Há um tom absurdo na premissa de Como Vender a Lua, um romance ambientado na corrida espacial, com espiões, executivos de publicidade e a possibilidade de um falso pouso na Lua, tudo embrulhado em estética retrô, ritmo de comédia romântica e uma narrativa sem qualquer credibilidade. É um daqueles projetos que, no papel, prometem o charme de uma fantasia nostálgica. O problema é que o filme parece nunca decidir se quer ser uma sátira política, um clichê romântico ou um drama histórico sobre o poder da imagem. O resultado é uma obra que, mesmo simpática e razoavelmente assistível numa tarde chuvosa, vive presa à indecisão entre ser leve e ser relevante.
Dirigido por Greg Berlanti, especialista em driblar o sentimentalismo com verniz pop, o filme tenta encontrar equilíbrio entre o escapismo e a crítica social. O pano de fundo é a América de 1968, já cansada da Guerra Fria e desacreditada da NASA, quando o marketing começa a invadir até o espaço sideral. Kelly Jones (Scarlett Johansson, eficiente no carisma, mas sem o brilho de outros papéis) é uma publicitária brilhante e moralmente flexível, contratada pelo governo para revitalizar a imagem do programa espacial. Ela chega à Flórida com slogans, patrocinadores e um sorriso de quem sabe vender até o impossível; no caso, a Lua.
É uma ideia curiosa: o sonho americano da conquista espacial contado não pelos engenheiros ou astronautas, mas pela mulher encarregada de transformar ciência em espetáculo. O filme acerta quando flerta com esse cinismo, quando mostra a publicidade como força política, quando sugere que o heroísmo moderno é mediado por câmeras e jingles. O diálogo entre ciência e propaganda poderia render um comentário inteligente sobre o nascimento da era da imagem, mas o roteiro hesita em se aprofundar na sátira, tampouco constrói uma fábula romântica de destaque.
Cole Davis (Channing Tatum) encarna o oposto de Kelly: um homem pragmático, metódico, moldado pelo código moral da NASA, que vê na missão Apollo 11 não um espetáculo, mas um testamento humano. Tatum faz bem o papel do idealista rígido, e sua química com Johansson funciona em doses controladas no tipo de relação que se alimenta mais da colisão do que da harmonia (bem rom-com dos anos 2000 ou até comédias screwball clássicas). O problema é que o filme se acomoda nessa fórmula de “opostos que se atraem” e logo transforma o que poderia ser um conflito de ideologias num romance previsível, cheio de trocas de farpas espirituosas e beijos obrigatórios entre discussões sobre foguetes.
O momento em que a trama engrena, no pedido para que Kelly organize uma gravação falsa do pouso na Lua (que demora muuuito pra chegar) caso a missão fracasse, é, paradoxalmente, o ponto em que o filme perde coragem. É um conceito provocativo: um governo disposto a fabricar um triunfo histórico para preservar sua imagem, um retrato direto da manipulação midiática como instrumento político. Mas Berlanti e Gilroy tratam a ideia como um elemento de farsa bobinha e que não chama muito a atenção.
Visualmente, o filme tenta capturar a energia otimista da época, com figurinos impecáveis, carros polidos, o design elegante dos escritórios da NASA, mas essa estética joga contra a sátira e acaba fazendo a obra repousar na comédia romântica convencional. É como se o próprio filme tivesse medo de parecer cínico. Mesmo as cenas mais moralmente complexas, como Kelly ensaiando a farsa da transmissão lunar, são filmadas com leveza de comercial.
No entanto, Como Vender a Lua não é um desastre. Há charme, ritmo e um certo prazer em ver Johansson e Tatum circulando por diálogos rápidos e cenários vintage. As referências ao universo da corrida espacial são divertidas, e o humor de bastidores, com os técnicos tentando vender a NASA para o público como se fosse um novo refrigerante, funciona melhor do que o drama principal. O roteiro até consegue construir um dilema emocional convincente para Kelly: entre seu passado fraudulento, a tentação da mentira conveniente e o desejo sincero de fazer algo verdadeiro. O problema é que a resolução vem rápido demais, e tudo termina num registro romântico padrãozinho demais para um filme que começou prometendo ironia.
O terceiro ato, centrado no lançamento do Apollo 11, tenta unir todas as pontas, do romance, a conspiração, até a redenção pessoal, mas o faz de forma atabalhoada e pouco convincente. A ideia de que não sabemos, por alguns instantes, se estamos vendo o pouso real ou o falso é boa, mas o filme não a sustenta com o peso dramático que merecia. Quando o gato atravessa o set, desmascarando o truque, a metáfora é literal demais: a verdade, no fim, é só mais um acidente de percurso.
O resultado é uma comédia romântica disfarçada de drama histórico, ou talvez o contrário. Como Vender a Lua quer ser muitas coisas ao mesmo tempo: leve, crítica, romântica, nostálgica e política. E acaba sendo um pouco de tudo e muito de nada. Entre elementos agradáveis e visuais atraentes, a produção carece de convicção. Há uma boa ideia orbitando o filme sobre como a verdade e a mentira caminham lado a lado no imaginário coletivo, e que a era das fake news já estava escrita no brilho falso da televisão dos anos 60. O problema é que a obra parece tão encantada com o seu próprio verniz que nunca ousa ir além da superfície. É um filme bonito, simpático e, como a própria farsa lunar, convincente só enquanto dura a transmissão.
Como Vender a Lua (Fly Me to the Moon) – EUA, 2024
Direção: Greg Berlanti
Roteiro: Rose Gilroy, Keenan Flynn, Bill Kirstein
Elenco: Scarlett Johansson, Channing Tatum, Jim Rash, Anna Garcia, Donald Elise Watkins, Noah Robbins, Colin Woodell, Christian Zuber, Nick Dillenburg, Ray Romano, Woody Harrelson
Duração: 132 min.
