Boa parte da frustração do público quando o assunto é live-action, vem do descontentamento pela infidelidade em comparação ao material de origem e a adaptação – reação comum até quando se trata de jogos. Há quase uma década que a Disney tem lançado remakes de seus clássicos de animação com a ideia de reparar a visão conservadora das produções, e nesse caminho, termina afastando a audiência fiel e saudosista, e não só por querer se moldar aos pensamentos da lacração, mas também entregar uma versão esterilizada, sensata, impecável, politicamente correta do que tornou o seu acervo tão querido. Se a força dessas adaptações está atrelada à fidelidade, qual a graça de assistir à produção realista de uma animação exatamente como a versão original?
Lançada em 2010, a animação em 3D Como Treinar o Seu Dragão logo se tornou uma trilogia – ao longo de 6 anos – e ganhou também uma série animada, somando tudo isso, não tem tanto tempo assim desde que vimos as aventuras de Soluço e Banguela se encerrar nos cinemas, mas há tempos que Hollywood vive de reciclar ideias e revisitar universos com um intervalo mínimo entre uma produção e outra, e no caso da saga inspirada nos livros de Cressida Cowell, tem um apreço do público ao contar a história da amizade entre um jovem – quase – viking com um dragão. Na época, com um desgaste criativo dos estúdios, a DreamWorks surgiu com um coming of age que desafiava a convenção ao apresentar um protagonista lidando com a aceitação e pertencimento. Junto a isso, a produção trouxe um visual inédito para os dragões, em especial para o Banguela, uma criatura preta, de olhos verdes fofos, com a pele que lembrava escamas e que se comportava como um cachorro.
É fato que o estúdio das princesas popularizou uma nova aposta de remakes jogando no seguro, porém, o ingrediente que falta é ter a coragem de manter a essência das animações, e essa é uma tarefa que How to Train Your Dragon consegue cumprir. Embora não seja um fã de live-actions “por serem uma versão decepcionante das animações que gosta”, o diretor Dean Deblois teve a sorte de receber o convite para comandar a refilmagem do longa que dirigiu há 15 anos, o que lhe deu a chance de melhor transportar para as telonas o que funcionou em 2010. Nesse sentido, o diretor também apostou no seguro ao reproduzir frames idênticos, a diferença está em ter feito isso com emoção. Certo que a trama não apresenta nenhuma mudança drástica nem mesmo na mitologia – talvez com a caracterização da anciã da ilha de Berk que parece algo inspirado em O Homem do Norte, de Robert Eggers –, mas Deblois entende que o ponto crucial aqui é atingir a nostalgia do público.
Certo de que conhecemos muito bem a história – e para onde ela está indo – mas o filme entende que não precisava atualizar ou se adequar para justificar a sua existência, justamente porque é o mesmo público que se apaixonou – e que gostaria de ter um dragão de estimação e enxergou a metáfora sobre amadurecimento e superação através da amizade entre o Soluço e Banguela – em 2010, vai aos cinemas prestigiar a animação em um novo formato. Talvez, a DreamWorks tenha obtido o efeito que Meu Monstro de Estimação pretendia em 2008 ao adaptar o livro de Dick King-Smith, história que trazia um olhar fofo ao monstro do Lago Ness, porém, o que tornou o longa de Deblois um clássico foi por combinar uma aventura épica, emocionante e repleta de visuais criativos numa animação em 3D. E o live-action consegue capturar essa sensação novamente, principalmente nas cenas de voo, seguindo o ponto de vista da câmera e embaladas com a trilha sonora de John Powell, também responsável pela composição em 2010.
Ou seja, além do quadro por quadro em vários momentos do longa, a intenção aqui foi de causar o mesmo sentimento que o público teve com a animação, como se nada tivesse mudado, mas permanecido o mesmo. Se a Disney tem estragado seu acervo com propostas que modificam demais as animações, Como Treinar o Seu Dragão quer manter por perto a magia e a essência, nem que para isso reimagine a animação da maneira mais idêntica possível. Se a pureza ingênua que Mason Thames traz para Soluço nos faz acreditar na relação com um dragão fofo computadorizado e torcer por essa amizade, e o CGI utilizado na caracterização dos dragões imprimem realismo, os efeitos práticos utilizados para composição da Ilha de Bark aproximam ainda a verossimilhança desse universo.
Com uma sequência confirmada para 2027, assim como em 2010, a adaptação cinematográfica de Como Treinar o Seu Dragão vai servir como modelo de inspiração para produções semelhantes, agora, de como fazer um live-action fiel, afinal, o público não quer ver a história que aprendeu apreciar ser modificada e sim contada do jeitinho que é. Então, entre se emocionar com a amizade de um dragão e um garoto – ainda mais com a Banguela voando de seu abrigo para salvar Soluço de um ataque como um cão indo proteger o seu dono – e torcer a cara para uma princesa que agora é escrita para ser fada sensata, melhor é a história do dragão de estimação que mantém o mesmo espírito de sua animação, até porque isso faz parte da magia, da fantasia e não precisa ser diferente.
Como Treinar o Seu Dragão (How to Train Your Dragon – EUA, 2025)
Direção: Dean Deblois
Roteiro: Dean Deblois (baseado na animação da DreamWorks e livro de Cressida Cowell)
Elenco: Mason Thames, Nico Parker, Gerard Butler, Nick Frost, Gabriel Howell, Julian Dennison, Bronwyn James, Harry Trevaldwyn, Murray McArthur, Peter Serafinowicz, Naomi Wirthner
Duração: 126 min.