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Crítica | Chefe de Guerra – 1ª Temporada

A exuberante e violenta história da unificação do Havaí.

por Ritter Fan
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Jason Momoa vinha tentando produzir Chefe de Guerra pelo menos desde 2015, primeiro como um filme que contaria a história do Rei Kamehameha I, responsável por unificar os quatro reinos constantemente em estado de guerra do Havaí lá pelo final do século XVIII e, depois, como uma série sobre o guerreiro Kaʻiana que participou desse mesmo processo. Foi a segunda versão da ideia de Momoa que acabou chegando ao Apple TV+, com o produtor também escrevendo os roteiros ao lado de Thomas Paʻa Sibbett e Doug Jung e protagonizando a obra como Ka’iana, em uma ficção histórica que, como todas, toma liberdades com os fatos, mas que revela um cuidado muito grande, quase reverencial ao material, primeiro ao manter quase todo o diálogo na língua havaiana, em perigo de extinção, e, depois, pelo detalhismo da pesquisa em termos de tradições, figurinos, armas, deuses, arquitetura havaianas, em uma reconstrução de época excelente que traz à vida uma história poucas vezes levada ao audiovisual e que poucos conhecem.

A primeira temporada de Chefe de Guerra se passa no Havaí pré-colonial, alguns anos depois de 1778, quando o famoso Capitão James Cook, o primeiro europeu a colocar os pés no arquipélago, chegou por lá (e morreu por lá, em sua segunda viagem), com os quatro reinos – Reinos de Hawaiʻi, de Maui, O’ahu e Kaua’i – em constante pé de guerra entre si, com uma profecia antiga que diz que um dia haverá um rei que os unificará. Ka’iana (Momoa) e sua família, composta de sua esposa Kupuohi (Te Ao o Hinepehinga) e de seus irmãos, que não necessariamente são irmãos de sangue, Nahi (Siua Ikaleʻo), Namake (Te Kohe Tuhaka) e Heke (Mainei Kinimaka), moram em Kaua’i, refugiados de Maui em razão de desentendimento com o Rei Kahekili (Temuera Morrison) que convoca Ka’iana de volta à sua ilha natal para que ele ajude em uma campanha de guerra contra o Reino de O’ahu.

Os dois primeiros episódios da série, diria, são, em conjunto, um primor de construção narrativa, pois todas a mitologia é trazida à tona com equilíbrio, evitando momentos de didatismo exagerado, e as peças iniciais são muito bem postas e movimentadas em um tabuleiro complexo que, ao final desse começo, é alterado fundamentalmente, com Ka’iana seguindo viagem para as Filipinas em um navio europeu, sua família seguindo para o Reino de Hawai’i protegida por Kaʻahumanu (Luciane Buchanan), filha de um dos conselheiros de Kamehameha e o Rei Kahekili sendo enquadrado como o grande vilão que deseja tornar realidade a profecia da unificação dos reinos a qualquer custo, com ele sendo “o Escolhido dos deuses”. A partir do terceiro episódio, a narrativa passa a lidar com diversos núcleos de personagens, com Kaua’i aprendendo sobre os horrores do homem branco em Zamboanga e fazendo amizade com o ex-escravizado Tony (James Udom) que o ensina a língua inglesa; o rei de Hawai’i morrendo e legando seu reino a seu filho Keoua (Cliff Curtis) que, porém, não gosta que a guarda do Deus da Guerra fique com Kamehameha (Kaina Makua), criando uma cisão interna e o Rei Kahekili continuando em sua espiral insana de violência para efetivamente dominar O’ahu e partir para as demais ilhas.

A abertura desse leque enriquece a história tremendamente, criando contexto para cada ação e cada personagem e sem se afastar no lado espiritual e divino que pontua a crença da população dos reinos havaianos, com uma abordagem repleta de misticismo, visões, e, claro, como em toda religião, muita manipulação. E o melhor é que Sibbett e Momoa não hesitaram em se arriscar a dar tempo ao tempo, algo cada vez mais raro em filmes e séries, especialmente os mais caros como certamente foi a produção de Chefe de Guerra. Apesar de haver boas batalhas e lutas com direito a muita violência (especialmente porque as armas brancas dos havaianos não exatamente cortam, mas sim dilaceram), com personagens realmente marcantes, o foco está mesmo na construção de mundo, na política e na religiosidade dos reinos havaianos e na ameaça representada por mais e mais navios europeus aprendendo sobre as paradisíacas e inexploradas ilhas do Pacífico.

