Corpo Celeste logra-se como um drama de amadurecimento que se propõe a ser um retrato pálido e hesitante de uma suposta revolução interior, mas incorre na estagnação narrativa que, em última análise, o torna decepcionante. Corpo Celeste, ambientado em 1990, numa praia chilena, ambiciona tecer uma tapeçaria que coaduna a transição pessoal de uma jovem com a viragem política do país pós-Pinochet. Contudo, o que se manifesta na tela é um produto que, embora tecnicamente polido, naufraga pela ausência de ousadia e, sobretudo, pela aversão a qualquer urgência dramática que pudesse conferir-lhe memorabilidade.
O cerne do problema reside numa lentidão que, longe de ser introspecção autêntica, revela-se um ritmo calculado e excessivamente vagaroso. O filme é, propositalmente, um nada. Não deve-se abrir brecha para, em uma incompetência com essa, pensarmos que é proposital para filmar o luto. O princípio de um filme é que ele seja minimamente assistível. A narrativa acompanha Celeste, interpretada pela debutante Helen Mrugalski, uma jovem de 15 anos cuja esperança democrática, inicialmente celebrada na virada do Ano Novo, é abruptamente desfeita por uma tragédia familiar. Seu retorno à praia, quase um ano após, motivado pela expectativa de um eclipse, confronta-a com um cenário onde as pessoas e o lugar parecem estagnados ou alterados. Esta premissa, promissora em sua dualidade entre o microcosmo e o macrocosmo político, é sistematicamente esvaziada pela forma fílmica.
O espectador é forçado a suportar um arrasto onde a trama só ganha impulso lá pelo minuto 25, e a partir daí, o filme insiste em um compasso que a direção, de modo algo pueril, justifica como profundidade. O que se observa, todavia, são tediosos momentos contemplativos onde o impulso é perdido, o que se manifesta em uma falha crassa em gerar qualquer emoção genuína. Ainda, a excessiva confiança na ótima – mas não milagrosa – atuação de Helen – enfoca um filme que acaba por ser pouco produtivo em termo de enredo, encenação e direção. A lentidão forçada, artifício que muitos tomam por autêntica introspecção, frequentemente traduz-se em tédio, o que desvela uma obra que subestima a necessidade de tensão e engajamento do público. Não quero passar a impressão de que apenas desgosto da obra por ser chata, mas que os motivos que carregam essa chatice revelam, além de uma prepotência da direção, um desrespeito com a tensão dos fatos narrados.
A despeito desta carência de substância narrativa, é mister sublinhar os méritos pontuais que, embora insuficientes para redimir a má estruturação inerente ao ritmo, conferem à obra um verniz de competência. A estética da obra, por exemplo, é inegavelmente hábil: Sergio Armstrong na fotografia imprime tons terrosos que evocam uma melancolia apropriada, e David Tarantino no som das ondas demonstra um apuro técnico que, ao menos no campo da sensibilidade auditiva e visual, cumpre seu papel. Todavia, como a virtude sem força é nada, essa habilidade técnica não logra compensar a falta de substância narrativa que aflige o filme em sua totalidade.
No que tange às atuações, o elenco entrega performances contidas, numa insistência em um tom realista que evita, com fervor quase ascético, o melodrama. Tal rigor formal, contudo, aproxima-se perigosamente da inexpressividade. Os conflitos, ao invés de serem explorados com a necessária densidade dramática, são sussurrados ou resolvidos com gestos isolados. A consequência direta deste excesso de discrição é que o filme, na ânsia de fugir do clichê do drama exacerbado, priva-se de qualquer emoção genuína.
O filme se mantém rigorosamente correto e excessivamente seguro, recusando-se a adentrar o domínio mais cru ou imprevisível da experiência humana. É uma obra que teme a ousadia, o que a impede de ser minimamente memorável ou transformadora. O tratamento dos temas sociopolíticos e do amadurecimento padece de uma delicadeza excessiva, o que os torna vagos e superficiais em vez de perspicazes. O eclipse solar, o símbolo que deveria conferir profundidade, cumpre seu papel, mas é incapaz de sublimar uma narrativa que passa a maior parte do tempo estagnada.
Corpo Celeste é uma demonstração de que a moderação em tudo é uma falha na arte. Sua falta de ousadia e criatividade é o seu defeito capital. É uma representação honesta, mas pouco inspirada, de uma juventude interrompida. A resolução final é branda, e a história, embora bem construída em termos básicos, é desprovida de originalidade ou visão única. O resultado, ao cabo, é apenas um segundo longa-metragem que é louvável pela sua execução formal, mas profundamente frustrante pela sua ausência de impacto emocional ou narrativo real. É um filme que, ao se recusar a ser algo mais do que correto, condena-se à irrelevância estética, provando que a cautela excessiva é a antítese da arte que pretende perdurar. O filme hesita em ser dramaticamente intenso, em ser politicamente incisivo, e em ser emocionalmente envolvente. E nessa hesitação, que o autor crê ser sutileza, o filme se torna insosso e esquecível, como uma obra desprovida de originalidade ou visão única. A forma, nesse caso, não consegue sustentar o argumento, pois lhe falta a sutileza para construir uma grande verdade a partir de um grande nada. A formalidade ética, o discurso e a própria forma fílmica se manifestam de modo profundamente prejudicial, gerando um produto desprovido de bom senso.
Corpo Celeste (Cuerpo Celeste) – Chile, Itália, 2025
Direção: Nayra Ilic García
Roteiro: Nayra Ilic García
Elenco: Helen Mrugalski, Daniela Ramírez, Néstor Cantillana, Mariana Loyola, Nicolás Contreras, Clemente Rodríguez
Duração: 97 min.
