindo filmes de grandes estúdios americanos, mas sua temporada na América foi frustrada. Não que o pragmatismo de Hollywood não fosse um fator igualmente limitante a um artista desse nível, mas certamente teríamos à disposição uma obra muito mais vasta e eclética à disposição.

Entre atritos com as amarras soviéticas e suas fracassadas experiências nos Estados Unidos e no México, Eisenstein passou praticamente dez anos sem dirigir um filme completo. Em sua volta à União Soviética, ainda era visto com muita desconfiança pelos líderes soviéticos e pela imprensa por sua aventura capitalista. Seu retorno à direção com Cavaleiros de Ferro, em 1938, veio em forma de reconciliação com o regime e ainda representou a estreia do diretor em um longa-metragem sonoro.

Enquanto a Europa era assombrada pela ameaça nazista de Hitler e marchava acelerada rumo a mais uma guerra, nada mais assertivo do que uma história sobre um grande líder russo que lidera a reação de seu povo contra uma invasão alemã. Claro que não era coincidência. O episódio a ser retratado havia se passado durante a Idade Média, mais precisamente no século XIII, quando os alemães da Ordem dos Cavaleiros Teutônicos ameaçavam os domínios russos. Enquanto os invasores destruíam cada cidade por onde passavam, a esperança russa estava nas mãos de Alexander Nesvky, que já havia liderado o exército russo em grandes batalhas.

Para a realização da obra, Eisenstein contou mais uma vez com a fotografia de Eduard Tisse, que havia acompanhado o diretor em todos os seus filmes, e com a composição de Sergei Prokofiev, considerado um dos maiores compositores do século XX. O ator escolhido para interpretar Alexander Nevsky no papel principal foi um dos queridinhos de Stalin, Nikolay Cherkasov, que repetiria a parceria com o diretor nas duas partes do épico Ivan, o Terrível.

Por todo o contexto envolvido, Cavaleiros de Ferro passa longe de figurar entre as obras mais experimentais de Eisenstein. A pressão de Stalin obrigava o diretor a ser o mais pragmático possível. Dessa forma, a narrativa é bem simples e logo na primeira sequência do filme o espectador já é apresentado ao grande Alexander e se torna ciente da ameaça alemã. A partir daí, o roteiro escrito pelo diretor em colaboração com Pyotr Pavlenko se dedica a mostrar, paralelamente, o avanço alemão e a preparação russa em direção ao inevitável confronto.

E é justamente com a Batalha no Gelo que o filme atinge todo o seu potencial artístico. A trilha de Prokofiev dá à a batalha o carácter de épico e dita o ritmo do que se vê em tela, alternando com maestria os momentos em que a música se sobrepõe e os momentos de absoluta ausência, onde se escuta somente o som das espadas, dos gritos e dos cavalos. Eisenstein dá mais um espetáculo de montagem ao alternar planos abertos e fechados, dosando a imensidão da guerra e do gelo com as micro batalhas travadas pelos heróis russos. Tudo isso sem a espetacularização comum a tantos filmes de guerra atuais, em que diretores exageram muitas vezes no uso de efeitos especiais e da câmera lenta.

Mas, deixando um pouco de lado o mérito artístico da obra, a mensagem propagandista é qualquer coisa menos sutil. Além de todo o pano de fundo da história, há vários momentos no filme em que alguns diálogos e canções são colocados para reforçar o viés atemporal da necessidade de lutar e, se necessário, morrer para defender o país. Na última sequência do longa, um plano fechado no rosto de Alexander faz com que ele praticamente quebre a quarta parede e se dirija ao espectador, deixando a mensagem de que um dia ele morrerá, mas a Rússia sempre poderá contar com seu povo fiel e corajoso. A ironia é lembrar que no ano seguinte, em 1939, Rússia e Alemanha assinaram o Pacto de Não Agressão e o filme foi proibido, até que em 1941 a Alemanha invadiu a Rússia e o filme ressurgiu e foi aclamado pela crítica soviética.

Cavaleiros de Ferro não é a obra mais experimental de Eisenstein e tampouco é seu melhor filme — O Encouraçado Potemkin não divide esse rótulo com mais ninguém –, mas seu valor é inquestionável. Em meio às limitações do regime soviético, o diretor conseguiu fazer sua arte triunfar sobre a propaganda de guerra para entregar um épico capaz de influenciar gerações de cineastas e de batalhas clássicas vistas ao longo de décadas nas telonas.     

Cavaleiros de Ferro (Aleksandr Nevsky) – URSS, 1938
Direção: Dmitri Vasilyev, Sergei Eisenstein
Roteiro: Pyotr Pavlenko, Sergei Eisenstein
Elenco: Nikolay Cherkasov, Nikolay Okhlopkov, Andrei Abrikosov, Dmitri Orlov, Nikolay Arsky, Valentina Ivashova, Vladmir Yershov, Naum Rogozhin
Duração: 111 min.

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