Home TVTemporadas Crítica | Com Amor, Victor (Love, Victor) – A Série Completa

Crítica | Com Amor, Victor (Love, Victor) – A Série Completa

Peca pela superficialidade em querer ser abrangente.

por Felipe Oliveira
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Quando se fala de narrativas voltadas para o público LGBTQIA+ nas telas, seja com séries ou filmes, há uma recorrência nas abordagens que parecem automaticamente atrelar os personagens a um algoritmo que contém arcos sobre violência, constrangimento, angústia, bullying e vários outros tópicos atrelados a aceitação, a saída do armário. A sensação é de que ter histórias com protagonistas ou coadjuvantes lgbts, vem no pacote um pouquinho de “dor” para não der o costume nas representações. Mas antes que Heartstopper com muita perfeição mostrasse que nem sempre narrativas lgbts precisam ser marcadas pela dramatização com arcos em torno de sofrimento, a adaptação cinematográfica do livro Simon vs. A Agenda Homo Sapiens, intitulada de Com Amor, Simon se tornou marcante em 2018 por ser o primeiro filme lgbt com apelo comercial de um grande estúdio e por levar ao questionamento de que por que a saída do armário tem que ser uma questão? Ou, por que há uma pressão sobre sair ou não do armário? O objetivo da trama trazer essa reflexão fala por si, mas, ainda assim, algumas reações para o filme foi de que a história fugia muito da realidade…

Mas a positividade e apreço pela história foram maiores, e não demorou muito para que uma série spin-off que se passaria no mesmo universo do filme, mas focada em um novo protagonista, na atração batizada de Com Amor, Victor, fosse anunciada. Com Michael Cimino no papel principal, a narrativa se concentra no jovem Victor que acabou de se mudar do Texas para Atlanta, e em meio a suas dúvidas a respeito da sua orientação sexual, sente a pressão de ter esse dilema na mesma escola em que Simon (Nick Robinson) deixou seu legado. Então, a série pavimentou seu argumento partindo da ideia do impacto das experiências de Simon outros adolescentes gays que lidava com questões similares, agora para um personagem principal de uma família meio porto-riquenha e meio colombiana-americana, passando pelo entendimento de sua orientação pelo viés coming of age envolvendo os valores da família, religião e ensino médio.

Nesse sentido, não é como se a série derivada seguisse um caminho oposto do filme, que discutia o espectro da aceitação enquanto Simon compreendia sua orientação, navegava pela amizade e se apaixonava pela primeira vez. Todas essas questões eram abordadas numa bolha acolhedora e tom cômico que a direção de Greg Berlanti conduzia, fazendo de Love, Simon um triunfo narrativo para as representações de personagens gays, não pelo romance improvável, mas pela emoção e importância de ter a leveza e doçura de um clichê fantasioso debatendo estigmas. Em Love, Victor, a conhecida história de Simon é quase que espelhada, focando em fazer durar mais a abordagem, e pecando por criar problematizações pela superficialidade das discussões num caráter menos cômico que o filme.

Produzida pela 20th Television, a série passou a ser exibida em 2020 pelo Hulu, sendo finalizada na recente terceira temporada. Para uma proposta que pretendia manter a essência do longa de 2018, Love, Victor, teve um bom início com o jovem latino percebendo que sentia atração por Mia (Rachel Hilson), uma garota popular do colégio, e Benji (George Star), o lindão de cabelo perfeito – que na primeira “secada” de Victor, passa a mão nos fios em câmera lenta – e ao sabe de Simon, decide lhe mandar uma mensagem para falar dos sentimentos que emergem. Nisso, a breve participação de Nick Robinson surge como uma espécie de conselheiro para Victor, o que promove uma ideia semelhante a de Simon se sentindo acolhido nas mensagens que trocava com o crush, mas sendo um guia para as dúvidas de Victor.