Nada é corrido e todo personagem tem seu espaço, valendo especial destaque para os dois reis e para a crescente importância de Kamehameha e especialmente de sua esposa Kaʻahumanu. Confesso que chegou um ponto que até eu, que adoro um banho maria audiovisual, comecei a ficar inquieto, querendo mais cabeças rachadas por tacapes de aparência monstruosa, mas, com eu disse mais acima, tudo é muito equilibrado. E, nesse equilíbrio, até atores mais trogloditas como o próprio Jason Momoa conseguem mostrar que são realmente atores às vezes, com Cliff Curtis construindo um bom Keoua e Temuera Morrison, que nunca teve oportunidade real de mostrar a que veio, mais do que convencendo como o assustador Kahekili. Não que o conjunto de atuações seja sensacional, pois definitivamente não é (com exceção do elenco feminino, sendo justo), mas ele é sem dúvida intenso e funcional, trazendo genuinidade às retratações dos personagens históricos, especialmente a Kamehameha, que é trabalhado por Kaina Makua como um homem capaz de fazer qualquer coisa pela paz, algo que reflete o que aprendemos sobre Ka’iana logo no início, mas que vemos o personagem perder quando ele tem seus olhos abertos por sua viagem às Filipinas e descobre do que o homem branco é capaz.

Por outro lado, Chefe de Guerra por vezes se perde na teatralidade exagerada nas lutas e batalhas. Os grandes momentos de ação são carregados de câmeras lentas, de movimentações artificiais que estão mais para danças coreografadas e, em determinado ponto, na grande batalha final em um platô de pedra vulcânica preta, uma pegada que descamba para um show de luzes e CGI ruim que mesmo eu, que não costumo me incomodar com CGI ruim, fiquei incomodado. E que fique claro: eu não falo da teatralidade literal que serve de preâmbulo para as batalhes de acordo com os costumes locais, em versões mais elaboradas da dança “haka”, tradicional da cultura Maori, da Nova Zelândia, tornada popular por ser usada nos jogos de rúgbi, mas sim da pancadaria em si ser milimetricamente trabalhada não para parecerem reais, mas sim para destacar os personagens e a violência, o que tira um pouco da imersão. Um reflexo dessa teatralidade também pode ser visto na fotografia que faz questão de ser maniqueísta ao retratar especificamente o distrito comandado por Kamehameha como um paraíso na Terra, com cores vibrantes e uma aparência geral de harmonia e paz, enquanto que o distrito mais diretamente governado por Keoua e todos os lugares onde vemos Kahekili ganharem sombras ou cores que marcam a violência – como o vermelho vulcânico – e um senso de ameaça constante.

Seja como for, Chefe de Guerra é uma baita produção com belíssimos visuais e que não tem medo de dedicar tempo para o desenvolvimento e detalhamento do universo histórico consideravelmente desconhecido que aborda, deixando as sequências de ação em segundo plano, onde elas devem ficar mesmo. Foram 10 anos que Jason Momoa passo refinando a ideia de contar um pouco da história de seus ancestrais e o tempo fez muito bem ao material que chegou às telinhas. Que venham mais temporadas!

Chefe de Guerra – 1ª Temporada (Chief of War – EUA, 1º de agosto a 19 de setembro de 2025)
Criação e desenvolvimento: Thomas Paʻa Sibbett, Jason Momoa
Direção: Justin Chon, Anders Engström, Brian Andrew Mendoza, Jason Momoa
Roteiro: Thomas Paʻa Sibbett, Jason Momoa, Doug Jung
Elenco: Jason Momoa, Luciane Buchanan, Te Ao o Hinepehinga, Te Kohe Tuhaka, Brandon Finn, Siua Ikaleʻo, Mainei Kinimaka, Roimata Fox, Keala Kahuanui-Paleka, Moses Goods, James Udom, Benjamin Hoetjes, Kaina Makua, Temuera Morrison, Charlie Brumbly, Erroll Shand, Sisa Grey, Cliff Curtis, Ioane Goodhue, Branscombe Richmond, Jason Hood, Kekuhi Keali‘ikanaka‘oleohaililani
Duração: 435 min. (nove episódios)

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