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Crítica | Cebolinha #1 (1973)

A estreia do troca-letras em sua revista própria!

por Luiz Santiago
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Depois da estreia da revista Mônica em 1970, e com o grande sucesso de vendas dessa empreitada, não demorou muito para Mauricio de Sousa expandir a linha de seus títulos nas bancas, trazendo para os leitores, já no primeiro mês de 1973, o querido troca-letras com seus cinco fios de cabelo e carinha de criança sapeca. É uma revista bastante focada em histórias no “estilo Cebolinha“, ou seja, com muita ação maluca, muita comédia ácida e muitos absurdos hilários acontecendo; um alinhamento temático que, para ser sincero, faz muita falta hoje em dia, já que as revistas individuais dos personagens da Turminha em nossos tempos não carregam exatamente esse “tom central” do personagem de destaque em todas as tramas do volume.

A abertura da edição é feita por uma historinha de uma página chamada Eco, que serve como uma introdução ao gibi, já que temos o protagonista gritando “Cebolinha!” numa região montanhosa e recebendo, depois de muita insistência, uma cebola de presente. Quem pede, pode receber, não é mesmo? É preciso ter cuidado com o que fala.

Na narrativa Cebolinha à Vontade, vemos algo que jamais apareceria, dessa maneira escancarada, em um quadrinho contemporâneo. O cinco fios diz que está “com a pulga atrás da orelha” (não de um jeito metafórico) e caba tirando a roupa inteira porque a tal pulga vai descendo aos poucos, primeiro para a camiseta, depois para o short. Eu comecei a rir da tiradinha nada sutil do Cascão dizendo que o Cebola não “podia falar muito dele“, dando a entender que atrás da orelha do colega estava tudo sujo. Já o desenvolvimento da trama carrega aquela progressão de ações engraçadas que coloca o protagonista em uma situação cada vez mais delicada, sem ele perceber o que está acontecendo, porque começa a dormir, em dado ponto da história. O encerramento é vergonhoso para o Cebolinha e para todos os seus colegas (já que ele aparece pelado diante de toda a imprensa local), mas é o tipo de situação vergonhosa aliada à comédia que gera um riso de empatia e nervoso pelo absurdo, tornando a história ainda melhor.

O pequeno conto do Anjinho demonstra um dia de azar, daqueles em que nada do que a pessoa faz dá certo. Ele mesmo diz que “parece ter se levantado com a asa esquerda” e nem mesmo no desfecho da trama a sorte parece visitá-lo. Desde uma nuvem que não suporta o seu peso até os mais diversos acidentes na Terra e nos céus, o pobre ser alado não tem um pouquinho de paz. Nem quando imaginava que o pior já tinha passado. Pelo visto, os dias ruins não são uma exclusividade dos seres humanos.

Quando Tina e Rolo se encontram com um rapaz engomadinho na rua, uma tentativa de conversa é estabelecida, mas a dupla não obtém sucesso. Ou melhor, Rolo, que toma a frente da situação, tenta entender o engomadinho, tenta falar com ele, mas a diferença de vocabulário e interesses entre os dois é muito grande. Eles parecem mais pessoas de diferentes séculos tentando se comunicar. Essa é uma história simples, mas muito eficiente ao discutir jornadas de vida diferentes e formas verbais de comunicação que são contrastantes. Rolo representa a nova geração, os grupos urbanos deslocados, um hippie; enquanto Turíbio Fagundes claramente vem de uma classe e de um cenário familiar, social e mesmo educacional distinto, mais exigente, mais regrado, mais engessado. Só a Tina mesmo para ser empática e tentar enturmar o moço da norma culta ao grupo “deboaça” dela!

Roda, Pião é uma história de cunho machista pelo contraste que acaba criando entre Mônica e Cebolinha frente à capacidade ou não de rodar um pião; mas faz referência a uma dificuldade real que qualquer pessoa, não só as meninas, encontram quando estão aprendendo a brincar com o objeto. Gosto muito do fato de ser uma história sem palavras (sempre destaco a importância dessas histórias e admiro quando são narrativamente bem estruturadas, como é o caso aqui) e de como Mônica persiste, tentando de todas as formas rodar o pião mais de uma vez. O final é ela descontando a frustração no Cebolinha, o que, nessa situação, é perfeitamente compreensível.

Pipa na TV é uma daquelas comédias realistas de uma fangirl meio sem noção, mas de boas intenções, que é chamada para um evento onde vai encontrar-se com seus ídolos. Aqui, um produtor de televisão está escolhendo jovens para um time de jurados num programa de talentos. Pipa é abordada na rua e acaba negociando sua participação na gravação de um episódio. Acontece que ela acha que tudo é um ensaio e se comporta como se pudesse fazer qualquer coisa: distrair-se, responder coisas aleatórias e pular em cima de seus ídolos. É uma atitude que vemos acontecer com jovens e adultos hoje em dia, pulando em cima de celebridades ou sub celebridades que gostam, sem pensar nas consequências de seus atos. Se há uma diferença deles para com a Pipa desse continho, é que pelo menos a personagem se sentiu um pouco envergonhada depois.

