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Crítica | Comédia Comédia Comédia Drama, de Bob Odenkirk

Os fracassos de Odenkirk.

por Ritter Fan
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Mesmo em sua área de atuação primária e original – a comédia – não se pode dizer que Bob Odenkirk teve uma carreira ilustre, daquelas repletas de sucessos inesquecíveis e arrebatadores. Sim, Mr. Show with Bob and David (mais conhecido como Mr. Show somente), que ele produziu e estrelou ao lado de David Cross e que foi distribuído pela HBO, é um programa de esquetes que marcou sua vida e talvez seja o ponto alto de sua carreira cômica, mas ele é inegavelmente de nicho, assim como também é inegável que Odenkirk somente surgiu de verdade para o mundo como o advogado malandro Saul Goodman, em Breaking Bad e no spin-off prelúdio Better Call Saul.

O próprio Bob Odenkirk mostra-se mais do que disposto a reconhecer isso em sua autobiografia Comedia Comédia Comédia Drama, rotulando-se como alguém que sempre trabalho pelas margens e que sempre prezou um tipo de comédia mais na linha do Monty Python – que ele menciona diversas vezes por ser sua grande inspiração na vida – que, temos que admitir, não é tão largamente apreciada nos dias de hoje pelo grande público. Essa sua autoconsciência de comediante que não viu lá tantos sucessos acachapantes assim e por ter realmente estourado na carreira já “mais velho” é que torna seu livro um trabalho interessante de autodescoberta e autoconhecimento que – e isso deve ficar bem claro – não é mais do que uma reunião de reminiscências sobre essencialmente o fracasso.

A proposta de Odenkirk, aqui, não é exatamente pormenorizar cronologicamente sua vida. Não é, nesse sentido, uma daquelas obras autobiográficas que exploram a fundo a infância, a família e a vida adolescente do escritor, ainda que haja inevitáveis menções à sua mãe, seu pai (ausente e que ele particularmente desgosta) e seus irmãos, mas este não é o foco ou o objetivo da autobiografia, que estabelece como ponto de partida o momento em que conheceu, lá pelos seus 20 anos, em uma livraria de Chicago, o lendário comediante Del Close que foi seu primeiro mentor. O que Odenkirk oferece ao leitor são relances de sua carreira primordialmente na comédia, portanto, lidando com sua tentativa de se achar nesse mundo complicado em termos profissionais e um certo orgulho – que o leitor mais cínico pode interpretar como resignação e não estaria completamente errado se assim o fizesse – em manter-se fiel a seus princípios de não fazer humor banal, mastigado e superficial.

A leitura do livro é fácil, talvez fácil demais, por sua natureza anedotária, pois, quando mencionei “relances” no parágrafo anterior, quis dizer exatamente isso, já que o que Odenkirk se dispõe a compartilhar com os leitores são momentos escolhidos a dedo de sua vida que nos permitem vislumbrar quem ele é, sem, porém, que ele se abra completamente ao público. Como alguém profundamente preocupado com privacidade, vejo com muito bons olhos quando uma figura pública ainda tenta resguardar-se nesse aspecto, mas, claro, essa escolha cobra um preço no resultado final de sua obra, que se mantém consideravelmente rasa. E nem quero dizer que o adjetivo “raso”, aqui, seja necessariamente ruim, mas ele torna o mergulho em sua vida – mesmo a profissional – bastante limitada.

Odenkirk, em sua autoanálise, não economiza palavras negativas a si mesmo, mas fica a impressão de que ele busca respostas simpáticas do tipo “que isso, não é bem assim”. Por outro lado, os elogios a si mesmo são raros, o que funciona como um bom equilíbrio que não elimina a característica chapa branca da obra, mas certamente a suaviza. Ele também escreve com cuidado quando fala de terceiros, sejam pessoas ou obras, mas não esconde quando não gosta de alguma coisa, como é o caso do Saturday Night Live na versão que ele viveu quando lá trabalhou como redator. Não são comentários cáusticos, pois ele usa a técnica do “bate e assopra”, mas ele conclui que o SNL de hoje em dia (ou de sua época até hoje em dia) nada mais é do que uma mera casca do que o programa foi em seu começo. Inveja ou verdade, o leitor decide…

Além de manter sua jornada na superfície, Odenkirk faz algumas escolhas questionáveis ao longo de seu texto. Por exemplo, descrever esquetes não é algo que funcione. Entendo que ele queira ilustrar o que ele considera bom ou ruim ou exemplificar isso ou aquilo, mas o texto frio não ilumina o que ele quer dizer, para o mal ou para o bem e, como ele usa muito desse recurso em um livro que nem sequer é muito longo, fica a impressão de que ele tomou espaço de informações mais importantes, como, talvez, um pouco mais de Del Close, do SNL e dos primórdios de Mr. Show. Outra escolha problemática é o desequilíbrio de foco, com alguns momentos-chave em sua carreira – como seu trabalho no SNL, repetindo mais uma vez o que já disse – ganhando espaço acanhado que ele, depois, dedica a como seu filme de ação Anônimo ganhou a luz do dia.

Aliás, falando em Anônimo, que, claro, já fica na parte menor dedicada ao “drama” de sua autobiografia, é curioso como sua passagem em nada menos do que Breaking Bad e Better Call Saul ganha pouco destaque comparativamente falando. Vejam, eu consigo entender a lógica de se falar pouco das obras pelas quais alguém é mais conhecido, pois elas funcionam como o cartão de visitas da pessoa, mas é interessante notar como Odenkirk prefere um caminho que, apesar de ser reverencial às séries que levantaram sua carreira, também tem caráter superficial e anedotário. Um oportunidade perdida que talvez um dia ele queira remediar com uma segunda autobiografia para preencher os espaços que deixou propositalmente vazios.

Comédia Comédia Comédia Drama é Bob Odenkirk abrindo um fresta na janela de sua vida para quem aprecia o escritor/produtor/ator, mesmo que não a conheça profundamente. É, sem dúvida alguma, uma autobiografia que tenta se manter apenas suficientemente interessante para justificar a leitura até o final, sem, em momento algum, tratar de mergulhos profundos em sua carreira ou vida privada (muito menos na segunda do que na primeira, aliás), mas que cumpre a função de mostrar que o comediante é bem mais do que Saul Goodman.

Comédia Comédia Comédia Drama (Comedy Comedy Comedy Drama: A Memoir – EUA, 2022)
Autor: Bob Odenkirk
Editora: Random House
Data de lançamento: 1º de março de 2022
Páginas: 304

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