O que desmotivava o gás nessa nesse mote, é porque a sacada mais se assemelhou ao uso da fórmula de triângulo amoroso do que estar explorando a dúvida de Victor sobre ser bissexual, fazendo desse dilema, base para cliffhangers e melodrama de quando ele e Benji ficariam juntos, pois, obviamente, Victor não era bi, e todo esse desenvolvimento foi só os roteiristas segurando esse artifício em vez de deixar rolar o que estava na cara. A questão aqui não é só apoiar nessa base de romances e comédias românticas numa narrativa lgbt, e sim, por apelar para quando se diz estar discutindo de maneira honesta e identificável sobre sexualidade, o que não foi o caso aqui.

Mas no meio disso, foi curioso como os personagens coadjuvantes conseguiram se destacar mais do o protagonista, isso por conta da performance péssima de Cimino como Victor em qualquer arco, e principalmente ao contracenar com os membros do elenco. Em suma, a temporada teve um ágil primeiro ano, com os episódios sendo agradáveis de acompanhar e acertando em cheio com os personagens de apoio, com os destaques ficando para Lake (Bebe Wood) e Felix (Anthony Turpel), que não só roubavam a cena, mas funcionavam de maneira muito orgânica, carismática e envolvente.

A segunda temporada mostrou uma maior evolução, desenvoltura e equilíbrio narrativo, mas ainda insistiu em colocações problemáticas no que dizia a respeito a Victor, o estigma da aceitação e sua escola. Além dos status da suposta relação com Mia como pontapé para chamar atenção na escola, Victor também gostava de jogar no time de basquete, e estava empolgado para então se assumir, muito por respeito e precisa fazer por Mia, pela situação em que foi colocada, e depois, por estar em um empolgante momento na relação com Benji. Então, a solução pensada pelos roteiristas de “como sair adequadamente do armário”, porque, nesse caso, vamos imaginar que Victor devia muita satisfação do que apenas para Mia, uma conversa, e decide subir numa cadeira e anunciar para todos no corredor que é gay, que não está mais com ela e está com Benji. Tutorial e lacração para a cultura pop com a tirada exemplar de Victor, porque, ou a pensa que dá para balancear as discussões em episódios do tipo, ou na mesa de roteiristas ignoraram o viés de problematização que viria disso.

Diante desse primeiro exemplo, Victor foi só afobado se comparado a outra pérola dos roteiristas para o ponto que, depois de assumir, ele passa a ser tratado com homofobia pelos colegas do time de basquete que diziam se sentir inseguros com ele no vestuário. A decisão de Victor foi de deixar o time, mas em uma ótima conversa com Andrew (Mason Gooding), sobre como ele não se manifestava sobre os comentários dos demais do time, promove a ideia de que todos pintem o cabelo de rosa para que Victor volte a jogar e se sinta acolhido. Então, a série queria debater muita coisa, quis ser fora da curva, e a cor rosa foi usada para mais um momento lacração na cara dura enquanto cagava para a problematização.

Além de manter o acerto com Lake, Felix e trazer a ótima adição de Rahim (Anthony Keyvan), a segunda temporada de Love, Victor evoluiu um dos melhores arcos que estavam no escopo de sua abordagem: aceitação, família e catolicismo. O gancho da temporada anterior foi diante da crise conjugal de Armando (James Martinez) e Izabel (Ana Ortiz), pais de Victor, foi com ele decidindo se assumir, o que gera um enorme atrito com a mãe que não aceita a orientação do filho, enquanto o pai se mostra mais flexível e até passa a frequentar palestras com grupos LGBTS com pais para aprender como dar o apoio necessário. Nesse aspecto, ter esse arco, foi um dos pontos que mais os roteiristas tiveram maturidade e delicadeza para trabalhar manter em mente que a representação precisava se relacionar com a realidade. Nada mais cabível do que a série mostrar um ponto importante no âmbito familiar com Armando buscando formas de educar sua percepção, enquanto Izabel resistia de forma agressiva, voltando-se para religião que Victor poderia ser hétero frequentando a igreja. O fim desse forte plot, foi ter Izabel se dando conta do quando o conservadorismo religioso foi moldando prejudicialmente a sua relação com Victor, o abriu margem para uma aceitação condizente pelo modo que foi trabalhada.

