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Crítica | Contos da Prisão

por Kevin Rick
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Obras sobre complexos prisionais e/ou sobre encarcerados e ex-detentos normalmente abordam temas pesados considerando a realidade cruel e o passado criminoso dessas pessoas, mas o documentário Contos da Prisão é uma criação com um tom mais otimista sobre o assunto.  O primeiro longa-metragem de Ábel Visky é um belo filme que atinge o equilíbrio entre documentário e ficção, conto de fadas e realidade, enquanto usa métodos de narrativa para criar uma espécie de terapia dramática para os envolvidos. O filme é ambientado em uma prisão húngara, e segue a perspectiva de alguns presos e suas famílias na dura realidade de ter um parente em cárcere privado. Mas ao invés de apenas documentar os problemas enfrentados por essas pessoas, o diretor opta por transmitir faíscas de inspiração e esperança em um local onde não se espera histórias edificantes.

O cineasta apresenta a ideia aos presidiários para que eles criem histórias infantis, que sua equipe de produção adapta em curtas-metragens com a participação dos próprios presos e seus filhos. Por trabalhar com residentes de prisões húngaras e suas famílias no âmbito do projeto, o compromisso teve uma série de fatores de riscos éticos. Mas o resultado final é uma criação comovente, na qual longos silêncios, grandes risadas, imaginativas “inserções de contos de fadas” e piscadelas auto reflexivas encontram seu lugar sem problemas.

Visky quer explorar como a criatividade pode ser libertadora, terapêutica e reabilitadora à medida que os indivíduos exploram categoricamente seus demônios por meio da arte. Os três residentes da prisão escolhidos para o projeto são: Gábor, Tibor e Zoltán, e suas respectivas famílias. É interessante que, apesar do passado criminoso dos três homens, o filme os define não por seus delitos, mas por seu desejo comum de restaurar os laços familiares e retornar à sociedade, mesmo que ambos pensamentos os aterrorizem em certos sentidos. O diretor não transmite o retrato de homens violentos, mas sim de indivíduos arrependidos de sua transgressões, descobrindo como serem pais e/ou maridos responsáveis. 

Considerando que os próprios presos criaram as histórias, não se pode saber ao certo se essa foi uma intenção explícita do diretor, mas esses três contos concluídos e seus personagens terminam por ser um reflexo dos envolvidos. Gábor cria a história de um jovem leitão que é um pobre órfão que cresceu sozinho na floresta perigosa. O leitão encontra confiança em seu espírito corajoso e em sua intuição astuta. A fábula é uma metáfora óbvia para a percepção de Gábor de seus fracassos como pai, tendo deixado seu filho sem uma figura paterna e sua namorada sem um parceiro para ajudar a criar o menino. É surpreendente o quanto o filho de Gábor é espetacular frente a câmera, que junto da história envolvente, torna esse o melhor curta-metragem do filme.

Por sua vez, Zoltán constrói um conto complicado, sobre um rei maldoso e dentes roubados. Sua história é um reflexo do esforço familiar para manter seus laços e todas as dificuldades que acompanham. Também serve como uma reflexão sobre o exercício de redescobrir a unidade familiar. O terceiro conto, de Tibor, que vive na prisão com seu pai, é sobre uma dupla de marinheiros que encontram um pequeno ser no mar (sua filha), e acabam decidindo trazer ela consigo para vender no mercado. No entanto, durante uma tempestade, decidem por retorná-la ao mar, dialogando sobre a interrupção do ciclo hereditário de institucionalização. Apesar do conto de Gábor ser o melhor, este é o meu favorito, pois não é tanto sobre seus erros e como restaurá-los, mas é um projeto que funciona como um conselho para sua filha, uma forma de pedido para que o crime não perdure em sua família.

Visky cria inserções de narrativa que permite aos atores e criadores refletirem sobre si mesmos usando o cinema como forma progressiva de reabilitação. Um escapismo de suas realidades. Na direção de Visky, o diálogo entre realidade e fantasia é, portanto, contínuo. Todos os curtas-metragens foram feitos por façanhas de animação, e apesar de serem simples, são muito bem feitos. O fato de termos acompanhado o processo criativo, e também aprendido sobre os criadores, torna tudo mais palatável, divertido e emocionante de assistir. A estrutura narrativa de apresentação dos presos, criação do projeto e produto final é um pouco repetitiva, mas nunca entediante. Contos da Prisão é um filme que convida o espectador a uma terapia familiar usando cinema, um fantástico retrato da imaginação e da arte como forma libertadora.

Contos da Prisão (Mesék a Zárkából / Tales From the Prison Cell) – Hungria, Croácia, Reino Unido, 2020
Direção: Ábel Visky
Roteiro: Ábel Visky
Elenco: Putnoki Alex Gábor, Putnoki András, Putnoki Andrásné, Putnoki Anita, Kanász Dávid, Oláh Endre, Dózsa Erzsébet, Botos Eufrozina, Csábi Gábor, Putnoki Gábor, Balogh Zoltán, Kanász Zoltán, Jónás Tibor, Sr. Jónás Tibor, Kanász Zoltánné
Duração: 83 min.

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