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Crítica | Copenhagen Cowboy

A fantasia sobrenatural de Nicolas Winding Refn.

por Felipe Oliveira
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Apesar de ser um dos cineastas mais prestigiados da Dinamarca, o estilismo visual e narrativo de Nicolas Winding Refn não é fácil de digerir, convenhamos. E desde que o pomposo e extravagante O Demônio de Neon foi vaiado no Festival de Cannes de 2016 o diretor tem investido em um formato alternativo com séries para streamings. Isso significa que os longos takes, os personagens impassíveis que se mexem parando quase morrendo, são tratados em proporções mais extensas, mais ambiciosas do autor. Chegar em Copenhagen Cowboy parece que é só uma forma de difusão do característico alter-ego de Refn, pintado em cores estonteantes e vibrantes, tanto que assina a produção com uma abreviação: NWR.

Não que ele esteja no auge da peculiar filmografia, mas Refn tem uma certa fixação na aplicação de seu estilo e sabe que há um ponto que não deixa de ser atraente e irresistível ao público que já espera pela abordagem em que o estilo sobrepõe a substância. Para quem está familiarizado com os últimos trabalhos do diretor, especialmente Só Deus Perdoa, vai reconhecer as semelhanças em como o uso de luzes em neon não só caracterizam a ambientação, mas estão em função do caráter representativo da história.

Dessa forma, a proposta de Refn se coloca como um experimento visual em que o telespectador é convocado a inferir as simbologias que seguem a narrativa. Enquanto o vermelho representava o caos em Only God Forvives, aqui a hipnotizante cinematografia banhada em neon de Magnus Nordenhof Jønck exprime o submundo do crime que cada vez mais Miu (Angela Bundalovic) se vê engolida, assim como a presença de porcos refletem a imundice que se estende por Copenhagen. Já a cor azul característica da protagonista dotada de habilidades sobrenaturais acompanha a jornada de redenção e vingança que confronta o vermelho da cidade decadente e corrompida.

O que movimenta a típica história da protagonista derrubando um esquema criminoso em busca de vingança é o misticismo construído em torno da personagem, e também, a performance magistral de Bundalovic em interpretar um papel intrinsecamente impassível e ainda ser cativante. Graças a abordagem lenta de Refn, o thriller de ação se transforma num experimento onírico com nuances sobrenaturais cósmicas e psicodélicas, e em alguns momentos, a trilha sonora composta com sintetizadores faz parecer que estamos numa fantasia ensaiada com lutas coreografadas, violência moderada e mistério, o que denota um exercício de estilo interessante de NWR depois de muito tempo.

Embora a construção de Miu seja o que há de melhor em Copenhagen Cowboy, uma personagem que transita com forte personalidade em meio a mesmice autoral de Refn, há um acesso na abordagem anticlímax e em como que ele subverte as expectativas estruturais que se torna excessiva dentro da narrativa. A exemplo dos movimentos em traveling da câmera — há uma cena específica que a câmera acompanha um personagem andar em círculo por todo o cômodo à medida que entrega um monólogo — em alguns momentos perdem o atrativo como contemplação nos longos exercícios de repetição. Refn até tenta quebrar o mecanismo da própria fórmula criando trechos com humor involuntário com o usado da trilha sonora, porém, soa bem mais chamativo a falta de close-ups, de enquadramentos em over the shoulder pela preferência em planos abertos, e quando há planos mais fechados, enquadra os personagens em espaços escuros um dinâmico jogo de transição entre os diálogos.

Com todos os erros, a série termina soando como um exercício “mais maduro” de Refn ao ampliar a exaustão o seu estilo, mas que encontra sorte ao centralizar a trama numa mitologia misteriosa através de Miu. É curioso observar como o figurino também reflete a jornada de vingança e busca por respostas ao vermos a protagonista revirar o passado. A primeira vez que entra em cena, sendo explorada por suas habilidades, ela veste um casaco azul com detalhes em vermelho, mas ao ser enganada pelos contratantes, há a perda da vestimenta inicial por uma roupa totalmente azul com o emblema de uma espada, sinalizando a mudança radical de Miu para encontrar uma nova perspectiva além de ser tratada como instrumento de milagres.

Se Copenhagen Cowboy pretendesse continuar além dos seis episódios, seria sobre expandir a grandeza cósmica que é Miu, mas até onde podemos acompanhar os conflitos e autodescoberta da personagem, é um passeio um tanto divertido, cômico e por vezes sombrio que Refn de algum modo acerta. E bem como o seu final que parece ensaiar um embate que nunca acontecerá, a série se assemelha a um delírio interrompido que pôde ser observado por uns instantes a convite de um NWR cada mais à vontade com o próprio estilo.

Copenhagen Cowboy (Dinamarca, 2022 – 05 de janeiro de 2023)
Criação: Nicolas Winding Refn
Direção: Nicolas Winding Refn
Roteiro: Nicolas Winding Refn, Sara Isabella Jønsson Vedde, Johanne Algren, Mona Masri
Elenco: Angela Bundalovic, Andreas Lykke Jørgensen, Li Ii Zhang, Jason Hendil-Forssell, Zlatko Buric, Valentina Dejanovic, Lola Corfixen
Duração: 5h12min (6 episódios, de 56 a 53 min)

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