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Crítica | Conversa Truncada (In the Loop)

por Guilherme Coral
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estrelas 5,0

O retrato, satírico ou não, do funcionamento interno de nossos governos sempre garantiu inúmeros roteiros para a indústria do audiovisual. Nos últimos anos, séries como House of CardsVeep assumem o destaque em nossas televisões, seja através da TV à cabo ou da Netflix. Antes dessas duas, contudo, The Thick of It, seriado inglês sobre o governo britânico já havia se estabelecido como um show de peso, uma comédia de humor negro que, ao mesmo tempo que nos traz boas gargalhadas, traz uma dose de realidade bastante verossímil ao que encontramos nas maquinações das administrações de um país. In the Loop, ou Conversa Truncada como fora traduzido aqui no Brasil, é um spin-off de tal série, produzido enquanto seu material fonte ainda estava na ativa (2005-2012).

Apesar de ser um derivado de algo que, muito provavelmente, poucos aqui tenham, de fato, assistido, o longa-metragem se sustenta integralmente de forma independente – não requer um conhecimento prévio, seja da trama em si, ou de seus personagens. O filme já tem início no meio da ação – Malcolm Tucker (Peter Capaldi, mais conhecido atualmente como o 12º Doutor em Doctor Who), diretor de comunicações do primeiro ministro, já se apresenta em seu estado frenético de ser, tentando buscar soluções acerca de uma entrevista com um dos ministros do parlamento inglês, entrevista essa que torna conhecimento público a possível eclosão de uma guerra no Oriente Médio. O enredo, então, gira em torno  dos governos, tanto do Reino Unido, quanto dos EUA, buscando chegar a uma decisão acerca do início ou não desse conflito.

In the Loop, todavia, é muito mais sobre seus personagens que sua trama propriamente dita. Acompanhamos principalmente Simon Foster (Tom Hollander) o ministro já citado, seu assistente Toby Wright (Chris Addison) e, é claro, o próprio Tucker, tentando fazer o máximo para ter suas carreiras e objetivos cumpridos – dito isso, cada um funciona como uma perfeita caricatura de suas contrapartes (em termos de cargo) na vida real. Temos o homem que está literalmente perdido no meio de tudo, o novato que tenta ao máximo se destacar e agradar a seus superiores, o chefe maluco com uma necessidade patológica de xingar tudo e todos e assim por diante. E já que entramos nos xingamentos, devo dizer que o roteiro dá um destaque especial a eles através da interpretação de Capaldi. Com seu semblante nada menos que ameaçador o ator consegue dar um novo significado à palavra fuck. Seu olhar de incredulidade, sobrancelhas arqueadas e as veias saltando em sua testa a cada momento que grita com um de seus subalternos, co-trabalhadores ou até mesmo pessoas aleatórias é um espetáculo à parte. Sentimos como se sua raiva estivesse efetivamente à flor da pele e seus estouros refletem a falta de mobilidade dos outros em um ambiente amplamente burocrático – ele é um homem de ação.

Naturalmente, cada cena envolvendo o personagem traz consigo risadas do espectador, mas, por baixo da superfície enxergamos um cunho político, a realidade assustadora da guerra, uma objetificação de vidas que é mascarada pelo humor negro. Temos aqui uma obra pesada em termos de atmosfera e isso se torna cada vez mais evidente conforme avançamos na projeção. Há uma evidente falta de humanidade em praticamente todos aqueles que vemos em tela e as exceções são Foster e Wright que pouco a pouco demonstram ser peças deslocadas desse complexo tabuleiro. Vemos neles uma ingenuidade que claramente não se sustenta nesse tipo de ambiente e a forma como são usados pelos outros apenas reitera tal fato. Naturalmente, Hollander e Addison trazem peso aos papéis e cada hesitação do personagem os torna mais críveis nesse palco de loucuras.

A dose de realidade maior nessa peça de comédia, contudo, vem da direção de Armando Iannucci, que também trabalhara na série original e, posteriormente, no já citado Veep e da fotografia de Jamie Cairney. A linguagem é a do mockumentary, muito similar ao que vimos em The Office, um falso documentário com uma câmera que funciona como um personagem à parte, sempre dinâmica a fim de simular uma equipe de filmagens de noticiário. Tal escolha estética nos faz sentir como se estivéssemos dentro dos bastidores tanto da Casa Branca quanto do parlamento inglês, nos transforma em mais que espectadores, nos transportando para dentro da tela, garantindo a imersão, que, por si só, já estava estabelecida através do cuidadoso roteiro, que se sustenta principalmente através de diálogos e silêncios que roubam cenas envolvendo a interlocução de dois ou mais personagens.

No fim, apesar dos inevitáveis risos, Conversa Truncada se prova como uma daquelas obras que nos deixam estáticos ao término de sua exibição. As peças todas se encaixam no quebra-cabeças e o que antes nos deixava até um pouco perdidos passa a fazer todo o sentido. A comédia se torna drama e o peso dessa atmosfera cai todo sobre nós de forma tão arrebatadora quanto as séries dramáticas da atualidade. O filme, dessa forma, se torna muito mais que um mero spin-off, se sustenta solidamente por si só, sendo uma obra audiovisual que merece a atenção de todos, seja pela qualidade ou pela maneira criativa como encara a política externa de dois países e se você ainda não assistiu The Thick of It, com certeza será compelido a buscar o seriado inglês imediatamente.

Conversa Truncada (In the Loop – Reino Unido, 2009)
Direção: 
Armando Iannucci.
Roteiro: 
Jesse Armstrong, Simon Blackwell, Armando Iannucci, Tony Roche, Ian Martin.
Elenco: 
Tom Hollander, Peter Capaldi, James Gandolfini, Gina McKee, Chris Addison, Olivia Poulet, Zach Woods, Mimi Kennedy, Anna Chlumsky.
Duração:
106 min.

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