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Crítica | Cortina de Fumaça

por Luiz Santiago
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A polícia
Matou o estudante
Falou que era bandido
Chamou de traficante!

A justiça
Prendeu o pé-rapado
Soltou o deputado
E absolveu os PMs de Vigário!

Gabriel, o Pensador

As liberdades individuais voltaram à discussão pública na forma de polêmicas proibitórias e consensuais. Temas que até anos atrás carregavam uma problematização em nichos e por tempo limitado, encontram na atual sociedade do espetáculo um espaço considerável para se tornar pauta, polêmica, e por que não dizer, “moda”. O poder de divulgação da internet é certamente um dos principais elementos para esse fenômeno massivo de compartilhamento de informações, trazendo à baila temas como aborto, prostituição, homossexualidade, racismo e drogas. É fato que nos deparamos com versões apologéticas ou condenatórias sobre todo tipo de tema, e nem tudo o que se lê ou assiste tem um embasamento no mínimo crível ou verídico para servir de parâmetro; no entanto, a nova moda da “ultra-informação” (à parte seu viés ideológico) permite aos interessados ter em mãos um grande número de mídias e versões da história para ponderar.

Todavia, mesmo com a febre da divulgação na internet e a proliferação midiática de nossos dias, parece que nunca há uma visão crítica ou diferente das visões comuns sobre um tema qualquer, como é o caso das drogas, a nova onda da discussão mundial, que no Brasil, encontra-se em evidência. Neste ano de 2011, o documentário Quebrando o Tabu surgiu como um filme diferenciado a respeito, e no ano passado, teve vez o ótimo Cortina de Fumaça, que deu início à safra do “outro lado da moeda”, embora o tom de defesa adotado no filme seja um complicador, porque certamente alguns espectadores acríticos podem transformar a película em principal instrumento de embasamento médico-científico, sem ao menos pensar sobre o que defende.

Dirigido por Rodrigo Mac Niven, Cortina de Fumaça é um dos melhores documentários brasileiros (e não existem muitos!) sobre o tema do uso / prevenção / proibição / venda e porte de drogas. Como já dissemos, o perigo que reside no filme é a sua declaração de apoio à legalização. É verdade que esse é um ponto comum de qualquer documentário desse porte, mas quando a abordagem a favor (ou contra) é declarada, a adesão passional é perigosamente bem maior.

Embora toda a questão das drogas tenha sido abordada por diversos profissionais e setores da ciência e pesquisa médica, o filme peca em sua fraca exposição das alternativas a serem tomadas sobre esses produtos. Dos entrevistados, Fernando Henrique Cardoso é o único que toca no assunto, e assim mesmo, bem de passagem. A despeito disso, o filme nos reserva uma visão interessantíssima sobre o comércio ligado à maconha, sua legalização em alguns lugares do mundo, sua desmistificação e uso medicinal. A partir dela, o diretor estende a discussão para outras drogas (inclusive a farmacologia, o café, o álcool e o tabaco), ampliando o que se diz a respeito delas e fazendo uma comparação com as drogas condenadas pela lei.

A segunda parte do filme foge da discussão estrita sobre as drogas e vai para o setor do direito penal, da sociedade, da política e saúde públicas. Nesse ponto reside a melhor parte do documentário, porque apresenta a sociologia da criminalização das drogas, sua imposição social e religiosa como maléfica à civilização e o absurdo da aceitação popular no que concerne ao controle policial de quem usa ou vende esse produto. Aí também reside o ponto mais polêmico e o que mais necessita ser analisado. O melhor argumento a respeito é o da escolha e liberdade pessoais. Porque “drogas” não é um problema de saúde pública, é um problema de saúde pessoal, logo, temos a questão de que cada indivíduo tem o direito de escolher o que é bom para si ou não, independente dos efeitos dessa escolha. Daí, passamos, a meu ver, para o problema de educação e acompanhamento clínico dos usuários viciados. Como se vê, o tema visita diversas esferas sociais, e precisaria de algum tempo para ter todas as suas nuances satisfatoriamente trabalhadas.

Cortina de Fumaça é um documentário essencial, embora perigoso. Seu conteúdo não se baseia exclusivamente na apologia, ele ultrapassa a fronteira e propõe novos caminhos para a discussão sobre o tema. É nesse ponto que vejo o filme como essencial. A análise feita por alguns historiadores ajudam ao espectador olhar a questão das drogas em retrospecto, e a partir do conhecimento extra-senso comum, trazer para a sua opinião o que aceita ou rejeita dessa configuração do proibir algo que há pouco mais de um século era consumido legalmente pelas “boas famílias” do mundo inteiro. Acrescenta-se também a questão legal e político-ideológica do tráfico e consumo de drogas. Com isso, temos a totalidade desse olhar incomum sobre um importante tema de nosso tempo. Cortina de Fumaça não propõe muita coisa sobre alternativas. Sua função é a de desmistificar científica e ideologicamente um assunto que muita gente acredita conhecer, mas que quase nada sabe a respeito.

Cortina de Fumaça (Brasil, 2010)
Direção: Rodrigo Mac Niven
Roteiro: Rodrigo Mac Niven
Duração: 94min.

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