E se tinha alguma chance de Love Victor terminar de maneira decente, embora tivesse os momentos que não teve vergonha de fazer o ridículo, foi na segunda temporada, mas decidiram pintar um final em aberto para outro “com quem será que Victor vai ficar” entre Benji e Rahim no que a série foi renovada para o terceiro e último ano. Vendo todo o desempenho de apenas oito episódios, dois a menos do habitual, a sensação foi de que a equipe já sabia que o programa não duraria mais que três anos e decidiu correr, usando todos os rascunhos, ideias descartadas, ideias de supetão, ideias batidas e jogaram tudo num liquidificador para emoção melodramática de última hora e ver se de alguma forma, compensaria trajetória. Obviamente, melhor que deixassem o gancho para a imaginação de Victor decidindo entre Benji e Rahim – ou pegando os dois.

Absolutamente nenhum arco que tentaram arriscar pelo melodrama funcionou aqui. Casal que ia e vinha o tempo todo, o chororô de Mia de que não queria ir em embora para no fim ir embora, ela e Andrew como o melhor casal apaixonado não poderia ser mais aleatório, e muito pouco a essência de Lake e Felix foi perdida por estarem envolvidos em arcos que não fazia jus ao que desempenharam antes. E qualquer personagem aqui teve seu potencial afetado pelas escolhas péssimas dos roteiristas, Victor nem se fala, mais do que o normal e para piorar, decidiram resgatar um arco da primeira temporada que foi bem usado sobre a fase do alcoolismo de Benji, sendo aqui jogada de um lado a outro mirando uma representação bizarra sobre saúde mental.

Para fechar com chave de ouro, mantendo a tradição de problematizações, escreveram um arco como encerramento de Victor recebendo um troféu como prêmio de bravura por ser um membro gay no time de basquete da escola. Não sendo pouca a tirada para a lacração, empurram isso como monólogo motivacional de Victor impactando a todos pela sua trajetória. Se a de Simon foi esperar pelo crush numa roda gigante na frente de uma multidão, a de Victor, foi um troféu. E inegavelmente, entre muito vai e volta e falta de equilíbrio para o que a série de certa forma fez bem, foi por manter intacto umas das melhores adições ao show: Rahim. Então, com amor, Rahim.

Sem dúvidas, as escolhas desesperadas e a falta de um planejamento que melhor honrasse o que foi escrito para os personagens, impediram de Love, Victor compensar a proposta de explorar de forma mais abrangente o que foi introduzido com Love, Simon, mas se apoiar por último no artifício melodramático que mais atrapalhou a representação discursiva sobre sexualidade, fará a série entrar para a memórias dos piores finais televisivos.

Com Amor, Victor (Love, Victor | EUA, 2020-2022)
Criação: Isaac Aptaker, Elizabeth Berger
Roteiro: Jeremy Roth, Jillian Moreno, Alex Freund, Danny Fernandez, Jess Pineda, Sarah Labrie, Jasmyne Peck, Nasser Samara, Brian Tanen, Marcos Luveanos, Michelle Lirtzman, Jen Braeden, Sheila R. Lawrence, David Smithtman, J.C. Lee, Kenny Schwartz, Rick Wiener, Debby Wolf
Direção: Jason Ensler, Natalia Leite, Alex Hardcastle, Rebecca Asher, Pilar Boehm, Anne Fletcher, Todd Holland, Jay Karas, Michael Lennox, Anu Valia, Amy York Rubin, Satya Bhabha, Sarah Boyd, Kevin Rodney Sullivan, Kristin Windell, Steven Canals, Melissa Kosar, Randall Keenan Winston
Elenco: Michael Cimino, Rachel Hilson, Anthony Turpel, Bebe Wood, George Star, Isabella Ferreira, Mason Gooding, Ana Ortiz, James Martinez, Anthony Keyvan
Duração: 28 episódios (28 a 35 min, cada)

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