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Crítica | Cidade Pássaro (Shine Your Eyes)

por Guilherme Rodrigues
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A primeira aparição da cidade de São Paulo em Cidade Pássaro é um choque. Saímos de uma cena serena, colorida, na África dos anos 80, envolvendo dois irmãos que se encaram fixamente, com um dizendo para o outro que, se olhado de certa maneira, um espírito aparecerá. Um corte seco e agora atravessamos o tempo e espaço, e a cor e intimismo da cena prévia da lugar a visão cinzenta e impessoal da São Paulo do ano 2019.

O aspecto de quadro reduzido enfatiza a densidade desse cenário. Menos um local onde pessoas moram, essa São Paulo parece ser puro concreto, um lugar estranho a vida, quase alienígena. Mas é claro, há pessoas ali, espremidas e sozinhas, conforme os planos seguintes mostram. Uma dessas pessoas, nova a esse mundo, é o nigeriano Amadi (O.C Ukeje), que tenta se localizar naquele espaço. Pergunta em inglês para um transeunte “Onde fica a Galeria Presidente?”, que o ignora.

Amadi veio de Lagos, na Nigéria, e possui uma missão muito importante na cidade: encontrar seu irmão mais velho Ikenna (Chukwudi Iwuji), que simplesmente desapareceu sem deixar rastros. Suas ´pistas são uma série de e-mails onde Ikenna fala um pouco sobre sua vida, seu emprego, a casa que comprou, entre outras coisas, mas ao seguir esse rastro, Amadi descobre que seu irmão não estava sendo totalmente honesto, e o cenário se torna mais complexo e mistificante a cada passo, enquanto o protagonista se redescobre nesse novo local, com novas pessoas.

Filmes focados em imigrantes costumam se focar no choque cultural, na diferença de hábitos ou nas dificuldades de se adaptar. Não é o caso em Cidade Pássaro, Amadi e sua cultura não se tornam objeto de estudo ou coisa do tipo, especialmente porque a figura do imigrante no longa é mais presente que a do brasileiro, como pessoa ou idioma, e o que é destacado como diferente é a cidade em si, como previamente citado, seus prédios são exotizados, com composições que procuram evidenciar a impessoalidade daquele ambiente.

Mas nesse cenário tão anti natural, existem questões muito humanas, como a vontade de se conectar com o outro, e a impossibilidade disso acontecer às vezes por puro acaso do destino. Um dos personagens do filme, um professor húngaro, não consegue mais conversar com o próprio pai, pois enquanto ele esqueceu sua língua mãe, seu progenitor esqueceu-se do português, mas eles seguem nessa relação incerta, mas sempre calorosa. Se a cidade lá fora é de um cinza frio, o interior do lar dos dois é marcado por cores quentes.

Cidade Pássaro flerta também com a ficção científica, especialmente a partir dos rastros de Ikenna, já que Amadi descobre que seu irmão estava interessado em física quântica e em uma maneira de prever os acontecimentos do mundo por meio de cálculos matemáticos, com as sequências que exploram esses aspectos da trama se apoiando um pouco no cinema experimental para expressar essas ideias. Apesar de instigantes, esses momentos, em retrospecto, acabam ficando um tanto dispensáveis diante do todo. Em uma trama tão interessada nos laços que se formam em um ambiente tão hostil quanto São Paulo desse filme, a impessoalidade da matemática não cabe muito bem.

Cidade Pássaro (Shine Your Eyes – Brasil, 2020)
Direção: Matias Mariani
Roteiro: Maíra Buhler, Matias Mariani, Júlia Murat, Roberto Winter
Elenco: O.C Ukeje, Chukwudi Iwuji, Paolo André, Indira Nascimento, Barry Igujie, Yasmin Thin Qi
Duração: 102  min.

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