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Crítica | Comunhão (1976)

Proto-slasher reflete violência, degradação familiar e críticas religiosas.

por Leonardo Campos
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Considerado um dos maiores representantes do proto-slasher, Comunhão é uma narrativa estranha, mergulhada numa atmosfera macabra, assustadoramente bizarra. Cultuado por muitos na era do VHS, o filme ganhou novos olhares com o advento das novas mídias, recurso que possibilitou a sua abrangência e, consequentemente, multiplicidade de interpretações. Inspirada em Psicose, de Alfred Hitchcock, a produção considerada por muitos como anticatólica tem a sua história situada num ambiente religioso, especificamente, numa comunidade sediada por uma igreja em New Jersey. O ano é 1961: durante a primeira comunhão de um grupo de crianças, a cerimônia precisa ser encerrada, pois o cadáver da pequena Kare Spages (Brooke Shields) é encontrado num baú situado na sacristia. Um clima de horror é instaurado, deixando a todos numa intensa sensação de insegurança. Quem teria feito uma aberração deste tipo?

Ao passo que a narrativa avança, tudo nos leva a desconfiar da enigmática Alice (Paula E. Sheppard), uma criança conhecida por todos pela sua postura sociopata, cínica, alguém ainda muito jovem, mas que transmite um olhar traiçoeiro. A garota costuma se isolar nos locais mais inusitados, como por exemplo, o porão do prédio onde mora, uma zona decrépita, parte de uma edificação idem, espaços entregues ao público para contemplação por intermédio do cuidadoso design de produção assinado por John Lawless, devidamente captado pela direção de fotografia, também assertiva, responsável por imagens habilmente justapostas na edição que privilegia sua movimentação e angulação, repletas de peculiaridades. É neste local estranho que a garota parece exercer uma caótica construção imaginária das coisas.

A morte em questão traz o seu pai, Dom (Niles Mccaster), divorciado de sua mãe, Catherine (Linda Miller), feixe de relações que tece críticas aos modelos disfuncionais de família, bastante diferentes das idealizações dos insistentes no modelo Norman Rockwell de sociedade. Deste ponto que demarca a morte da criança, a suspeita de outra e o retorno do patriarca, uma série de mortes inexplicáveis começam a acontecer, todas administradas por uma figura trajada por uma capa de chuva amarela e uma máscara tenebrosa de plástico, justaposição de adereços atraente para nós, tampouco para as vítimas, salvaguardadas as devidas proporções, uma possível referência ao clássico Inverno de Sangue em Veneza. Tia Anne (Jane Lowry), uma coadjuvante importante, é atacada em determinado momento, reforçando que o perigo se torna cada vez mais amplo e alguma solução precisa ser tomada pelos envolvidos.

Apesar de conseguir sair com vida do atentado, o cenário reforça que a figura macabra não pretende parar enquanto não for interpelada. Quem será a pessoa responsável pelos assassinatos? O que está por detrás desta história macabra? Como várias pessoas compraram a tal capa amarela, encontrar o antagonista será um desafio e tanto. As perguntas são muitas e, aos poucos, começam a ter as suas respostas lançadas para o espectador, com explicações que não são exatamente convincentes, mas que funcionam como compreensão da proposta narrativa. Comunhão é uma produção confusa, com alguns furos consideráveis de roteiro, situações muito convenientes para o desenvolvimento da história, numa solicitação abusiva de suspensão da descrença, tendo em vista que o filme está fincado numa abordagem realista, sem adoção do paralelo com elementos sobrenaturais para seu desdobramento narrativo.

Escrito por Alfred Sole, também responsável pelo roteiro, escrito numa parceria com Rosemary Ritvo, este proto-slasher se arrasta um pouco e tem a sua lógica comprometida por passagens absurdas. Se deixados de lado, estes detalhes não comprometem o espectador curioso, afinal, a figura com a mencionada capa de chuva e máscara bizarra causa estranheza, mas ao mesmo tempo, nos deixa atraídos pela morbidez de seus aspectos visuais. Ademais, em seus 98 minutos, Comunhão ainda retrata temas como pedofilia e hipocrisia social. No primeiro caso, temos a presença do Sr. Alphonso (Alphonse DeNoble), um locatário do prédio que cria numerosos gatos e possui a palavra “estuprador” como denominação de suas principais características, assediador da pequena Alice. No outro, a perpetuação de posturas conservadoras se reflete na tia de Alice, uma mulher que não gosta da menina simplesmente pelo fato da garota ser filha de sua irmã num momento em que a mesma não estava casada. Ah, destaque para a sua trilha sonora atmosférica, assinada por Stephen Lawrence. É um trabalho sólido que ajuda na condução dos bons momentos da narrativa.

Comunhão (Alice Sweet Alice, EUA – 1976)
Direção: Alfred Sole
Roteiro: Rosemary Ritvo, Alfred Sole
Elenco: Linda Miller, Mildred Clinton, Paula E. Sheppard, Niles McMaster, Jane Lowry, Rudolph Willrich, Michael Hardstark, Alphonse DeNoble, Brooke Shields, Tom Signorelli, Lillian Roth
Duração: 98 min.

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