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Crítica | Clube da Luta

por Ritter Fan
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estrelas 5,0

Obs: Há SPOILERS do filme na crítica. Se você não viu esse filme – e essa sugestão vale para toda a filmografia de David Fincher – assista-o e, depois, volte aqui.

Para escrever essa crítica, tive que descumprir as duas regras fundamentais do Clube da Luta. Mas acho que Tyler Durden me perdoaria… Ou será que não?

Clube da Luta é, talvez, o ponto alto da carreira de David Fincher. Essa afirmação, provavelmente, será lida com desdém por muita gente, que preferirá indicar outros filmes do diretor como o melhor, mas em termos de junção perfeita entre forma e substância, atuações, amálgama de efeitos especiais e mensagem, Clube da Luta é, no mínimo, sua obra mais instigante e intrigante.

Afinal de contas, o protagonista é o narrador (Edward Norton), mas ele não tem nome, lembrando o John Doe de Seven. É um homem comum, desenhado para que seja possível qualquer um da plateia se identificar com ele. Ele tem insônia e só consegue curá-la tendo momentos de catarse em grupos de ajuda das mais variadas doenças e problemas. Lá, ele conhece Marla Singer (Helena Bonham Carter), outra fingidora como ele, que, por ele ver sua farsa nela, o faz voltar à estaca zero com sua insônia. Ele é analista de recall, ou seja, ele determina se, matematicamente, vale a pena para a empresa em que trabalha, fazer o recall dos carros que fabrica ou se é mais negócio deixar as pessoas morrerem. Nesse vai-e-vem pelos Estados Unidos, ele conhece Tyler Durden no avião, um de seus amigos “single serve”, que fabrica sabonetes.

Juntos, eles encontram nova forma de catarse, lutando um contra o outro no meio da rua. Logo essa mania atrai os olhares de outros e o Clube da Luta, então, toma forma. Dali, Durden, com sua natural liderança e seus pensamentos anarquistas, começa a criar uma verdadeira seita que sai cometendo atos anti-estabelecimento país afora.

Mas Tyler Durden não existe. É, apenas, uma forma que a mente do narrador sem nome encontrou para fugir do seu dia-a-dia insuportável, de sua conformidade com o que dita a sociedade. Afinal, para que alguém em sã consciência precisa de uma mesa de centro no formato de Yin-Yang, ou sapatos italianos, ou um apartamento transado? E essa revelação é inteligentemente inserida no filme e está lá para qualquer um ver, de forma ainda mais inteligente do que M. Night Shyamalan fez – no mesmo ano, diga-se de passagem! – em O Sexto Sentido.

Famosamente, David Fincher encarnou o mote anarquista do livro de Chuck Palahniuk, que deu base ao brilhante roteiro de Jim Uhls e trabalhou visualmente essa atmosfera. Tyler Durden (Brad Pitt, em um de seus melhores papeis) é inserido em frames de diversas sequências até que ele finalmente surge em “carne e osso” no avião. Nós vemos o filme pelos olhos do narrador e esses olhos – e a mente, claro – vai criando Durden, um frame de cada vez. Nunca reparou? Então veja o filme novamente. E de novo. E de novo.

E reparem que o roteiro, inteligentemente, insere a brincadeira na narrativa, ao revelar que uma das profissões de Durden é de projecionista de cinema e que ele inseres fotogramas de filmes pornográficos em filmes-família. É o roteiro criando uma meta-história que comenta e nos dá pista do que foi feito ao longo da narrativa (pois, já nesse momento, as inserções de Tyler Durden no filme não acontecem mais, claro). Sabemos que há alguma coisa errada, mas, na primeira vez que vemos essa fita, não conseguimos identificar o que é e só descobrimos no final.

Mas Clube da Luta não é seu final, assim como O Sexto Sentido também não é. O filme é, na verdade, um tesouro temático extremamente rico e prazeroso, que, em poucas palavras, critica o status quo. Rejeito a noção que o filme é anti-capitalista. Ele não é. O roteiro mostra revolta contra o estado das coisas, dos mandamentos da sociedade atual. Temos que ter uma camisa da marca XYZ porque a publicidade diz que temos que ter e nossos pares ao redor também têm, não porque realmente queremos. E algumas empresas até se vangloriam disso, dizendo que o “consumidor não sabe o que quer até que mostramos a ele”. A anarquia proposta pelo filme é libertadora, crítica, inteligente, profunda. Não é uma brincadeirinha. O que assistimos nos faz pensar, nos faz olhar ao nosso redor e perceber que ter por ter é quase que um vício imposto de cima para baixo. É provável que não precisemos – ou mesmo realmente queiramos – aquilo que temos ou achamos que queremos. Olhem ao seu redor e veja se não é bem assim.

