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Crítica | Cazuza: O Tempo Não Pára

Tuas ideias não correspondem aos fatos.

por Iago Iastrov
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Havia algo de profético nas letras que Cazuza escrevia no final dos anos 80, como se ele soubesse que o tempo estava se esgotando. Suas canções carregavam uma urgência existencial que ecoava o sentimento de uma geração inteira saindo da ditadura militar, buscando formas de expressar liberdades recém-conquistadas. Quando decidiu tornar pública sua condição de soropositivo, numa época em que isso representava ostracismo social garantido, transformou sua vulnerabilidade em ato de resistência. Cazuza – O Tempo Não Pára, longa de 2004, tenta capturar essa intensidade, mas esbarra em limitações que impedem uma imersão mais profunda do público.

Daniel de Oliveira entrega performance notável como protagonista, demonstrando dedicação impressionante ao reproduzir fielmente os trejeitos vocais e físicos do cantor. Sua preparação rigorosa se faz evidente nas sequências musicais, onde consegue transmitir a energia magnética característica das apresentações de Cazuza. Contudo, o roteiro de Fernando Bonassi e Victor Navas o prejudica ao transformá-lo numa espécie de oráculo do rock, sempre dizendo frases-prontas carregadas de “sabedoria instantânea”, quando deveria parecer mais humano e… contraditório.

Sandra Werneck e Walter Carvalho cometem erros graves na construção da história (especialmente no desenvolvimento, onde muita coisa boba parece durar uma eternidade, enquanto outras sequer aparecem, como é o caso de Ney Matogrosso) comprometendo momentos cruciais da narrativa. A decisão de misturar imagens de arquivo com cenas recriadas cria contrastes visuais constrangedores, especialmente durante o Rock in Rio de 1985, que deveria ser o ponto alto do filme. A diferença gritante de qualidade entre o material original e a encenação quebra constantemente a ilusão cinematográfica, lembrando insistentemente ao espectador que está assistindo a uma representação mal-acabada.

Marieta Severo se destaca como Lucinha Araújo, equilibrando magistralmente o amor maternal com a angústia de quem assiste ao filho se autodestruir. Cadu Fávero constrói um Frejat convincente nos poucos momentos dedicados ao personagem, enquanto o elenco de apoio cumpre suas funções sem grandes sobressaltos. Há momentos genuinamente emocionantes, especialmente quando Marieta Severo precisa lidar com o diagnóstico do filho, mostrando a força dramática que o filme poderia ter alcançado com mais consistência. No geral, porém, o roteiro navega pela superfície dos acontecimentos, deixando lacunas importantes sobre as motivações profundas do artista. Como Cazuza passou de shows fracassados no interior para o palco do Rock in Rio? Por que sua decisão de revelar a doença é tratada apenas de passagem? Essas questões ficam sem resposta adequada, prejudicando a compreensão do personagem. E claro, a montagem fragmentada agrava o problema.

Cazuza – O Tempo Não Pára funciona melhor como veículo musical do que como cinema propriamente dito, servindo para reapresentar um repertório extraordinário que continua tocando corações décadas depois. As canções sustentam a experiência, mesmo quando a direção pisa na bola, provando que o legado poético do artista permanece intocável e é poderosíssimo. É irônico que um filme sobre alguém tão autêntico tenha resultado numa obra que, frequentemente, soa artificial – como se os realizadores tivessem pressa de contar tudo sem construir uma obra que, verdadeiramente, desse a dimensão da pessoa, da arte e do legado que está biografando.

Cazuza: O Tempo Não Pára (Brasil, 2004)
Direção: Walter Carvalho, Sandra Werneck
Roteiro: Lucinha Araújo, Fernando Bonassi, Victor Navas
Elenco: Daniel de Oliveira, Marieta Severo, Reginaldo Faria, Andrea Beltrão, Leandra Leal, Emílio de Mello, Cadu Fávero, André Gonçalves, Arlindo Lopes, Dudu Azevedo, André Pfeffer, Eduardo Pires, Maria Flor, Fernanda Boechat, Pierre Santos
Duração: 98 min.

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