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Crítica | Clarice – 1ª Temporada

por Leonardo Campos
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Mais uma vez, Clarice Starling está de volta para silenciar os cordeiros e salvar não apenas aos outros, mas a si mesma. Considerada uma das heroínas mais fortes e bem delineadas dramaticamente pelo cinema moderno, a agente do FBI de O Silêncio dos Inocentes atravessou uma forte empreitada física e psicológica para deter Buffalo Bill, enfrentou a misoginia de outros colegas do seu meio profissional e ainda teve que lidar com os jogos intelectuais de Hannibal Lecter, ocasião de aprofundamento nas zonas mais abissais de suas memórias nebulosas. No cinema, como sabemos, Clarice retornou após uma década do filme de Jonathan Demme para o polêmico e interessante reencontro deste Lecter e Starling em Hannibal. Agora, depois do investimento de Bryan Fuller como criador da série sobre os acontecimentos em torno do romance Dragão Vermelho, chegou a vez de retornar ao universo, mas com foco na agente e nos desdobramentos da libertação de Catherine Martin (Marnee Carpenter) do cativeiro do psicopata que destruí famílias em sua busca por transcendência, projeto de transformação que mudou vertiginosamente a trajetória de Clarice em sua dimensão pessoal e profissional.

Assim, a série buscou contemplar, em seus 13 episódios de 45 minutos, a carreira da agente Starling, a relação com a senadora Ruth Martin (Jayne Atkinson), a amizade de Ardelia Mapp (Devyn A. Tyler), as retaliações de Paul Krendler (Michael Curtiz), os traumas da jovem que envolvem as lembranças turvas de seu pai, um homem que de acordo com os resgastes das sessões com a terapeuta, parece não ser o que ela imaginava e o que nós sabíamos enquanto informação fornecida pelo filme de 1991, produção que por sinal, serve como ponto de partida, mas não pode ter um de seus mais brilhantes personagens, o Dr. Hannibal Lecter, mencionado nem mesmo numa das breves linhas de um dos diálogos. Por questões de direitos autorais, um dos ícones do universo literário de Thomas Harris, levado aos cinemas por Dino de Laurentiis e equipe não pode sequer ser citado, situação que faz a série se voltar ao mundo de Clarice e explorar outras interações. O resultado é satisfatório, bem diferente da busca por cancelamento de parte da crítica precipitada que detonou o programa sem deixar a história se desenvolver em seus blocos procedurais. É uma boa produção, parecida com os demais programas policiais que envolvem investigação e outros elementos que integram a psicologia criminal.

Criada por Alex Kurtzman e Jenny Lumet, Clarice foi concebida pela CBS Studios e traz como história uma rocambolesca investigação sobre mulheres assassinadas sob circunstâncias peculiares, numa trama que não traz como direcionamento, a perturbação mental de apenas uma figura ficcional, como foi o caso cinematográfico de Buffalo Bill. O inimigo agora é outro e Clarice Starling, interpretada com adequação pela jovem Rebecca Breeds, terá que urdir um tecido muito mais volumoso para encontrar as respostas que levam os personagens ao encontro de um audacioso conjunto de crimes enraizados sistemicamente em homens poderosos e autoridades envolvidas em corrupção e estratégias de manutenção de poder nada éticas, obstáculos que colocam maiores dificuldades em cada etapa da busca por resolução dos conflitos de cada episódio. Ao seu lado, Clarice conta constantemente com o dedicado Esquivel (Lucaa de Oliveira), agente que faz parte do grupo de “diferentes” que precisam lidar com a xenofobia dos demais integrantes de seu grupo de trabalho. Do meio para o final, a saga da heroína fica um pouco enrolada demais, com muitas aleatoriedades, resolvidas com sabedoria, em específico, nos dois episódios finais. Aqui, temos mais um exemplo de um programa que poderia ser ótimo, mas entrega algo apenas bom. Clarice cumpre as suas promessas inicias, mas como destacarei mais adiante, creio não haver muito espaço para fazer coisas que apresentem algo interessante sobre a icônica personagem. Melhor evitar mexer no que já está bom o suficiente, para evitar mediocridade.

Ademais, como a sua principal referência é uma obra-prima do cinema moderno, espera-se que a produção televisiva buscasse sair do genérico e criar um material audiovisual sofisticado, cheio de simbolismo, tal como a série de Bryan Fuller e seu investimento em design de produção e direção de fotografia. Infelizmente, o material de Clarice não se propõe a ser ousado e entrega ao espectador o básico, sem ser ofensivo, mas nada que seja digno de algum destaque ao lado do que habitualmente as produções televisivas contemporâneas tem ofertado ao seu público. Desde já, reforço que esse fator não depõe contra a série e não prejudica o seu ritmo narrativo. É que na mencionada série sobre o universo de Will Graham e Dr. Lecter, os realizadores investiram num deslumbrante e bastante ousado projeto visual, por isso, quem vos escreve, em particular, ficou cheio de expectativas não atendidas pela condução musical de Jeff Russo, direção de fotografia de Marc Laliberté e Brendan Steacy e pelo design de produção de Leslie Kavanagh. Por fim, mesmo que a série não continue, o seu desfecho conseguiu amarrar os arcos sem deixar aquela sensação de pontos desarticulados nas produções que não ganham continuidade.

Não creio que Clarice Starling tenha mais tanta coisa a dizer. Se for o caso, será preciso ousar bastante. A pergunta é: será que os realizadores deste empreendimento conseguem a façanha de continuar a contar a saga da personagem sem se perder em estripulias dramatúrgicas?

Você, caro leitor, o que acha?

Clarice – 1ª Temporada (idem, EUA, 2021)
Criação: Alex Kurtzman, Thomas Harris, Jenny Lumet
Direção: Alex Kurtzman, Thomas Harris, Douglas Aarniokoski, Chloe Domont, Wendey Stanzler, Deborah Kampmeier
Roteiro: William Harper, Kenneth Lin, Celena Cipriaso, Gabriel Ho
Elenco: Rebecca Breeds, Michael Cudlitz, Lucca De Oliveira, Nick Sandow, Devyn A. Tyler, Kal Penn, Maya McNair, Raoul Bhaneja, Marnee Carpenter, K.C. Collins, Jayne Atkinson, Simon Northwood, Kris Holden-Ried
Duração: 43 min (cada episódio)/10 episódios no total.

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