Uma História Muito Louca marca a estreia do Louco, personagem criado pelo irmão de Mauricio de Sousa (Márcio Araújo) e que acabou se tornando uma grande estrela nas aventuras do Cebolinha. O roteiro aqui é engraçado do começo ao fim e possui todos os ingredientes clássicos e chamativos que esperamos das histórias do Louco. Falar de coisas que não estão lá, explorar duplos sentidos, criar variações de uma ação por um ponto de vista maluco… tudo isso se une para fazer dessa trama um primeiro e marcante encontro. Mal sabia o Cebolinha que seria o primeiro de muitos momentos insanos de sua vida ao lado desse personagem.

Cebola e Cascão fazem negócios em A Gênia, uma história curta, mas que nos diverte pelo caminho inesperado que o autor utilizou para encerrá-la. O troca-letras encontra uma lâmpada mágica, e de lá sai uma gênia que lhe concede três desejos. Cascão chega à cena e pede para o amigo desejar que não chova nunca mais. Com a recusa, Cascão propõe algo em troca, e aí é que começa a melhor parte da trama, porque eles simplesmente vão se perder na linha de trocas, de tirar ou acrescentar um objeto, uma coleção, um brinquedo, uma dívida, e o encerramento de toda essa negociação é um desvio completo daquilo para onde a aventura tinha apontado no começo. Uma boa virada de expectativa para conseguir o riso do leitor.

Em A Invocada temos Mônica e Cebolinha numa situação onde um tenta consolar o outro, tornar o dia do outro melhor, mas o plano não sai como esperado. A dentuça está irritada, no início da trama, e o Cebolinha, como um bom amigo, vai tentar animar a menina. Mas essa tentativa vem acompanhada de uma série de pequenos desastres, acidentes e acontecimentos inesperados que vão frustrando o Cebolinha a ponto de a irritação da Mônica passar para ele e deixá-lo… invocado! A troca de humores nessa história é o ponto de riso, e mostra que às vezes a gente tenta cuidar de alguém, tornar o dia de alguém melhor, mas quem verdadeiramente precisa daquilo somos nós. Na exata mesma medida e com as mesmas cores que pintamos para o amigo necessitado.

Homem da Carrocinha Vem Vindo tem uma das melhores frases de toda essa edição, que é a seguinte: “por que o homem da carrocinha sempre vem vindo e nunca vai indo?“. É uma tirada maravilhosa para um tormento constante do Bidu, numa linha de acontecimentos que poderia tranquilamente se transformar em uma história do Nico Demo, caso tivesse o proveito do elemento de maldade que tão descaradamente se apresenta para o cachorro. O autor também se aproveita de uma quebra de expectativa, mostrando que é muito mais fácil lidar com problemas conhecidos do que armar esse problema com coisas que não dominamos e que tornarão nossa fuga e nossos momentos de libertação ainda mais penosos.

E com a maravilhosa Horácio e Lucinda chegamos à história mais bem desenhada de toda a edição. Não é segredo que o Mauricio sempre colocou muito esforço nos desenhos e nos textos das histórias do Horácio, e isso é claramente visto quando pegamos essas histórias para ler. E está tudo aqui: o desalento, a rejeição, o mal-entendido e a arte e a colocação absolutamente belas. Embora Lucinda também fique triste, por ter problematizado algo que não era um problema algum, quem realmente sai magoado da situação é o meigo dinossauro comedor de alfaces, que só queria dizer um “oi” para Lucinda. Só isso.

Quem nunca brincou de encenar algum teatrinho quando era criança? Em Mônica – Ato I, vemos a turminha brincar de “salvar a mocinha“, um tema escolhido pela própria Mônica. É uma sequência de confusões sobre papéis a serem representados, e o texto expõe exatamente os estereótipos das relações sociais entre meninos e meninas no início dos anos 70 no Brasil. O lado artístico e prático dessas relações é bem representado e consegue expor as dificuldades de cada um, aquilo que cada um entende de seus papéis e aquilo que esperam que seja realizado na peça. Uma boa história, apesar da atualmente incômoda representação da donzela que obrigatoriamente deverá ser salva por um pobre camponês.

Em Bichinhos de Estimação vemos uma representação dominadora e tóxica da Mônica, que faz birra, teima e basicamente força Cascão e Cebolinha a mostrarem seus bichinhos de estimação fazerem coisas ensinadas. E quando os meninos não conseguem, eles é que acabam servindo de animais adestrados para a diversão da menina. É uma história que hoje jamais seria publicada, mas que para ser sincero, traz bem a essência daquilo que a Mônica era por muitas vezes diante da turma, sempre conseguindo, através da força verbal ou física, o que queria.

E o volume termina com a a aventura O Escritor, que se assemelha um pouquinho à história de abertura, Cebolinha Muito à Vontade, no sentido de trazer coisas inesperadas para o troca-letras, mudando a cada par de quadros. Aqui, ele tem inspiração para escrever algo, entra em uma confusão por isso, mas logo se descobre um ótimo orador. Com essa descoberta, tenta ganhar algo em cima, mas, novamente, a frustração vem. Não é uma das minhas favoritas do volume, mas é uma boa história mesmo assim, mostrando que para tudo tem o momento certo, inclusive para mostrar suas habilidades.

Cebolinha #1 (Brasil, janeiro de 1973)
Roteiro: Mauricio de Sousa (se houver mais roteiristas, isso não está informado especificamente na ficha técnica).
Arte: Mauricio de Sousa, Sidnei Lozano Salustre (se houver mais desenhistas, isso não está informado especificamente na ficha técnica).
Editora original: Abril
68 páginas

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