Home FilmesCríticasCatálogos Crítica | Chuva Negra

Crítica | Chuva Negra

Visualmente, quase um prelúdio de Blade Runner.

por Ritter Fan
914 views

Chuva Negra foi o filme que finalmente quebrou a maldição dos primeiros 10 anos da carreira cinematográfica de Ridley Scott em que apenas uma de suas obras – Alien, o Oitavo Passageiro – se pagou na bilheteria. Tendo custado 30 milhões de dólares, o longa fez pouco mais de 134 milhões, o que o coloca em patamar parecido ao seu sucesso de 1979, sendo até hoje uma das maiores arrecadações no cinema do cineasta. Não temendo lidar novamente com um filme noir em seguida ao seu fraco Perigo na Noite, o diretor consegue, ao transpor a ação para o arquipélago japonês, evocar direta e indiretamente seu clássico Blade Runner.

Essa conexão visual de Chuva Negra com Blade Runner, aliás, é o que realmente diferencia o longa, com a fotografia de Jan de Bont (cinco anos antes de sentar na cadeira de diretor pela primeira vez, com Velocidade Máxima) aproveitando muito bem tanto a ambientação noturna repleta de reflexos e de luz néon da cidade quanto as sequências diurnas com locações industriais e também rurais (ironicamente, a tomada final, na fazenda em que os oyabuns se encontram, foi toda filmada em Napa Valley, na Califórnia, em razão da burocracia e dos custos de se filmar no Japão), criando um excelente contraste e uma variedade que ele consegue dar identidade única ao evocar, sem dó nem piedade – e para que, não é mesmo? – a atmosfera da obra de 1982 que já estava em processo de se tornar cult. De certa maneira, é como assistir um prelúdio de Blade Runner, já que sequências inteiras são cuidadosamente trabalhadas de maneira a estabelecer um fio visual comum entre as obras.

Michael Douglas vive o detetive Nick Conklin que está sendo investigado por corrupção em Nova York que, com seu parceiro boa praça Charlie Vincent (Andy García), captura Sato Koji (Yūsaku Matsuda) quando ele e seus capangas matam outros membro da Yakuza que estão em reunião com membros da Cosa Nostra no mesmo restaurante frequentado pelos policiais. Sob protesto de Conklin, o chefe de polícia ordena que ele e Vincent escoltem Sato de volta a Osaka, para entregá-lo à polícia local, mas, chegando lá, Sato escapa quando seus capangas, disfarçados de policiais, enganam os americanos na porta do avião. Começa, então, uma caçada por Osaka, com Conklin e Vincent – com status de observadores e desarmados – sendo acompanhados pelo inspetor local Masahiro “Mas” Matsumoto (Ken Takakura), com direito à ajuda da anfitriã americana de boate Joyce (Kate Capshaw, na segunda vez na mesma década em que ela vive uma bela americana que trabalha em uma boate no oriente).

O que segue, daí, é o bom e velho “choque de cultura”, com Conklin vergando e quebrando todas as leis possíveis para conseguir seu objetivo para o horror do certinho Mas, com Vincent tentando ser a voz apaziguadora entre os dois. O fato de o protagonista ser investigado por corrupção o coloca sob intensa desconfiança de todos ali, com Scott fazendo de tudo para manter a dúvida no espectador pelo maior tempo possível, com a revelação sobre ele ter ou não furtado dinheiro de traficantes ficando para um ótimo diálogo entre ele e Mas que sela de vez a conexão entre os dois personagens. E essa espada que fica constantemente apontada para a cabeça de Conklin também funciona para minimizar – e até eliminar, diria – aquele tropo antigo e cansado do “americano que vai ensinar outro povo como fazer as coisas”, pois, por mais arrogante que o personagem de Michael Douglas possa ser – amplificado por seu indefectível mullet idêntico ao que Mel Gibson usara dois anos antes para viver seu Martin Riggs, em Máquina Mortífera -, ele realmente parece carregar, o tempo todo, esse peso em suas costas.

Há também uma tentativa de o roteiro lidar com a americanização do Japão no período pós-guerra e a forma como os japoneses mais tradicionais encaram essa imposição, mas, nisso, o texto de Craig Bolotin e Warren Lewis é bem menos eficiente mesmo que o próprio título do longa seja justificado por isso, em um diálogo de Conklin com o chefão local da Yakuza. É que esse aspecto da obra fica em segundo, talvez terceiro plano, com linhas de diálogo esparsas aqui e ali para emprestar esse verniz crítico ao longa, mas sem realmente abordar o assunto de maneira relevante o suficiente para que o espectador possa seriamente levá-lo em consideração.

Com boas sequências de ação, uma inteligente relativização do clichê do “policial americano esperto”, fotografia de se tirar o chapéu e uma trilha sonora de Hans Zimmer – a primeira colaboração com Scott, aliás – na época em que ele ainda não tinha inventado o cansativo “BRRMMMMM” dele, Chuva Negra é um belo exemplar do que ainda podemos chamar de início de carreira de Ridley Scott como diretor. Não é nem de longe uma obra-prima, mas é um filme maduro, que carrega as assinaturas clássicas do cineasta e que conta com ótimas atuações de seu elenco, especialmente de Ken Takakura e que, claro, finalmente tirou Scott da penúria em termos de bilheteria, dando-lhe fôlego para as décadas seguintes.

Chuva Negra (Black Rain – EUA, 1989)
Direção: Ridley Scott
Roteiro: Craig Bolotin, Warren Lewis
Elenco: Michael Douglas, Andy García, Ken Takakura, Kate Capshaw, Yūsaku Matsuda, Shigeru Kōyama, John Spencer, Guts Ishimatsu, Yuya Uchida, Tomisaburo Wakayama, Miyuki Ono, Luis Guzman, Stephen Root, Richard Riehle, Clem Caserta, Vondie Curtis-Hall, Toru Tanaka
Duração: 125 min.

Você Também pode curtir

Este site usa cookies para melhorar sua experiência. Presumimos que esteja de acordo com a prática, mas você poderá eleger não permitir esse uso. Aceito Leia Mais