Home Diversos Crítica | A Noite da Encruzilhada (Comissário Maigret #7), de Georges Simenon

Crítica | A Noite da Encruzilhada (Comissário Maigret #7), de Georges Simenon

Maigret em uma encruzilhada de suspeitos.

por Luiz Santiago
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O início de A Noite da Encruzilhada apresenta o personagem Carl Andersen de maneira poderosa e interessante. É uma das introduções mais legais de personagens que eu já li em livros policiais, especialmente por se tratar um indivíduo sendo interrogado pela polícia, o que é outro elemento chamativo aqui: quando entramos nesse Universo, o Comissário Maigret está interrogando Andersen por um crime estranhíssimo que aconteceu na chamada “Encruzilhada das Três Viúvas”. Localizada na estrada de Paris para Étampes, a três quilômetros de Arpajon, essa encruzilhada mais ou menos deserta é o palco de algo que deixa Maigret com muitas perguntas para responder. Na região existem apenas três casas: o casarão de um decadente aristocrata dinamarquês (o recluso Carl Andersen, que lá vive com sua irmã Else); uma casa menor, pertencente a um corretor de seguros e sua esposa, os Michonets; e por fim, a casa do mecânico Oscar e sua esposa, que fica próxima ao posto de gasolina e à oficina que ele dirige.

Seguindo de perto o modelo que utilizou nos livros anteriores, Georges Simenon exibe um pouquinho de cada personagem principal já nas primeiras páginas, conseguindo capturar o leitor por um ângulo muito específico, que é a estranheza do assassinato em questão: num domingo, Michonnet descobre que seu carro na garagem foi substituído pelo veículo do vizinho. Por outro lado, na garagem de Andersen, foi encontrado o carro de Michonnet contendo o corpo de um homem chamado Goldberg, um negociante de diamantes da Antuérpia. Maigret e Lucas são designados para a investigação do caso, e depois da cena de interrogatório que abre o livro, parece que esta será uma atividade que não gerará muitos frutos.

Este é o sétimo livro publicado de Simenon desde a sua estreia, em Pietr, o Letão, e até aqui, eu nunca tinha visto uma investigação com tantos tiros trocados e com tanta resistência por mais de uma fonte criminosa. O fato é que não estamos lidando apenas com um único criminoso, mas com um grupo maior, que claramente está desesperado e pretende silenciar algumas pessoas o mais rápido possível. O problema nessa burrice de ações da máfia amadora é que Maigret fica cada vez mais certo de que as aparências, nessa pequena vila, enganam propositalmente. Daí em diante, sua investigação vai pelo caminho da plena resignação: ele assume que não vai conseguir muita coisa imediatamente, mas ao mesmo tempo se dedica a observar com muita atenção tudo o que acontece nas casas, no posto de gasolina, na oficina e nos movimentos dos poucos habitantes dessas três casas. É só através da atenta observação que ele vai colher os frutos que o levará a uma resposta. Com isso, temos mais uma nuance metodológica de investigação de Maigret, somando-se àquelas que ele havia utilizado nas outras seis aventuras.

A apresentação, o desenvolvimento e parte do último bloco do livro são absolutamente deliciosos de se ler. Como disse antes, Maigret enfrenta aqui um bom número de tiroteios e bandidos cheios de gracinhas e aparente coragem, desafiando-o descaradamente e achando que irão se safar do que fizeram. Ao longo da obra, outros assassinatos (ou tentativas de) ocorrem, e o perigo parece aumentar a cada página, inclusive para as forças da lei. Todavia, diferente de A Cabeça de um Homem, não estamos enfrentando gênios do crime, algo que é comprovado quando a revelação do mistério finalmente ocorre.

Talvez justamente por investir nesse tipo de impressão patética dos criminosos — o que fica claro pela forma como o autor faz a mudança do comportamento e das emoções de cada um — Simenon acaba deixando o final do livro insosso, o que é um reflexo de seus personagens depois de se darem conta de que não irão fugir das punições. As linhas finais são duras, diretas e igualmente patéticas, alinhadas à vida e ao comportamento desses indivíduos. É um daqueles finais que resolvem tudo (e de maneira sólida!) o que a obra propõe, mas numa linha de ações, diálogos e destinos dos envolvidos que parece não preencher toda a necessidade de “grande final” que o livro exigia.

A Noite da Encruzilhada (La Nuit du carrefour) — Bélgica
Série Comissário Maigret: Livro #7
Escrito em:
abril de 1931
Publicado em: 
junho de 1931
Autor:
Georges Simenon
Editora original: A. Fayard
No Brasil: Companhia das Letras (junho de 2014)
Tradução: Eduardo Brandão
146 páginas

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