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Crítica | Chá e Simpatia

Um drama social e íntimo, brutal e doce.

por César Barzine
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Curiosamente, Chá e Simpatia pode ser visto como o misto de três filmes distintos lançados em 1955, um ano antes de sua estreia. É claro que, graças ao curtíssimo intervalo entre essas três produções e a de Vicente Minnelli, é muito difícil afirmar que houve uma certa influência – até porque essa obra é uma adaptação do teatro, encenada pelo também cineasta Elia Kazan. Sua “influência”, pode-se dizer, está na própria década em que todos esses filmes se localizam. Os anos 50 deram ao cinema americano um refinamento técnico e temático que se formou antes mesmo da Nova Hollywood – que viria a subverter e, ao mesmo tempo, ampliar esses mesmos aspectos. As qualidades técnicas amparadas nas inovações da época, o psicologismo de seus personagens e a ousadia temática apresentam, aqui, um filme que é um produto exemplar de um cinema moderno e ainda preso a um dado classicismo.  

Conectando-se a elementos de Vidas Amargas, Marty e, em menor medida, a Tudo Que O Céu Permite, esse trabalho de Minnelli firma um encontro com todas essas demais produções ao serem centradas no estudo de personagens que têm a sua individualidade reprimida de alguma forma. Em relação a Vidas Amargas, essa repressão é exclusivamente subjetiva, não tocando em questões sociais. Apesar dessa diferença, há uma forte aproximação graças ao fato de ambos os filmes se pautarem em fortes embates entre pais e filhos. Nas duas obras, os respectivos pais negam o amor completo aos seus respectivos filhos, que são homens adolescentes (no caso de Vidas Amargas, isso se refere a apenas um dos irmãos). Da mesma forma, tudo isso irá culminar em dois terceiros atos explosivos dominados pela catarse emocional de Tom e Cal. Os dois filmes, além de incrivelmente próximos, criam momentos empáticos que são o ápice do drama humano; os personagens choram, berram e se deixam levar à beira da loucura. 

Quanto a Marty, as convergências estão no desenvolvimento que antecede o clímax de Chá e Simpatia. Os protagonistas são estigmatizados pelo meio ao seu redor; tornam-se caricaturas, alvos de deboche e exemplos de “pessoas que não deram certo na vida”. Marty, o personagem que carrega o nome do filme, por aquilo que quer ser, mas ainda não é (uma pessoa independente e amorosamente ativa); e Tom, por expressar fragmentos daquilo que ele gostaria de se manifestar por inteiro (seu comportamento “afeminado”). Em todos os casos, eles são rejeitados socialmente por contraporem um ideal de masculinidade. O grande ponto de distanciamento está no tratamento estético dado aos filmes: Chá e Simpatia é o exato oposto do naturalismo e da simplicidade de Marty. Este partiu da TV – o que fica bem claro na exploração enxuta da mise-en-scène, em especial quanto ao espaço –, já Chá e Simpatia, que contrapõe-se ao filme de Mann graças a sua mise-en-scène bastante pictórica, veio do teatro, o que também é transparente graças à forte presença de poucas locações externas, mas acaba rompendo com isso na exploração de ambiente que aplica alguns dos recursos tecnológicos recém-chegados ao cinema, tais como o CinemaScope e o Metrocolor. 

Sendo responsável por dar uma visão mais panorâmica do cenário, o CinemaScope conseguiu atingir, em Chá e Simpatia, uma expressividade maior nos locais internos, a qual a casa de Laura é a principal delas por dominar boa parte da metragem. A câmera, mesmo sem muitos movimentos, explora bem os ambientes com seus planos gerais que se casam perfeitamente com o estilo ultracolorido de Minnelli – e aqui, produzido pelo já citado Metrocolor, uma versão mais barata do Technicolor criada pela MGM. As cores expostas são alegres e enfáticas, e a razão de serem assimiladas por um drama psicológico denso como esse está no fato de que o próprio drama trabalha com questões também “coloridas”, que são a docilidade, ternura e feminilidade em Tom e Laura. O aspecto ultracolorido é reflexo dessa subjetividade que é ofuscada por agentes externos, fazendo com que o visual do filme se esquive para uma menor iluminação e até a escuridão total em sua reta final, quando maiores turbulências causadas por esses agentes tomam forma. 

Esse visual extremamente colorido no restante do longa pode lembrar Tudo Que O Céu Permite, embora não seja num nível tão extremo quanto este, que beira a um ponto máximo de artificialismo, tão característico no cinema de Douglas Sirk. A grande ligação entre as duas obras está na questão do estigma social sofrido pelos protagonistas. No caso do trabalho de Sirk, trata-se de uma senhora em um relacionamento com um homem mais novo; no filme de Minnelli, trata-se do comportamento afeminado de um homem e sua sugestão à homossexualidade, encoberta nessa versão devido ao Código Hays. Os dois protagonistas sofrem com um peso crescente da intolerância e do preconceito alheio. No entanto, engana-se quem pensava, até dado momento de Chá e Simpatia, que não haveria um relacionamento para seu herói se debruçar. Ele cai aos braços de Laura e a beija, num ato absolutamente profundo e confuso, seja para os possíveis amantes ou para o público. 

Seria a revelação de um suposto amor? Uma tentativa desesperada de expressar sua suposta heterossexualidade? Ou de negar uma aparente homossexualidade? Tudo está no campo da suposição, do talvez. É de uma ambiguidade tanto graciosa quanto sombria. O que se pode ter certeza é que a força da atuação de John Kerr e Deborah Kerr demonstram, nessa cena, um exemplar caloroso das excelentes performances da dupla. Os momentos de ternura e doces trivialidades vividos por eles vão cedendo espaço para passagens inquietantes de dor, vulnerabilidade e desnorteamento. No caso de John, esses fatores são um ponto eletrizantes, daqueles tipos de encenações hiperdramáticas carregadas de gritos, choros e gestos intensos. Já Deborah se concentra na mera fragilidade e, dentro dessa condição, o roteiro demonstra também o casamento de sua personagem como algo problemático, em que ela é rebaixada à posição de segunda categoria pelo seu marido. 

Diante de tudo isso, Chá e Simpatia se revela também como um filme sobre amizade, sobre o poder da ternura entre duas pessoas em meio a atividades, conversas e paisagens bucólicas. É sobre aquilo que envolve sutileza e afetos em contraponto à certa brutalidade, cujo problema não está em si própria, mas em sua necessidade de se sobrepor.

Tea and Sympathy (EUA, 1956)
Direção: Vincente Minnelli
Roteiro: Robert Anderson (roteiro e peça)
Elenco: John Kerr, Deborah Kerr, Leif Erickson, Edward Andrews, Darryl Hickman, Norma Crane, Dean Jones, Jacqueline deWit, Tom Laughlin, Ralph Votrian, Steven Terrell, Kip King, Jimmy Hayes, Richard Tyler, Don Burnett, Bob Alexander, Paul Bryar, Del Erickson, Ron Gans, Mary Alan Hokanson
Duração: 122 minutos.

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