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Crítica | Confesse, Fletch, de Gregory Mcdonald

O segundo romance da sarcástica saga de Fletch.

por Ritter Fan
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Com o sucesso de Fletch, publicado em 1974, Gregory Mcdonald largou sua carreira de jornalista para focar exclusivamente na de escritor de romances de ficção, o que o levou a dedicar-se, inicialmente, na continuidade das aventuras de Irwin Maurice Fletcher, o cínico repórter investigativo que criara. Confesse, Fletch, o segundo romance da série, lançado dois anos depois, segue exatamente a mesma fórmula que o autor estabeleceu no original: duas investigações paralelas por Fletch ao longo de poucos dias em uma obra composta essencialmente de diálogos distribuídos em capítulos cirurgicamente curtos para tornar irresistível a virada de página.

No entanto, como um bônus, Mcdonald introduz, aqui, o Inspetor Francis “Frank” Xavier Flynn, da polícia de Boston que, ao lado de seu parceiro que ele apelidara depreciativamente de Grover, investiga o assassinato de uma bela mulher encontrada já morta no apartamento que Fletch pegou emprestado de um amigo italiano em seu retorno para os EUA em algum momento posterior aos eventos do primeiro livro. Esse é, portanto, o crime principal, por assim dizer, com Fletch reagindo ao belo corpo nu que encontra no apartamento da maneira mais fria possível, bem em seu estilo que demonstra pouquíssimos sentimentos, ligando não para o número de emergência da polícia, mas sim para o número normal, já que, em sua lógica, considerando que nada pode ser feito para ajudar a jovem, não há mais emergência.

A importância de Flynn é que o misterioso policial irlandês de passado trágico e que é também uma espécie de super agente secreto, ganhou, uma série literária spin-off própria já a partir de 1977, composta de quatro livros, o último deles, de 1999, também o último a ser escrito pelo autor que faleceria em 2008. Em Confesse, Fletch – essa é a frase que ele diz para Fletch toda vez que eles se encontram – sua interferência na história é consideravelmente discreta, com o foco mantido efetivamente no protagonista que, não só passa a investigar o assassinato em questão, como também continua fazendo aquilo que veio fazer nos EUA, deixando sua noiva italiana de sangue azul em seu país de origem: investigar o furto de obras de arte valiosíssimas da família dela.

De um lado, Fletch é a epítome do personagem egoísta e cretino que nunca responde nenhuma pergunta objetivamente e sempre pensa primeiro em si mesmo antes de pensar no próximo, isso quando pensa no próximo. Ele é, claro, brilhante, com seu método investigativo, porém, envolvendo toda a sorte de falcatruas para enganar a polícia e os suspeitos. Por outro lado, Flynn é sua contrapartida exata, um homem que sempre anda dentro dos limites da lei, mas jamais agindo de maneira açodada, o que lhe vale o apelido de Flynn Relutante, recusando-se a fazer prisões sem antes ter absoluta certeza de suas suspeitas. Essa dinâmica entre Fletch e Flynn, com o primeiro cada vez mais, em aparência externa, aproximando-se da criminalidade e o segundo enxergando exatamente o que o primeiro está fazendo e deixando-o livre para prosseguir cria um ritmo natural à narrativa que, mais do que o uso extensivo de diálogos e os capítulos curtos, torna o livro tão irresistível quanto o primeiro.

É bem verdade que Mcdonald, talvez se sentindo mais confortável em razão das boas vendas de seu primeiro romance, empresta um pouco mais de complexidade à história, inclusive valendo-se de talvez reviravoltas demais no final, ainda que todas elas razoavelmente críveis e bem construídas se o leitor tiver o cuidado de prestar atenção nas entrelinhas.  Ou seja, não há magicamente tirado da cartola e nada que não flua de maneira decente de tudo o que é construído antes, inclusive – e especialmente – o passado recente de Fletch na Itália e seu envolvimento com a nobreza decadente de lá, mas sem que seja necessário recorrer a flashbacks ou a deslocar a ação dos EUA para outro país.

Confesse, Fletch é uma continuação de qualidade para uma obra cativante que acrescenta mais elementos ao universo do protagonista, apresenta um antagonista importante não só para a história, mas para a construção do frutífero universo literário de Mcdonald. Fletch continua sendo o personagem que odiamos adorar, mas é praticamente impossível ter outra reação ao seu cinismo contagiante e sua cretinice arrebatadora que abre caminho para um gostoso e sofisticado humor sarcástico e irônico.

Confesse, Fletch (Idem – EUA, 1976)
Autor: Gregory Mcdonald
Editora original: Bobbs-Merrill
Data original de publicação: 1976
Editora no Brasil: Editora Record
Data de publicação no Brasil: ?
Tradução: A. B. Pinheiro de Lemos
Páginas: 264

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