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Crítica | Contatos de 4º Grau

Estranhas coincidências.

por Fernando JG
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É comum que se ouça por aí julgamentos que erroneamente tentam retirar do gênero terror o seu grande trunfo: o poder de causar o assombro e o espanto. Fala-se, num equívoco teórico insuperável, beirando o desconhecimento da retórica cinematográfica, que um filme de horror não deve ser julgado mediante o seu poder de provocar o espanto no público, que ele é mais que isso, etc. Devemos retornar alguns passos e relembrar que o pressuposto básico de qualquer gênero ficcional é suscitar um determinado efeito no público. Cinema é retórica e obrigatoriamente causa um efeito, seja evocando afetos hedônicos e melancólicos num drama, de grandeza num épico, de apreensão num suspense e, devidamente, de espanto no horror, seja lá de qual variante ele se encontre inserido. Terror é, obrigatoriamente, tudo aquilo que causa o assombro seguido de uma suspensão que provoca um êxtase-negativo. Esse é o papel do gênero cinematográfico: pressupor uma tendência de afetos universais. Dito isso, vemos que Contatos de 4º Grau, pelo seu alto poder de causar o medo, nos faz sentir que seremos a próxima vítima e, portanto, cumpre a sua função. 

O polêmico The Fourth Kind, afirma-se hoje, como uma obra controversa e que divide opiniões entre os espectadores. A crítica, assim como fez anteriormente com a obra-prima A Bruxa de Blair, afastou-se de reconhecer o valor ficcional do filme, julgando-o como um projeto menor, atrapalhado e que se sustentava por conta de alguns de seus jumpscares. Sabe-se, não de hoje, que a tradição nunca soube olhar a especificidade do gênero, o que provoca injustiças seculares na avaliação das películas de horror. Não é preciso que avancemos muito para saber que esse é um gênero menor para a intelligentsia cinematográfica. Ainda que reconheça que o texto e a motivação de alguns episódios de Contatos sejam fracas – mas só em pontos específicos -, digo que isso não é o bastante para retirar desse filme  o seu posto de clássico instantâneo do gênero. 

Em Nome, no Alasca, a psicóloga Abbey Tyler (Milla Jovovich) começa a notar estranhas coincidências nos relatos de seus pacientes: a visão de uma coruja branca que, à noite, pousa em suas janelas. Com a informação de que inúmeras pessoas desapareceram nos últimos anos, Abbey passa a gravar as sessões de terapia/hipnose a fim de estudar profundamente os casos e encontrar uma resposta que justifique as coincidências e a possível relação entre os desaparecimentos e os fatos narrados pelos pacientes. Estranhos acontecimentos são revelados no momento da hipnose e, em todos eles, os pacientes recobram, de maneira perturbadora, o momento exato da aparição da figura que os assalta a noite. E a descoberta não é nada convidativa. 

The Blair Witch já havia proposto esse cinema que forjava uma verdade, de modo a aproximar o público da experiência do assombro. A found-footage era, então, o principal elemento que fazia a ficção se converter em realidade. Aqui, em The Fourth Kind, o mais importante é justamente a forma do filme. Observamos que enquanto se passa a ficção e corre o enredo, o diretor engenhosamente espelha isso com imagens “reais” através da found-footage e com isso consegue trazer verossimilhança para cenas que, a princípio, ficariam no espectro de fantasia ou algo assim. 

A entrevista com a Dr. Abigail, as imagens das sessões de hipnose, as câmeras encontradas, bem como a explicação com letras garrafais nos pré-créditos finais que afirmam a condição verídica do ocorrido, fazem parte de um teatro que tem a intenção de nos colocar como testemunhas de um fato que, embora ficcional, precisa ser comprado como verdade. E nós compramos. Tanto é que ficamos suspensos, perplexos e assombrados com o que se coloca diante de nós. 

A presença de uma coruja perturbadora e que, a dado momento, sorri para um paciente, torna tudo muito mais horrendo, nos causando um prazer negativo, que é medo e pavor diante do desconhecido. Aliás, o filme sabe manipular essa esfera do oculto, operando sempre com a imagem do “desconhecido”. Não o vemos em nenhuma situação, senão apenas como sombra ou menos do que isso: unicamente como uma ameaça. Vejo que o trunfo do filme encontra-se aí, isto é, em nos fazer sentir ameaçados por algo que completamente desconhecemos ao passo que imediatamente a ideia de abdução adquire um caráter de verdade. O mistério se mantém ao longo do enredo e ele não é solucionado, o que instiga-nos a permanecer na trama em busca de respostas.

Para se manter em pé, o enredo toma como estrutura uma espécie de whodunnit paranormal num estilo de cinema investigativo. É isso que conduz o fio narrativo sem que ele perca o seu propósito final. Isto é, o horror não está à toa –  terror pelo terror -, mas ligado por um importante condutor de enredo que faz com que os fatos sejam ainda mais interessantes. Contudo, se há uma falha aqui, precisamente, ela se encontra num erro gerado no interior do próprio conceito de verossimilhança que o filme tanto buscou. A aparência de verdade que se torna a marca do filme acaba por perder a sua rigidez no momento em que a sanidade de Abigail é questionada, mesmo com todas as provas, vídeos e testemunham que comprovam os acontecimentos. E mesmo assim ela é punida com a lei. E isso destoa do resto das ações fílmicas. Como também perde força em situações de abdução, que infelizmente utiliza de um lugar-comum que é essa máquina que abduz pelo céu, sendo que poderia reinventar a roda e propor um conceito de abdução crível e que nos convencesse de todo. 

Contatos de 4º Grau acerta em cheio em tudo aquilo que propõe em sua trama, canonizando-se como uma pérola do cinema de gênero e um filme indispensável na estética alienígena. Concentra-se em um núcleo rígido de ação, não foge da raia e explora circularmente o problema da abdução sem perder o enredo do seu tema central. Milla Jovovich está excelente no papel, mas a “verdadeira” doutora Abigail, interpretada por Charlotte Milchard, está assustadora e convence de maneira natural. Catártica, a película de Olatunde Osunsanmi compartilha o perigo com o seu público e os faz entrar junto de seus personagens nesse transe medonho que são os estranhos acontecimentos no Alasca. The Fourth Kind sempre será o motivo de muitos calafrios. 

Contatos de 4º Grau (The Fourth Kind, EUA, UK, 2009)
Direção: Olatunde Osunsanmi
Roteiro: Olatunde Osunsanmi, Terry Robbins
Elenco: Milla Jovovich, Will Patton, Hakeem Kae-Kazim, Corey Johnson, Enzo Cilenti, Elias Koteas, Eric Loren, Mia McKenna-Bruce, Raphaël Coleman, Daphne Alexander, Charlotte Milchard
Duração: 98 min. 

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