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Crítica | Channel Zero: Butcher’s Block – 3ª Temporada

por Ritter Fan
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  • Leia, aqui, as críticas das demais temporadas.

Perturbador, bizarro, desconcertante e provocador são alguns dos adjetivos mais comumente usados hoje em dia para designar as mais diversas obras de horror e suspense. Mas poucos filmes ou séries do gênero realmente merecem essa adjetivação, que, com isso, vêm se tornando cada vez mais banal, esvaziada de efetivo significado, já que seu emprego está muito ligado a marketing e a comentários deslumbrados do que qualquer outra coisa.

Nick Antosca, no entanto, com a série em formato de antologia Channel Zero, vem consistentemente justificando o uso desses e outros adjetivos semelhantes, dando um sopro de vida e  originalidade ao gênero na televisão. Com cada temporada auto-contida de breves seis episódios e contando uma história diferente, com elenco diferente, sempre baseada em uma creepypasta, o showrunner nos apresenta a situação inusitadas e muito bem construídas com um potente fundo psicológico. Em Candle Cove, a abordagem tinha como objetivo estudar o subconsciente coletivo e as memórias nostálgicas de um passado sinistro. Em No-End House, a memória ganha foco quase que absoluto em uma narrativa carregada de culpa e segundas chances. Agora, em Butcher’s Block, lançada nem três meses após o fim da temporada anterior, Antosca colocou nas telinhas sua mais ambiciosa e estranha história que aborda problemas mentais e uma visão do divino/diabólico de forma cativante e assustadora.

Assim como nas temporadas anteriores, não há sustos fáceis. A história, baseada na creepypasta Search and Rescue Woods, de Kerry Hammond, publicada originalmente no Reddit, lida com a chegada das irmãs Alice (Olivia Luccardi) e Zoe Woods (Holland Roden) em uma nova cidade, depois de um passado familiar complicado. Alice trabalha como assistente social e cuida de Zoe, que tem problemas mentais em princípio controlados. Elas se hospedam na casa de Louise Lispector (Krisha Fairchild), uma ex-repórter do jornal local que, hoje, é taxidermista e, portanto, vive cercada de animais empalhados, além de um gato Sphynx (aqueles sem pelo), ou seja, em um ambiente que, por si só, é estranho e desconfortável visualmente. Mas a cidadezinha tem um problema crônico de desaparecimento de pessoas há décadas, especialmente na completamente abandonada parte conhecida como Butcher’s Block. A próprio Louise, vale dizer, teve um irmão que sumiu há anos e ela obsessivamente investiga seu paradeiro, ligando o sumiço dele e de diversas outras pessoas com a antiga família Peach, que comandava a cidade com seu império de matadouros. O desaparecimento de uma menina que estava prestes a ser retirada do convívio de sua mãe pelo serviço de proteção à criança, serve de estopim para conectar Alice com a história sombria da cidade que envolve ainda um parque misterioso onde, dizem, há uma escadaria que aparece aleatoriamente.

Sem dúvida alguma que a mera tentativa de sinopse acima – que mantive sem spoilers – não faz jus à temporada. Há muito mais acontecendo por ali e acontecimentos e personagens inicialmente desconectados da trama principal vão, gradativa e certeiramente, entrando no emaranhado sanguinolento e sobrenatural que perpassa a região, especialmente com a misteriosa e literalmente impossível aparecimento do patriarca da família Peach, Joseph (vivido por Rutger Hauer, em um papel que, em muitos momentos, lembra seu clássico Roy Batty, de Blade Runner). No entanto, o que há de mais interessante na temporada é o tratamento dado a Alice e Zoe. Enquanto a segunda vive atormentada pelos fantasmas de seu passado que abalaram sua mente, a primeira vive sob a constante pavor de que o mesmo tipo de doença mental de Zoe também lhe aflija.

