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Crítica | Coração de Caçador

por Matheus Carvalho
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Quando determinada arte retrata a si mesma em uma obra, damos o nome de Metalinguagem. No cinema, essa forma de expressão é quase tão antiga quanto a própria arte cinematográfica. Muitos filmes se destacaram e se transformaram em verdadeiros símbolos da metalinguagem no cinema, como Crepúsculo dos Deuses, Cantando na Chuva e A Rosa Púrpura do Cairo. A verdade é que esse estilo de narrativa atrai o espectador e pode enriquecer a obra em questão com suas infinitas possibilidades.

Em Coração de Caçador, temos uma decente obra metalinguística baseada no livro White Hunter Black Heart, de Peter Viertel. O livro remete às filmagens do clássico dos anos 1950, Uma Aventura na África, e seus desafios durante a produção. Esses desafios estão ligados, claro, às condições logísticas e climáticas de se filmar na África naquela época, mas especialmente em relação ao diretor John Huston, famoso por filmes como O Falcão Maltês e O Tesouro de Sierra Madre. Nos bastidores, no entanto, Huston era conhecido pelo gênio difícil e pela dificuldade dos produtores e atores ao lidarem com uma figura tão única.

De volta à Coração de Caçador, a história nos apresenta a John Wilson (a adaptação muda o nome de Huston), um cineasta brilhante e excêntrico interpretado por Clint Eastwood. Prestes a viajar à África ao lado do roteirista Pete, do produtor Paul, dos atores e de toda a equipe técnica para gravar seu próximo filme, John divide seus objetivos entre dirigir o filme e um desejo pessoal de caçar grandes animais, especialmente elefantes. Conciliar essas duas atividades não será uma tarefa simples, ainda mais quando se trata de um homem tão obcecado e de personalidade tão difícil.

O filme também é dirigido e produzido por Clint Eastwood, que, no auge dos seus 60 anos, seguia firme e forte trabalhando em praticamente uma obra por ano (e quando pulava um ano, fazia dois filmes no ano seguinte). Como diretor, vinha de dois trabalhos bem diferentes em O Destemido Senhor da Guerra, uma clássica comédia de guerra e Bird, tributo do diretor ao jazz e que lhe rendeu um Globo de Ouro, mostrando que poderia ser um diretor bem versátil.

O roteiro de Coração de Caçador explora muito bem a personalidade do protagonista John e o quanto suas atitudes fazem mal a todos que estão ao seu redor. O equilíbrio entre as reflexões pessimistas e sádicas de John e o reflexo de seu egoísmo no resto da equipe geram um constante desconforto no espectador, que tem dificuldade de torcer deliberadamente para o personagem, afinal, por que ele quer tanto matar um elefante? Nem ele entende suas motivações. A construção da tensão e desse sentimento de que algo vai dar muito errado só aumenta a cada episódio em que o diretor abandona as locações e parte cegamente rumo à próxima oportunidade de ficar frente a frente com sua obsessão.

A fraqueza da história, no entanto, fica por conta da forma como o desfecho é narrado. A apresentação e a construção da trama e dos personagens mantém o engajamento apesar do ritmo relativamente lento da obra. Toda a expectativa construída para o final é apenas parcialmente entregue, pois não existe uma conexão sólida entre o espectador e o drama final. Talvez seja uma injustiça cobrar um desfecho diferente e o correto poderia ser pavimentar melhor o caminho para esse final, mas, de qualquer forma, o sentimento que fica é de desproporção.

Tecnicamente, o design de produção se destaca pela reconstrução de época e personagens. Quem já assistiu a Uma Aventura na África consegue captar diversas semelhanças. Nas atuações, se ficamos tão incomodados com a personalidade de John, o mérito é todo da atuação de Eastwood. Sua direção é apenas eficiente, mas a atuação é ótima. O foco, a concentração e a dedicação do ator ao personagem mostram que ele é tão obcecado quanto o próprio personagem que interpreta. Mas essa atuação destoa do resto do elenco, que, ao invés de agir, trabalha somente para reagir às falas e atitudes do protagonista. Mais uma questão de roteiro do que de atuações propriamente ditas.

Coração de Caçador é um filme que merecia mais sucesso do que teve na época. A bilheteria ficou muito abaixo do orçamento do filme e esse prejuízo não faz jus ao resultado nas telas. A obra traz um ótimo protagonista e tem ótimas reflexões e diálogos, dignos do honrado trabalho de Clint Eastwood, que, como diretor, ainda evoluiria e seria reconhecido pela crítica e pelas principais premiações de Hollywood.   

Coração de Caçador (White Hunter Black Heart) – EUA, 1990
Direção: Clint Eastwood
Roteiro: Peter Viertel, James Bridges, Burt Kennedy
Elenco: Clint Eastwood, Jeff Fahey, George Dzundza, Boy Mathias Chuma, Alun Armstrong, Charlotte Cornwell, Norman Lumsden, Marisa Berenson, Richard Vanstone, Timothy Spall
Duração: 110 min

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