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Crítica | Confesse, Fletch

O retorno de Fletch e de Jon Hamm.

por Ritter Fan
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O universo literário de Gregory Mcdonald sobre o repórter investigativo Irwin Maurice Fletcher, mais conhecido como Fletch, ganhou sua primeira adaptação audiovisual em 1985, estrelada por Chevy Chase em um papel que muitos até hoje consideram seu melhor. Assassinato por Encomenda adaptava o primeiro livro da série e foi um grande sucesso, levando à produção de uma continuação, Fletch Vive, quatro anos depois que, porém, era baseada em roteiro original e não em algum outro livro do autor. Por décadas, o próprio Chase, além de diversos outros nome relevantes na seara humorística de Hollywood, como Kevin Smith, Zach Braff e Jason Sudeikis, tentaram continuar ou fazer um reboot da série, mas sem nenhum sucesso.

Foi apenas em 2020 que saiu a informação de que Jon Hamm, tornado famoso por seu inesquecível papel do publicitário Don Draper, na maravilhosa série Mad Men, viveria o personagem mais uma vez em Confesse, Fletch, adaptação do segundo livro da série literária, em uma tentativa de recomeço da franquia audiovisual, desta vez capitaneada por Greg Mottola (de, entre outros, Superbad: É Hoje e Férias Frustradas de Verão). E, de fato, o filme acabou produzido, mas, misteriosamente, ainda que em parte em razão da pandemia, acabou no limbo dos serviços de vídeo sob demanda sem qualquer tipo de destaque. Mas o destino ingrato do filme não é de forma um sinal de sua falta de qualidade. Se alguma coisa, é de uma injustiça suprema que o primeiro protagonismo relevante de Hamm em muito tempo e que, ainda por cima, o reúne com o sempre ótimo John Slattery, seu colega de Mad Men, não tenha ganhado mais relevância em seu lançamento, pois o filme é uma comédia sólida, genuinamente engraçada que consegue fazer jus tanto ao personagem de Mcdonald quanto ao livro específico que adapta, como também abre um merecido espaço para o ator mostrar seu tino para o humor.

Na história, Fletch chega em Boston, vindo da Itália, para investigar o paradeiro de algumas obras de arte valiosíssimas que foram furtadas da propriedade da milionária família De Grassi a pedido do Conde De Grassi que, nesse meio tempo, foi sequestrado e os sequestradores exigiram um quadro de Picasso (uma das pinturas furtadas) como resgate. Chegando na cidade americana e instalando-se no apartamento que sua namorada Angela “Andy” de Grassi (Lorenza Izzo), filha do conde, conseguiu para ele, Fletch descobre uma mulher morte na sala e, com a maior calma do mundo, liga para a polícia, mas não para o número de emergência (afinal, a mulher já está morta e, portanto, não há emergência). O resultado disso é que, enquanto Fletch investiga o paradeiro das obras, lidando com o marchand misofóbico Ronald Horan (Kyle MacLachlan) e pedindo ajuda ao seu ex-chefe Frank Jaffe (Slattery), ele próprio é investigado pela polícia de Boston, mas especificamente pelo veterano Inspetor Monroe (Roy Wood Jr.), conhecido por ser lento em seu trabalho, e pela detetive júnior Griz (Ayden Mayeri).

A estrutura dupla de “gato e rato” funciona muito bem, com diversos elementos e personagens sendo introduzidos ao longo da projeção para manter o interesse e cadência narrativa, valendo especial destaque para Eve (Annie Mumolo), a perigosamente atolada vizinha de Fletch, e para a falastrona e voluptuosa Condessa De Grassi (Marcia Gay Harden), madrasta de Andy. Os diálogos de Fletch são afiados em seu indefectível estilo de ou responder perguntas com mais perguntas ou simplesmente dar respostas que não são respostas, tudo com altas doses de ironia e sarcasmo, com Hamm abraçando seu personagem com ainda mais força e eficiência do que Chevy Chase, o que pode ser uma afirmação herege para muitos, mas que eu reafirmo sem hesitação.

Além disso, as dinâmicas entre Fletch e os detetives e entre os próprios detetives são muito espirituosas, em um estilo de humor fino e discreto que não precisa recorrer a diatribes repletas de palavrões (não que eu seja pudico a esse ponto, mas há comédias demais por aí que acham que falar palavrão o tempo todo é o que é necessário para ser engraçado) ou a humor escatológico ou com artifícios desagradáveis semelhantes. Em muitos aspectos, Confess, Fletch, é comédia velha guarda em que boas atuações e textos afiados valem mais do que gente berrando ou fazendo macaquices para arrancar risadas.

E Mottola muito claramente percebeu isso ao escrever o roteiro juntamente com Zev Borow. Suas alterações em relação à obra original procedem (é somente uma pena que ele tenha substituído o Inspetor Flynn por Monroe, ainda que isso não exatamente impeça um spin-off focado nele como Mcdonald fez na literatura com seu misterioso personagem), com boas atualizações temporais que não são nunca invasivas ou empurradas goela abaixo do espectador. E sua direção é igual, ou seja, Mottola reconhece o valor de seu elenco e, ainda que acaba subutilizando o personagem de Slattery, acerta ao manter seu foco no elegante timing cômico de Jon Hamm e nas conexões do personagem com a dupla policial, com a condessa, com sua namorada e com o marchand.

Apesar de seu lançamento comercial acanhado, tomara que Confesse, Fletch funcione como um recomeço (que pode ser visto como uma continuação dos filmes oitentistas, diria) da franquia, criando repetidas oportunidades para Hamm encontrar-se novamente como ator. Há um rico e muito divertido material a ser explorado lidando com as desventuras de Fletch (inclusive no Rio de Janeiro e em Nairóbi!) que poderia até mesmo ganhar o formato de série de TV, ainda que uma série de filmes seja, para mim, mais interessante e convidativo.

Confesse, Fletch (Confess, Fletch – EUA, 2022)
Direção: Greg Mottola
Roteiro: Greg Mottola, Zev Borow (baseado em romance de Gregory McDonald)
Elenco: Jon Hamm, Roy Wood Jr., Ayden Mayeri, Lorenza Izzo, Kyle MacLachlan, Annie Mumolo, John Behlmann, John Slattery, Lucy Punch, Marcia Gay Harden, Erica McDermott, Eugene Mirman, Kenneth Kimmins
Duração: 98 min.

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