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Crítica| Círculo de Fogo: The Black – 2ª Temporada

O final da jornada pela Austrália distópica.

por Ritter Fan
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  • spoilers.

A segunda e última temporada de Círculo de Fogo: The Black apresentou-me um dilema que, por mais incrível que possa parecer, tive que enfrentar relativamente poucas vezes em todos esses anos de indústria vital. Tendo gostado muito da primeira temporada da infelizmente curta série, que foi capaz de expandir de maneira coerente a mitologia do excelente filme original de Guillermo del Toro (esqueçamos, por favor, daquela continuação de 2018) e de apresentar um mundo em versão animada 3D de muita qualidade e realismo dentro da proposta, claro, fiquei esperando que esse caminho fosse seguido. No entanto, a seita das Irmãs dos Kaijus, que havia aparecido brevemente antes, toma de assalto o palco principal da derradeira temporada, causando-me espécie.

E essa estranheza só foi sendo amplificada pela natureza cada vez mais… sobrenatural delas, com poderes especiais de controle de kaijus, sangue azul fosforescente, lavagem cerebral, rostos e corpos disformes e assim por diante. Por outro lado, fica evidente que a seita que deseja, ao que tudo indica, terminar de dominar o mundo colocando os kaijus em controle com o uso do misterioso “messias” humano-kaiju que é batizado apenas de Garoto (Ben Diskin), é parte da infraestrutura narrativa criada por Craig Kyle e Greg Johnson e não algo simplesmente tirado do chapéu deles. O que quero dizer com isso é que Círculo de Fogo: The Black, gira em torno das irmãs como as verdadeiras vilãs e, apesar de ser perfeitamente razoável desgostar disso – e eu desgosto -, esse desgosto não pode ser base para análise da temporada na base do “se eu não gosto desse conceito, então o material é ruim”, já que isso seria pura infantilidade. Daí meu dilema, obviamente.

Mas a solução para ele é o distanciamento. E distanciar-se de uma obra que vemos como falha em sua concepção não é exatamente fácil, mas é algo que precisa acontecer e que se resume na tentativa de resposta da seguinte pergunta: mesmo desgostando disso, o desenvolvimento narrativo acontece a contento? Esse é o ponto crucial. Esse é o aspecto realmente relevante quando algo assim acontece, pois, apenas para usar um exemplo mais na moda, se eu desgostasse do conceito de multiverso, isso não deveria ser o suficiente para condenar um filme como Homem-Aranha: Sem Volta para Casa.

Considerando, primeiro, que, nos frontes de design de criaturas e personagens – robôs, kaijus, humanos, semi-humanos -, de animação do estúdio japonês Polygon Pictures continua do mais alto gabarito e da linha narrativa macro, esta sendo a tentativa de retorno de Taylor (Calum Worthy) e Hayley Travis (Gideon Adlon) para seu pai e sua mãe que eles esperam estar na base de Sydney, o que significa atravessar toda a Austrália no comando do poderoso Jaeger – ainda que sem armamentos – Atlas Destroyer carregando o instável Garoto e com a ajuda de Mei (Victoria Grace), tudo continua sendo muito bem comandado pelos showrunners, incluindo as sequências de ação e os dramas humanos que ameaçam separar os irmãos, resta-me lidar com as novidades.

E essas novidades invariavelmente giram ao redor das Irmãs dos Kaijus que querem de toda maneira controlar Garoto por verem nele uma figura messiânica. A mais importante delas, claro, é que Brina (Allie MacDonald), mãe de Taylor e Hayley, é uma das irmãs, algo que é descoberto relativamente cedo na temporada quando ela é capturada por Shane (Andy McPhee), que inicialmente tem a intenção de usá-la como moeda de troca de forma a finalmente colocar as mãos no tão cobiçado Jager. Essa é uma revelação que, mesmo não surpreendendo completamente, ganha desenvolvimento primoroso ao longo da temporada, primeiro encerrando o arco do relacionamento conturbado de pai e filha entre Shane e Mei, com Shane sacrificando-se por ela (ou por um bem maior) e, depois, Spyder (Martin Klebba) entregando-lhe um chip com suas memórias apagadas. Toda a ação dentro do drift com Shane tentando trazer Brina de volta da profunda lavagem cerebral é um excelente uso da tecnologia, sem que o roteiro perca a chance de fazer um sacrifício de monta ao mostrar que Shane sabia que aquele era um caminho sem volta para ele.

O que segue daí, com Brina ajudando a trinca de jovens a recuperar Garoto das garras da Alta Sacerdotisa no templo das Irmãs dos Kaijus enquanto ela “purifica” o sangue do híbrido é ação da mais alta qualidade. A independência do uso do Atlas Destroyer é algo bem-vindo, para que o Jaeger não parece uma muleta narrativa que convida à combates épicos o tempo todo, assim como Brina usando toda sua força para não só manter as portas mentais fechadas à influência da sacerdotisa em prol de seus filhos ao mesmo tempo em que emprega todas os seus conhecimentos e habilidades para tornar o resgate possível. E o melhor é que, em um momento emocionante que parte de um engodo sobre seu destino, descobrimos que seu “estranho e apressado” final feliz é, apenas, um drift justamente com o objetivo de deixá-la morrer achando que sua família se uniu.

Nesse processo, há até espaço para que a I.A. Loa (Erica Lindbeck) ganhe desenvolvimento o suficiente para que sintamos de verdade seu sacrifício final para derrotar um kaiju Categoria 6 que é enviado pelas irmãs para derrotar o Atlas Destroyer antes que ele chegue à segurança de Sydney. O final feliz, com a reunião de Taylor e Hayley com seu pai e a formação de um novo núcleo familiar incluindo Mei e Garoto é algo completamente esperado e que funciona bem dentro do contexto que se pode esperar da animação, ainda que fique evidente que aspectos importantes sejam mantidos sem solução, notadamente a verdadeira natureza de Garoto e o que exatamente Mei fez com suas memórias, o que me leva a crer que os showrunners tinham muito mais a desenvolver e que o fim da série em sua segunda temporada tem muito mais jeito de cancelamento à destempo do que um fim propriamente dito.

No final das contas, as Irmãs dos Kaijus, apesar de eu pessoalmente as achar desnecessárias, foram instrumentos para que uma pletora de outros eventos e desenvolvimentos acontecessem de forma concatenada ao longo de curtos sete episódios que levaram a história – mesmo considerando o uso um tanto deus ex machina de Apex – a um fim satisfatório dado o encerramento tão rápido da série. Elas – as irmãs – permanecem tão misteriosas quanto inicialmente pareceram ser, precisando ser arquivadas na mesma prateleira do mistério envolvendo a existência de Garoto. Quem sabe se, com um pouco mais de história a ser contada – de repente em uma futura nova série – minha estranheza inicial sobre os poderes aparentemente mágicos da seita não desapareça?

Círculo de Fogo: The Black – 2ª Temporada (Pacific Rim: The Black, EUA/Japão – 19 de abril de 2022)
Desenvolvimento: Craig Kyle, Greg Johnson
Direção: Susumu Sugai, Masayuki Uemoto
Roteiro: Greg Johnson, Craig Kyle, Paul Giacoppo, Nicole Dubuc
Elenco: Calum Worthy, Cole Keriazakos, Gideon Adlon, Camryn Jones, Erica Lindbeck, Ben Diskin, Victoria Grace, Andy McPhee, Jason Spisak, Allie MacDonald, Nolan North, Rhys Darby, Martin Klebba
Duração: 171 min. (sete episódios)

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