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Crítica | Collateral (2018) – 1ª Temporada

por Ritter Fan
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Kip Glaspie

A minissérie como um todo

Collateral é uma co-produção britânica do Netflix que entrou sem alarde na grade do canal de streaming. Seu charme é composto, de um lado, pela forte carga sócio-política de uma investigação criminal que acaba lidando com a política de imigração da Inglaterra, e, de outro, pelo foco em Kip Glaspie, vivida por Carey Mulligan, uma detetive grávida que fora uma razoavelmente famosa saltadora com vara.

No entanto, a combinação acima traz seus problemas narrativos, algo amplificado pela estrutura de apenas quatro episódios de uma hora cada que exige alguma ginástica e muita conveniência dos roteiros para fazer as pontas se unirem adequadamente. O caso policial, em si, parece muito simples: o assassinato de um entregador de pizza que é um imigrante ilegal. Aparentemente aleatório, o caso acaba envolvendo diretamente Karen Mars (Billie Piper, a companion Rose de Doctor Who), ex-esposa de David Mars (John Simm, de Life on Mars), um político de oposição e também Linh Xuan Huy (Kae Alexander), imigrante-estudante e namorada de Jane Oliver (Nicola Walker), uma reverenda local. Essa junção de personagens díspares, por si só, já exige uma certa suspensão de descrença, já que todos acabam sendo funcionais para a narrativa que vai, aos poucos, se desenrolando, com momentos de rolar os olhos como quando descobrimos que David e Jane também se conhecem, como se Londres fosse um vilarejo de 200 habitantes.

Outro problema da minissérie é a maneira com que os aspectos sócio-políticos são abordados. Não há nenhuma tentativa de sutileza aqui e todo o texto é quase que uma aula daqueles professores extremamente didáticos que usam slides de PowerPoint como muleta para suas apresentações. Tudo é muito explicado demais, com a posição do showrunner David Hare a favor da imigração sendo exposta com diálogos que pesam demais a mão. Vejam bem: de forma alguma eu quero dizer que a questão da imigração não é algo realmente importante, especialmente em países como a Inglaterra e de forma alguma eu tenho algum tipo de problema com a defesa que Hare faz usando David Mars como porta-voz. O problema fica mesmo na forma como o assunto é abordado e como essa abordagem afeta a fluidez da história como um todo. E o mesmo vale para a visão da homossexualidade que, no lugar de ser tratada naturalmente, ela acaba imiscuindo-se na história de maneira estéril e manipuladora, sem que haja realmente espaço claro para esse enfoque dentro da narrativa macro. Com isso, a matéria, também igualmente importante, acaba tornando-se uma subtrama que, no final das contas, não leva a minissérie a lugar nenhum.

Por outro lado, outra subtrama, a da violência contra a mulher, terceiro vértice da carga sócio-política da série, ganha um bom relevo por intermédio de Sandrine Shaw (Jeany Spark), capitã do exército britânico que tem também envolvimento direto na trama de assassinato. Com uma atuação torturada, dolorosa, Spark passa com perfeição as dores do trauma de guerra e da posição da mulher na hierarquia militar. Mas, mesmo que esse aspecto seja bem trabalhado, ele também parece algo desfiliado do aspecto macro da série, quase que funcionando como a terceira denúncia que David Hare decidiu fazer com sua estrutura de minissérie.

Mas a trama maior, que costura todos os três elementos acima, por incrível que pareça, acaba funcionando bem sob o ponto de vista puramente policial, algo que reputo ser graças à cola narrativa trazida pela fascinante Kip Glaspie. Calada, mas exalando inteligência, a personagem de Carey Mulligan é o tipo de criação que precisamos ver mais em séries e filmes. Ela é uma policial, mas não uma policial cuja persona profissional atropele sua humanidade. Está mais para uma pessoa normal que por acaso é policial. Ela está grávida, mas esse é um componente discreto de sua personagem e não seu traço definidor. Ela tem um companheiro (ou marido, confesso que não sei), mas que nunca, em momento algum, aparece na série, a não ser ao telefone. Finalmente, ela tem um parceiro – Nathan Bilk, vivido por Nathaniel Martello-White -, mas inexiste aquela relação padrão entre policiais parceiros que tanto vemos por aí. Kip é única e Mulligan, uma atriz que, confesso, sempre subestimei, está absolutamente irretocável em seu papel que mistura em doses iguais frieza, empatia, esperteza e inocência. Não é uma personagem feminina que precisa reafirmar-se como tal com artifícios comuns a obras que tentam criar papeis femininos fortes, confundindo força com presença dominadora em tela ou um passado dolorido. Kip é Kip, uma mulher comum vivendo sua vida da melhor forma possível e trabalhando como uma detetive ousada e esperta, mas que não é a “melhor no que faz” ou “valentona ao ponto de ser irresponsável”. Kip é “gente como a gente” e a personagem faz valer todos os eventuais problemas narrativos trazidos pelos roteiros mais do que expositivos de David Hare.

Collateral é uma minissérie cujas partes são menos interessantes do que seu todo. No entanto, esse “todo” é definido pela presença magnética de Carey Mulligan como a inesquecível Kip Glaspie e isso é razão mais do que suficiente para mergulhar nessa obra.

Obs: Como hoje em dia toda minissérie ou série limitada acaba sendo transformada em uma série com várias temporadas, optei por mencionar “1ª Temporada” no título da postagem. No entanto, ainda que seja possível continuar a série com outro caso policial, a história, aqui, é completamente fechada, com começo, meio e fim.

Collateral – 1ª Temporada (Reino Unido, 12 de fevereiro a 15 de março de 2018)
Desenvolvimento: David Hare
Direção: S.J. Clarkson
Roteiro: David Hare
Elenco: Carey Mulligan, John Simm, Billie Piper, Nicola Walker, Nathaniel Martello-White, Jeany Spark, Hayley Squires, Ahd Kamel, July Namir, Kae Alexander, Ben Miles, Rob Jarvis, Vineeta Rishi, Robert Portal, Orla Brady, John Heffernan, Maya Sansa, Kim Medcalf, Richard McCabe, Brian Vernel, Deborah Findlay
Duração: 60 min. aprox. por episódio (4 episódios no total)

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