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Crítica | Colcha de Retalhos

Um drama sobre histórias tristes e alegres de existências femininas marcadas por tragédias.

por Leonardo Campos
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Viver é uma arte, como se diz no popular, trajetória de tentativas e erros, tal como o ato de pesquisar no drama feminista Colcha de Retalhos, narrativa envolvente que nos mostra a complexidade da existência num mundo onde as fórmulas ainda existem e podem ser úteis para alguns direcionamentos, mas não cabem mais como algo fixo, a ser seguido rigidamente, principalmente quando estamos lidando com o comportamento humano e suas variantes. Na trama, as nossas vidas são alegorizadas pela lógica do carretel de linhas, materiais que se originam de fontes distintas, mas que forma uma tessitura única, formada pela coletividade. É uma história cativante sobre como o ato de pesquisar não está vinculado aos procedimentos metodológicos mecânicos de acesso aos mananciais de informação para transformá-los em conhecimento, ao contrário, reflete como a busca e a conquista do que se estabelece como norteamento é revelado por meio do questionamento, afinal, por aqui, a experiência alheia nos serve como parâmetro de observação, análise e reflexão.

Dirigido por Jocelyn Moorhouse, cineasta guiada pelo roteiro de Jane Anderson, o filme se baseia na novela American Quilt, de Whitney Otto. Ao longo de seus 117 minutos, acompanhamos a trajetória de Finn (Winona Ryder), uma jovem mulher na casa dos 26 anos, atordoada com a quantidade de emoções que arrebataram a sua vida no tempo presente da narrativa. O seu afetuoso namorado Sam (Dermot Mulroney) fez o tradicional pedido de casamento e a dissertação de mestrado, escrita pela terceira vez, encontra-se novamente mergulhada num momento de dispersões que tensionam a personagem a cada página cotidianamente concebida. O bloqueio que a faz atravessar toda esta tensão transforma algo que seria mais suave numa caminhada mais densa e inquietante, trilha que pode pavimentar uma desejável evolução futura ou desviar a pesquisadora do caminho inicialmente planejado e direcioná-la para outras perspectivas.

Para resolver o seu problema de bloqueio, Finn segue em viagem para a casa de sua tia, Glady Joe (Anne Bancroft) e da avó Hy (Ellen Burstyn), local de boas memórias, onde viveu parte de sua infância, após o conflituoso divórcio de seus pais. A casa, situada na região sul da Califórnia, é um espaço que se firma economicamente pelo cultivo de frutas, oriundas das plantações que refletem um modelo de negócios um tanto distanciado das agitações dos grandes centros urbanos. É lá que se reúnem, constantemente, um grupo de mulheres na casa dos 50 anos de idade, figuras ficcionais que apresentam as suas histórias com Finn, trajetórias que permitem a jovem personagem questionar não apenas o seu relacionamento, mas a sua feminilidade e as suas ações enquanto cidadã e mulher. Com experiências diferentes, haja vista a sua existência num mundo pós-revolução sexual, sem os apegos do modelo de criação de sua tia, avó e das demais integrantes do grupo, criaturas pertencentes a outros direcionamentos de vida.

Para deixar a jovem narradora ainda mais confusa, a sua mãe aparece para lhe informar que deseja reatar com o pai, ambos divorciados durante 20 anos, mas que agora, encontraram novos motivos para se reencontrar. Como se não bastasse, Finn conhece Leon (Johnathon Schaech), homem atlético e atraente, responsável por novas descobertas sexuais para a pesquisadora que já se encontrava cheia de perguntas em busca de respostas para si mesma. Será em suas novas descobertas e na análise das experiências como ouvinte do grupo de mulheres que Finn encontrará o seu caminho. Nesses encontros do grupo, cada participantes tece uma parte para compor uma colcha posterior, a ser finalizada com base na colaboração de cada integrante. Essa colcha é a parte que cada uma delas desempenha na vida em sociedade, existência em um percurso com constantes indagações. Simbolicamente, a colha reflete a construção do conhecimento coletivo, em processos que não se dão de forma linear, mas com interações.

