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Crítica | Cosmos (1996)

por Guilherme Coral
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Quando pegamos algum diretor específico para conhecer toda a sua filmografia, é bastante comum encontrarmos filmes mais amadores, pouco refinados, no início de suas carreiras, muitos dos quais, na verdade, foram feitos em tempos de faculdade ou algo assim. Denis Villeneuve, de fato, teve um começo modesto, adjetivo que não se aplica à qualidade de sua estreia na direção de longa-metragem, Cosmos, filme dividido em diferentes segmentos, cada um contando com um diretor. Embora simples em escopo, a obra foi escolhida para representar o Canadá no Oscar de Filme Estrangeiro do ano, mas não acabou sendo escolhido pela Academia.

Dividida em arcos focados em personagens específicos, todos unidos pela figura de um taxista, imigrante grego, morando em Montreal, a trama tem início de forma não-linear, apresentando cada um desses indivíduos em um excelente trabalho de montagem, que pula de arco em arco sem grandes floreios, como se uma sequência fosse continuação direta da outra, embora, de fato, não seja. Acompanhamos um cineasta, nervoso por ter de dar uma entrevista na televisão; uma mulher cujo ex encanta-se com o novo silicone em seus seios; dois amigos que esperam ansiosamente pelo resultado de um teste de HIV; uma perseguição a um táxi roubado; uma mulher que “leva um bolo” de seu namorado e acaba indo jogar sinuca com um desconhecido; e um serial-killer atrás de sua nova vítima.

Tais histórias, conectadas pelo taxista Cosmos (Igor Ovadis), não são conectadas em uma trama maior, soam como recortes das vidas de pessoas distintas, que, por acaso, acabaram cruzando, sem interação, umas com as outras em determinado ponto. Essa falta de trama geral que liga todos os pontos, porém, não deve ser encarada como um ponto negativo, já que as temáticas constantemente dialogam entre si, além de serem unidas pelo próprio aspecto visual, com fotografia em preto e branco, bem utilizada a fim de passar a sensação de que estamos acompanhando os mesmos personagens, por mais que eles troquem constantemente. Além disso, tudo pode ser encarada como um dia na vida do taxista, que “coleta” tais histórias em seu trabalho.

Infelizmente um grande porém assola essa obra. Como dito, o início do filme vai pulando de personagem em personagem sem concluir suas histórias, apresentando-nos um a um. Em determinado ponto da projeção, essa estrutura é abandonada e assume o formato de antologia clássica, mostrando-nos cada arco até o seu desfecho. O problema dessa troca é que experimentamos um modelo mais ousado e que plenamente funcionava dentro dessa proposta – quando trocamos para a estrutura clássica são criadas ocasionais rupturas narrativas, de tal forma que nossa imersão precisa ser resgatada em uma base constante, dilatando a projeção e prejudicando nosso maior aproveitamento da obra.

Felizmente, cada uma das histórias é mais do que capaz de captar nossa atenção, assumindo, vez ou outra, tons surrealistas, que garantem um tom de estranheza a esse recorte do dia-a-dia, aparentemente, comum. Isso pode ser observado com clareza no segmento dirigido por Villeneuve, magistral na forma como nos faz sentir o nervosismo do cineasta através de cortes secos e closes. Em determinado momento ele parece entrar em um tipo de realidade apralela, quando sai das ruas tranquilas para um ambiente agitado, como se fosse uma festa eletrônica, perfeitamente resumindo sua ansiedade, que eclode na ameaça feita por ele à entrevistadora, que é rendida pelo personagem portando uma máquina de cortar cabelo. Esses focos de surrealidade nos tiram do lugar comum e rapidamente capturam nossa atenção através do contraste entre o comum e o “estranho”.

Cosmos, portanto, mesmo com seus nítidos problemas de ritmo, é capaz de nos fisgar através de suas diferentes histórias, mais do que justificando sua candidatura ao Oscar daquele ano. Com diferentes segmentos, que dialogam entre si, tanto em tom, quanto pela presença de personagens em comum, essa antologia funciona como ótimo ponto de partida na carreira de Denis Villeneuve, que, logo cedo, nos surpreendeu, mostrando logo o quão promissora seria sua carreira de 1996 para cá.

Cosmos — Canadá, 1996
Direção:
 Jennifer Alleyn, Manon Briand, Marie-Julie Dallaire, Arto Paragamian, André Turpin, Denis Villeneuve
Roteiro: Marie-Julie Dallaire, Sebastien Joannette, Denis Villeneuve
Elenco: Carl Alacchi, Audrey Benoit, France Castel, Pascal Contamine, Stéphane Crête, Micheline Dahlander, Normand Daneau,  Stéphane Demers
Duração: 99 min.

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