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Crítica | Collective (Colectiv)

por Iann Jeliel
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Colectiv

Existe um misticismo, até no próprio caráter do estudo jornalístico, sobre a via parcial de um documentário. Como qualquer outra obra cinematográfica, não existe imparcialidade no exercício documental, ainda que o formato de contagem até seu destino de conclusão ideológica preserve a linguagem impessoal de locução. O jornalismo, principalmente o jornalismo documental, que está bem mais próximo da liberdade de uma reportagem, tem sim e deve ter um caráter de denúncia, ou no mínimo, um posicionamento claro do que está fazendo com a informação passada. Se isso já é naturalmente algo difícil de se fazer, quando o filme documenta um processo de investigação jornalística, esse modo de transmitir uma moralidade informalmente cai em terrenos ainda mais argilosos. É o caso de Colectiv, indicado romeno em duas categorias ao Oscar 2021 (Melhor Documentário e Melhor Filme Internacional), que narra o processo da equipe da Gazeta Sporturilor para desmascarar toda uma rede de corrupção do país na área de saúde, depois das consequências inesperadas de uma tragédia ocorrida em uma boate.

O acidente em questão foi um incêndio que gerou algumas mortes e deixou vários feridos. Em alusão, em diferente escala, a algo muito parecido que ocorreu na Boate Kiss em 2013, em Santa Maria, Rio Grande do Sul. A diferença é que aquele incidente não levantou polêmicas maiores do que a falta de medidas de segurança do local, pelo menos, não tão grandes quanto as encontradas aqui. Acho que a primeira meia hora tem uma construção interessante na montagem para trazer esse senso de descoberta ao público, uma crescente de que há algo errado nos bastidores, instigando uma curiosidade de saber o porquê em meio a respostas tão entregues de forma incompleta. A esquematização documental engata a premissa, contudo, em algum momento deixa de sustentá-la por ceder suas cartas muito rapidamente. Fugindo desse compromisso de crescente, da meia hora para a frente, o documentário busca outras formas de denúncia que não só caem na morosidade como parecem buscar um herói para a situação.

O que é estranho em se tratando de um documentário que a princípio segue fortemente essa vertente jornalística, continua com seu viés distante de tentar extrair sentimentalismos novelescos ou manipuladores, mas ao mesmo tempo deixa de ser tão incisivo quando vai questionar a figura do jovem ministro da saúde para detalhar possíveis soluções de falhas do sistema. Quando evidenciado o problema, pausa-o no(s) agente(s) responsáveis, mesmo o jovem sendo a única fonte oficial disponível, a evolução da investigação se deu pelo fato de que essa equipe foi além, mas parece que deixou de ir somente pelo jogo da montagem. Pode ser realmente tendencioso, e não há nada de errado nisso, mas certamente há uma falha dentro da construção geral do filme, pela errônea escolha de timing de entrega de dados adiantados no início. Gera essa percepção de que ficou demasiadamente focada em outros cantos, uma vez que o filme não deseja mais chamar atenção para a construção do caso, já que ele é simplesmente entregue.

Uma vez entregue, os pontos desenhados vão ou para a melancolia das vítimas – e aí, esse olhar distante, embora realista, traz um distanciamento que só é conquistado através de uma boa seleção de momentos de resposta da entrevista, algo que nunca é exatamente proposto pelo filme, já que a câmera é onisciente e observadora sem interferência – ou para a confirmação das teses já apresentadas e provadas. Fica repetitivo, travando a urgência inicial bem desenhada, colocando-a como não tão urgente assim. Uma vez que só é retomada nos pormenores finais, nos quais escolhe enfim cair no sentimentalismo mais fácil, que contradiz novamente o intuito geral da obra. Fora que a sensação passada é de um exercício jornalístico incompleto, apesar do jovem ser propriamente a única fonte oficial disponível para embate, fica claro que ele se torna uma segurança da equipe depois do encerramento da verdade.

Parece-me que Colectiv nasceu para ser um documentário em curta ou média-metragem, mas acabou sendo preenchido com mais duração em pontos questionáveis e não tão envolventes quanto poderia enquanto investigação de escândalos, que ficam muito mais palpáveis para a via específica de quem vivenciou no momento do que exatamente para quem está observando-o pela primeira vez através de lente jornalística. É o tipo de furo de reportagem que caberia melhor numa reportagem para jornal tradicional: mais curto, sucinto e objetivo. Como o próprio filme foi em seus bons momentos.

Collective (Colectiv | Luxemburgo – Romênia, 2019)
Direção: Alexander Nanau
Roteiro: Alexander Nanau, Antoaneta Opris
Elenco: Liviu Iolu, Razvan Lutac, Mirela Neag, Camelia Roiu, Catalin Tolontan, Tedy Ursuleanu, Vlad Voiculescu
Duração: 109 minutos

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