Nessa interatividade circundante, temos em Colcha de Retalhos a presença do método de pesquisa descritiva, pois cada personagem do roteiro de Jane Anderson expõe algo para ser escutado pela narradora protagonista, experiência de vida colhida sem interferências, com impressões devidamente anotadas para análise posterior, bem como elementos do estudo de caso e do método qualitativo, conhecido por relacionar o “mundo real” com a perspectiva do sujeito. No andamento de sua concepção descritiva de pesquisa, Finn coleta dados, analisa-os, além de classifica-los conforme a observação sistemática e distanciada do que é recolhido. E nós, enquanto espectadores, contemplamos a narrativa carismática, construída por imagens belíssimas, concebidas pela direção de fotografia de Janusz Kaminski e pelos cenários cuidadosos do design de produção de Leslie Dilley, acompanhadas pela condução musical eficiente de Thomas Newman, trilha sonora adequada para o tom ameno e romântico adotado pelos realizadores desta história que tem nas memórias a força motriz para direcionamento.

Nessa oportunidade, Finn conhece um pouco mais do passado de Hy, mulher que se relacionou com o marido da irmã, Glady, esta que por sua vez, nunca a perdoou pelo acontecido. Elas guardam rancor entre si e os sentimentos encaixotados tornam-se cada vez mais latentes, ao passo que a observação de Finn é ampliada. Sophia (Lois Smith) foi uma líder nos campeonatos de natação, sentida por abandonar tudo em prol do casamento com um geólogo que a abandonou depois que tiveram três filhos. Em (Jean Simmons) casou-se muito cedo com um pintor temperamental, mais jovem, figura que por sinal, teve um caso sórdido com Constance (Kate Nelligan), também pertencente ao grupo. Anna (Maya Angelou), a única mulher negra agrupamento de tecedoras, passou longos anos como funcionária da casa de Glady, mas hoje é a líder do agrupamento de criadoras dessa colcha que única os tantos retalhos. Temos ainda a história de Mariana (Alfre Woodard), mulher que ousou, viajou bastante, teve vários homens aos seus pés, mas nunca teve o amor do homem que sempre quis. Juntas, elas fornecem material não apenas para Finn, mas para o espectador refletir sobre a sua própria história, nesta narrativa que fala sobre métodos de se pesquisar e alternativas para a busca pelo autoconhecimento.

Ademais, no desenvolvimento de Colcha de Retalhos, percebemos que pesquisar é algo que fazemos cotidianamente, não só quando estamos institucionalmente vinculados a uma atividade de investigação científica. E, em linhas gerais, mesmo com toda a dispersão pelo caminho, a travessia de Finn é satisfatoriamente transformadora, construída com dúvidas, incertezas, inseguranças e outras palavras-chave que acompanham qualquer pessoa que transita por uma investigação científica que não se sabe, poderá resultar na comprovação do que havia sido estabelecido como tese ou, como em alguns casos, permitir que a pessoa idealizadora do tema refute tudo aquilo que acreditava e descontrua algo que até então, esteve firme como uma verdade a ser seguida. Em ambas as vias, temos a permissão para a pesquisadora no que concerne a oportunidade de experimentar, bem como a chance de tecer conhecimento que não ficará apenas para si, mas pretende-se fazer circular por seus pares acadêmicos e outras pessoas que tenham acesso ao que foi organizado enquanto pesquisa. No processo, podemos encontrar morangos (metáfora para as paixões presentes na história) e vendavais (metáfora para as ideias confusas de Finn), elementos que compõem a tessitura narrativa de Colcha de Retalhos, drama lançado em 1995 e com uma discussão ainda bastante atual.

Colcha de Retalhos (How to Make an American Quilt, EUA – 1995)Direção: Jocelyn MoorhouseRoteiro: Jane AndersonElenco: Winona Ryder, Anne Bancroft, Ellen Burstyn, Lois Smith, Jean Simmons, Maya Angelou, Alfre Woodward, Kate Nelligan, Kate Capshaw, Samantha Mathis, Dermot Mulroney, Claire DanesitDuração: 111 minutos

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