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Crítica | Como Vender uma Casa Assombrada, de Grady Hendrix

Segredos de família.

por Ritter Fan
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Grady Hendrix, depois de passear por exorcismo adolescente, rock demoníaco, vampiros sulistas e final girls, retorna ao tema de seu primeiro livro de horror de sucesso, Horrorstör, que lida com ambientes assombrados pelo passado. Se, no livro de 2014, esse ambiente era uma gigantesca loja de móveis e de decoração, em Como Vender uma Casa Assombrada, como o título deixa bem claro, ele aborda a clássica estrutura da casa mal-assombrada que tanto vemos por aí. Mas, como em basicamente toda sua refrescante bibliografia do gênero, Hendrix está muito mais interessado em lidar com questões humanas do que exatamente com o sobrenatural e, ainda que haja muito de casa assombrada em seu livro, há muito mais sobre as sempre complicadas relações familiares.

Em um belo dia, Louise Joyner, mãe solteira de quase 40 anos que mora em São Francisco com sua filha Poppy, de cinco anos, recebe uma ligação de seu irmão Mark, com quem não fala há dois anos, informando-a, da maneira mais atabalhoada e bêbada possível, que seus pais morreram em um trágico acidente automobilístico. Deixando a menina com o pai, Louise parte para a Carolina do Sul para encarar a dura realidade, encontrando Mark já preparado para jogar as cinzas de seus pais no mar e vender a casa onde eles viveram por toda a vida, o que, claro, deflagra o conflito e começa a lentamente abrir uma Caixa da Pandora que descortina o passado de sua família.

Hendrix não perde tempo em jogar sua protagonista no meio do fogo. O leitor imediatamente percebe que há algo muito errado com a casa que, aliás, é repleta de bonecos, fantoches e marionetes que sua mãe passou a vida costurando e usando para fazer pequenas apresentações e para contar histórias para os filhos, mas o que está realmente errado é o relacionamento beligerante entre Louise e Mark. Se o início do livro se esforça em criar simpatia por Louise e antipatia por Mark, essa estrutura óbvia e binária logo começa a ser corroída na medida em que a narrativa avança, com o ponto de vista predominante – em terceira pessoa – de Louise logo revelando-a como alguém também cheia de traumas mal resolvidos que ela carregou a vida toda e que afetaram profundamente seu irmão que, por seu turno, aos poucos revela-se como sendo bem mais do que apenas um homem preguiçoso que nunca quis nada da vida, basicamente o contrário da irmã.

A maneira vagarosa, mas constante com que Hendrix lida com o passado da família Joyner, revelando-o pouco a pouco, é seu trunfo ao longo do romance, algo que é particularmente bem feito pelo autor ser capaz de abrir portas cujas frestas ele já havia apresentado ao leitor que tiver prestado atenção no começo, ou seja, não há nada que pareça gratuito ou jogado na história para chocar ou criar aquelas reviravoltas baratas que vemos em tantas obras de horror. Além disso, o autor não tem receio algum de tornar tanto Louise quanto Mark em personagens desagradáveis, que tornam difícil o trabalho de se estabelecer empatia. É como se Hendrix se desafiasse em “estragar” personagens somente para, então reconstruí-los durante a narrativa e, mesmo que talvez ele não consiga alcançar plenamente o resultado pretendido, a mera tentativa já é valorosa.

Há uma atmosfera pesada por todo o livro, de certa forma refletindo uma era pós-COVID – a pandemia é mencionada na obra, ainda que muito rapidamente – em que tudo parece mais estranho, mais difícil e mais enevoado e Hendrix faz bom uso desse sentimento de perda para bem descaradamente manipular o leitor e fazer sua obra encaixar-se como uma luva ao zeitgeist, algo que é amplificado pelo uso do artifício dos “bonecos sinistros” que tanto aparece em filmes de horror atuais. Mas aqueles que revirarem os olhos por estarem cansados desse clichê não precisam temer o uso dele aqui, já que Hendrix faz, em grande parte, um bom trabalho, só errando mesmo na ação climática final que compacta muita coisa enlouquecida em poucas páginas, atropelando um pouco o ritmo bem cadenciado que vinha imprimindo à história.

Como Vender uma Casa Assombrada é outro acerto de um autor que, a cada nova obra, mostra que sabe trabalhar o horror de maneira simples, mas original, sem reinventar a roda, mas, ao mesmo tempo, embelezando-a e fazendo dela uma criação claramente sua e sempre – sempre! – mantendo sua mira apontada para as relações humanas entre seus personagens, algo tão esquecido hoje em dia no gênero. Nada como um autor que pega o básico e o batido e faz deles seus degraus para algo muito mais valioso do que apenas promover sustos no leitor em razão de monstros e serial killers. Afinal, não há nada mais assustador do que as relações cotidianas se formos parar para pensar bem…

Como Vender uma Casa Assombrada (How To Sell a Haunted House – EUA, 2023)
Autor: Grady Hendrix
Editora: Berkley
Data de publicação: 17 de janeiro de 2023
Páginas: 432

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