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Crítica | Cavalgada

por Luiz Santiago
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Contexto. Tudo dentro de um contexto faz sentido, ou pelo menos começa a fazer sentido. Se olharmos para Cavalgada (1933), filme vencedor do Oscar, e o compararmos com alguns de seus concorrentes ao prêmio de Melhor Filme no mesmo ano, especialmente O Fugitivo (de Mervyn LeRoy), As Quatro Irmãs (de George Cukor) e Os Amores de Henrique VIII (de Alexander Korda), veremos que o presente longa de Frank Lloyd, muitíssimo inferior, em todos os sentidos, às produções anteriormente citadas, só pode ter levado o troféu dourado para casa porque seu contexto histórico falou mais alto.

Baseado em uma peça de Noël Coward, a obra se inicia no Réveillon de 1899 e termina no Réveillon de 1932, na Inglaterra, país cujos principais eventos durante este período nos são narrados. Acompanhamos a Guerra do Bôeres, a morte da Rainha Vitória, a cerimônia de coroação do rei Eduardo VII, o naufrágio do Titanic e a 1ª Guerra Mundial. Em cada um desses eventos (à exceção da cerimônia de coroação de Eduardo VII, que é curta e totalmente descartável, uma vez que só vemos a chegada dos convidados ao palácio) existem bons momentos e algo a se aproveitar da película. Todavia, o roteiro é preenchido com nuances melodramáticas fáceis e intragáveis que a prejudicam bastante. Em dado momento, o roteiro chega a tal ponto que temos o seguinte diálogo em uma cena:

_ Bombardeios aéreos. Por favor protejam-se no porão.

_ Onde fica o porão?

_ Ah, esqueça o porão, vamos para o telhado.

E aí o espectador olha incrédulo para a tela, chacoalha a cabeça para ver se ouviu direito, volta o DVD um pouco e percebe que é exatamente isso isso que a personagem fala. Pois muito bem, é nessa trilha de linhas bizarras que algumas cenas são construídas. O que salva esses momentos é o caráter histórico, o contexto pacifista (representado pela matriarca da família) e alguns momentos de humor e ternura entre os personagens. Se analisarmos bem, o filme é completamente medíocre, no sentido original da palavra.

Por um lado, é difícil chegarmos a uma conclusão sobre obras organizadas dessa maneira. Muitos pontos positivos intercalados de horrendos pontos negativos confundem o espectador, que, ao final, não consegue odiar completamente a obra mas também não está muito contente com ela e, à parte o roteiro, o setor que melhor representa isso no longa é a montagem.

A rigor, o trabalho de Margaret Clancey na edição só começa a funcionar da metade para o final do longa. Sua sobreposição de takes durante os anos da Primeira Guerra e o cruzamento de más notícias no período entre-guerras são realmente muito bons, embora não haja modulação de tempo — algumas coisas duram tempo demais e outras tempo de menos –. Ao final, essa repetição do modelo utilizado no período da grande guerra se salva de ser apenas uma repetição porque é mostrada de forma mais dinâmica. O filme termina tecnicamente bem e com uma mensagem de esperança, valor à pátria e declaração de saudade pelos que partiram lutando pelo país, para que a paz se fizesse — a criação da Liga das Nações é aludida — e todos fossem felizes (o meu discurso aqui foi propositalmente moldado à semelhança da baboseira patriotista a fim de destacar a mensagem final da obra).

Cavalgada não é um bom filme, mas é perfeitamente assistível. O espectador certamente irá se divertir em alguns momentos e se espantar em outros. O teor familiar e o caráter narrativo de saga que encontramos no roteiro, embora mal escrito, funciona em seu serviço de aproximação com o espectador. Humanismo, antibelicismo (nada tão sério ou profundo como em Sem Novidade no Front, mas ainda assim…) e mensagem de esperança unidas para contar uma trama familiar de perdas e ganhos são os alicerces de Cavalgada. O contexto que citei no início está aí. O Oscar de Melhor Filme para Cavalgada, portanto, faz sentido. Mas isso não tem praticamente nada a ver com a sua qualidade.

Cavalgada (Cavalcade) — EUA, 1933
Direção: Frank Lloyd
Roteiro: Reginald Berkeley, Sonya Levien (baseado na peça de Noel Coward)
Elenco: Diana Wynyard, Clive Brook, Una O’Connor, Herbert Mundin, Beryl Mercer, Irene Browne, Tempe Pigott, Merle Tottenham, Frank Lawton, Ursula Jeans, Margaret Lindsay
Duração: 112 min.

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