Tanto Luccardi quanto Roden estão muito bem em seus respectivos papeis e, na medida em que a trama avança, os roteiros fazem uma espécie de dança das cadeiras entre elas, ora enfatizando uma, ora a outra, por vezes até revertendo e trocando papeis. O tratamento visual da “chegada” da doença mental é fascinante, ao mesmo tempo que aflitivo ao extremo, algo que materializa o horror que uma vive e que a outra tenta escapar de toda maneira.

Ainda no âmbito das atuações, Krisha Fairchild merece destaque como a sinistra dona da casa que aluga um quarto para as irmãs. Propositalmente, tanto o roteiro quanto sua performance – além de um magnífico trabalho de maquiagem e cabelo – nos deixam permanentemente na dúvida sobre suas verdadeiras intenções. Estaria ela ao lado de Alice e Zoe ou da família Peach? Ou nem uma coisa nem outra? Não demora – a temporada é curta! – para que haja um esclarecimento quanto a esse aspecto, mas é louvável a tentativa bem-sucedida em se criar ambiguidade em cada elemento narrativo e em cada personagem.

O lado sobrenatural também merece aplausos. Aqui, o departamento de efeitos visuais – tanto práticos quanto de computação gráfica – fizeram milagre com o orçamento claramente apertado da série. As criaturas estranhas que populam a temporada, como o “Homem Carne” (por falta de nome melhor e que parece ser parente do “Homem Dente” de Candle Cove…) e os anõezinhos deformados (impossível não conectá-los com Inverno de Sangue em Veneza)  são de arrepiar os cabelos da nuca a cada aparição, criando um ar de filme de horror clássico que há muito não via na TV. Por vezes, porém, há um certo exagero na quantidade de vezes em que os seres aparecem, quase como se Antosca estivesse tão orgulhoso de suas criações que as inseriu o maior número de vezes possível na temporada. O mesmo vale para os momentos “nojeira pura” que lidam muito diretamente com a carne em suas variadas manifestações (sem o exagero caricato proposital de Preacher, porém). Se, nos primeiros episódios, a revolta visual é grande, depois a repetição tende a diluir um pouco o poder imagético.

A direção de Arkasha Stevenson, que substitui Craig William Macneill, é particularmente interessante. Ousando em close-ups desconcertantes que chegam até mesmo a irritar o espectador, o diretor consegue criar uma repulsa visual imediata que, arriscaria dizer, torna até difícil assistir à temporada de uma vez só (ver semanalmente permita a “digestão mais fácil, por assim dizer). Vemos os vincos profundos no rosto de Joseph Peach, cada detalhe de cada corte em carnes (vivas ou mortas), bocas mastigando, olhos apavorados. Stevenson consegue lidar visualmente com o inconsciente de maneira muito certeira e assustadora que, na mesma medida que prende o espectador, o afasta, mas sempre sabendo dosar cada sequência.

Butcher’s Block, portanto, é sim uma temporada perturbadora, bizarra, desconcertante e provocadora. Talvez a que mais mereça esses adjetivos de todas que Nick Antosca liderou até agora. É horror psicológico da melhor qualidade, sem filtros e sem freios. Quem tem coragem de assistir?

Channel Zero: Butcher’s Block (EUA, 07 de fevereiro  a 14 de março 2018)
Criação:  Nick Antosca (baseada na creepypasta Search and Rescue Woods, de Kerry Hammond)
Direção: Arkasha Stevenson
Roteiro: Nick Antosca, Harley Peyton, Mallory Westfall, Angel Varak-Iglar, Angela LaManna, Justin Boyd
Elenco: Olivia Luccardi, Holland Roden, Rutger Hauer, Krisha Fairchild, Brandon Scott, Angela Narth, Diana Bentley, Linden Porco, Annelise Pollmann, Paula Boudreau, Doreen Brownstone, Kierra Thompson, Sydney Sabiston, Julian Richings, Adam Hurtig, Tyrone Benskin,  Bradley Sawatzky, Andreas Apergis
Duração: 43 min. aprox. por episódio (6 episódios no total)

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