Também rejeito a noção, que muitos críticos tiveram à época do lançamento de Clube da Luta que o filme vangloria a violência e, pior, que tem uma mensagem fascista. É engraçado notar como até críticos renomados caíram nessa esparrela simplista. Clube da Luta pode fazer de tudo, menos vangloriar a violência. Fincher usa a violência como um canal para nos mostrar a nós mesmos. Uma maneira de criticar o estado em que vivemos. Uma forma de deixar às escâncaras que somos marionetes. A violência, no filme, nos abre os olhos, é como um choque elétrico passando por nosso corpo, é um serviço de despertador daqueles eficientíssimos, é como tomar dois litros de café e começar a ver coisa que não víamos antes.

E fascista? Façam-me um favor! O filme é auto-consciente sobre isso. Ele sabe até onde vai. Fincher até alterou o final da obra de Palahniuk para deixar evidente que a “morte” de Tyler Durden se dá pela força de vontade do Narrador. É ele dando um basta, querendo parar. Mesmo que as consequências do Projeto Mayhem vão até o final, o fato é que há a revolta do personagem, em evidente mensagem para nós de que ele não concorda com aquilo. Mas claro, é muito mais fácil chamar qualquer coisa violenta de fascista.

David Fincher, desde o primeiro fotograma de seu quarto longa de ficção, trabalha de maneira exemplar a computação gráfica. Começamos literalmente dentro da cabeça do Narrador e partimos para um gigantesco flashback contando como ele chegou naquela situação desesperante, com o cano de uma arma enfiado em sua boca. E essa perfeita fusão entre efeitos de computador e efeitos práticos continua ao longo de toda a fita, permitindo ampla liberdade ao diretor para corromper o que nos acostumamos a esperar de filmes. É a reconstrução da explosão do apartamento do Narrador, seu breve sonho cataclísmico no avião, tudo é inserido na obra sem que sintamos quando o CGI, comandado por Kevin Tod Haug, entrou em ação.

Além disso, a elegância do design de produção de Clube da Luta impressiona. Desde figurinos convincentes e característicos para cada personagem – é hilário ver a degradação do vestuário do Narrador – até cenários assombrosos, como a “mansão” de Tyler Durden, tudo funciona para nos sacudir do torpor que vivemos e para trazer à vida o fascinante roteiro de Uhls.

E a fotografia de Jeff Cronenweth (filho de Jordan Cronenweth, que trabalhou com Fincher em Alien ³) transporta aspectos tando de Seven quanto de Vidas em Jogo para Clube da Luta. Reparem, por exemplo, como as sequências do Narrador sem Tyler Durden são mais claras, mais limpas, mais “reais”, seguindo a fotografia de Vidas em Jogo, ao passo que os momentos com Tyler Durden ganham não só contornos mais sombrios, como cores fortes e uma espécie de brilho quase caricatural ao personagem (prestem atenção na jaqueta vermelho-carmim dele), como uma versão idealizada daquilo que o Narrador gostaria de ser. E, emulando o sensacional trabalho de sombras tanto de Seven quanto de Vidas em Jogo, muito do que vemos em Clube da Luta se passa à noite, mas sem que a fotografia recorra a truques consagrados da filmagem noturna para se sobressair. Vemos uma iluminação fraca, mas que consegue o efeito desejado em todos os momentos, sem jamais confundir o espectador.

Fincher fugiu do óbvio na trilha sonora também e apresentou algo poderoso quando escolheu os Dust Brothers para trabalhar em algo pós-modernos, pesado e representativo do tipo de contra-cultura e anarquia propostas pela obra original. O resultado é extasiante, com um inteligente trabalho de sincronização da música que enfatiza, sem dramatizar, os momentos chave do filme.

Finalmente, mas não menos importante, há a trinca principal. Dos três, Bonham Carter é a que menos se destaca, por literalmente repetir o tipo de atuação que nos acostumamos a ver dela. Isso não quer dizer, porém, que ela não está bem. Ao contrário. Sua Marla Singer é o retrato do descaso por tudo e, nisso, ela consegue triunfar. No entanto, comparativamente, seu trabalho empalidece diante de Nort e Pitt que, cada um de seu jeito, têm atuações memoráveis. A transformação do Narrador, de “homem comum” a líder do Projeto Mayhem (ou sub-líder…) é de se tirar o chapéu, cheio de nuanças que tornam sua jornada perfeitamente crível. Tyler Durden não sofre o mesmo grau de transformação, mas como sua personalidade só aparece, por completo, no terço final, mesmo assim conseguimos entender o desenvolvimento dessa projeção da psiquê do Narrador sem estranharmos que o vendedor de sabonetes a quem somos apresentados no avião é o mesmo que explode prédios inteiros ao final.

Clube da Luta é uma experiência ímpar. Um triunfo audiovisual que precisa ser visto repetidas vezes para ser apreciado em toda sua plenitude.

Mas, por favor, não fale sobre ele, ok?

Clube da Luta (Fight Club, EUA – 1999)
Direção: David Fincher
Roteiro: Jim Uhls (baseado em romance de Chuck Palahniuk)
Elenco: Edward Norton, Brad Pitt, Helena Bonham Carter, Meat Loaf, Zach Grenier, Richmond Arquette, David Andrews, George Maguire, Eugenie Bondurant
Duração: 139 min.

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