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Crítica | Cosmos (2014) – A Série Completa

por Ritter Fan
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estrelas 5,0

If I have seen further, it is by standing on the shoulders of giants.
– Isaac Newton

Neil deGrasse Tyson, astrofísico e narrador da nova versão de Cosmos, série criada pelo saudoso Carl Sagan em 1980, tinha duas maneiras de tratar o assunto, a errada e a certa ou como se não devesse nada a ninguém ou reconhecendo que estava “em pé sobre ombros de gigantes”. Como bom cientista que é – e como fora Sagan antes dele – Tyson escolheu o segundo caminho e o resultado é uma série que, se não é tão inovadora como sua predecessora (nem poderia ser!), faz jus ao nome Cosmos.

Mas a história por trás da nova Cosmos é mais intrigante do que um cientista influenciado por Carl Sagan tentando construir em cima do que veio antes na arte de comunicação da ciência para leigos.  A nova série é, literalmente, uma improvável confluência astral que, provavelmente, só Edmond Halley enxergaria um padrão e preveria sua repetição. Afinal de contas, desde o falecimento de Sagan em 1996 que sua viúva, Ann Druyan, vinha tentando convencer as mais diversas produtoras a embarcar em uma nova viagem cósmica na “nave da imaginação”. Neil deGrasse Tyson, que teve sua vida mudada por um encontro com Carl Sagan que ele relata de maneira emocionada logo no primeiro episódio da série – De Pé na Via Láctea (Standing Up in the Milky Way) – embarcou no projeto também logo em seu nascedouro, ainda apenas na cabeça e na esperança de Druyan. Mas o cenário de produção televisiva na segunda metade da década de 90 era bem diferente do final da década de 70, quando a primeira série saiu do papel. Além disso, o próprio Tyson não tinha o renome perante as massas que Sagan, de certa forma, já gozava quando a PBS concordou em dar luz verde ao seu projeto.

Assim, o revival de Cosmos ficou flutuando no limbo por muito anos até que o improvável aconteceu: Seth MacFarlane adotou a ideia. MacFarlane é um daqueles nomes que ninguém jamais ligaria com uma série dessa natureza. Afinal de contas, ele tem seu nome conectado exclusivamente com comédias escrachadas, sendo o showrunner das série animadas Family GuyAmerican Dad! e o diretor e roteirista de Ted e de Um Milhão de Maneiras de Pegar na Pistola. Mas, como Sagan já havia deixado muito claro em sua série, o cosmos, assim como a genialidade humana, são infinitos. MacFarlane, quem diria, é um entusiasta da ciência que nunca foi cientista, muito semelhante a mim, mas com muito mais dinheiro e influência, ambos aspectos muito bem utilizados para “facilitar” o convencimento da Fox sobre a viabilidade da série. Esse processo, então recomeçou em 2008, com a série ganhando espaço na National Geographic em 2014.

E o grande acerto de Tyson, Druyan, MacFarlane e Brannon Braga foi manter a reverência à série original e, claro, explicitamente à Sagan (citado várias vezes, inclusive com suas próprias palavras sendo usadas por Tyson, além de alguns clássicos gráficos da série original, sem alterações), mas ganhando, aos poucos, pernas e personalidade próprias. É como se Tyson começasse pequeno, mas com muita massa, como o universo comprimido antes do Big Bang e fosse, diferente do fenômeno que tudo começou, expandindo aos poucos e construindo seu próprio jeito de ser. E ele é muito bem sucedido em seu intento. Com um jeito gostoso de falar e uma genuína alegria por passar conhecimentos científicos e uma admiração enorme e palpável por Sagan e grandes cientistas como Giordano Bruno, Isaac Newton, John Michell, Michael Faraday, William Hershel, Joseph von Fraunhofer e o já citado Halley, dentre muitos outros, Tyson encanta e prende o espectador de maneira invejável, talvez tão bem quanto o próprio Sagan.

Beneficiando-se de uma computação gráfica usada em momentos corretos (com exceção de quando ela é usada para fazer animais pré-históricos, mas esse é um detalhe menor) e que não é intrusiva e exagerada, mas sim eminentemente educativa, a Nave da Imaginação de Tyson/Sagan percorre o Universo e a Terra no passado remoto, hoje e no futuro distante permitindo uma visão muito ampla de vários ramos da ciência, não só a astrofísica. Aliás, ao escolher focar em cientistas menos “conhecidos” do público em geral, como o próprio Edmond Halley, Tyson dá um frescor à série que nos impede até de piscar às vezes, curiosos que ficamos para saber o que aconteceu com eles e o que eles descobriram/inventaram. E todo esse passado de descobertas científicas é trazido à vida com animações simples, mas eficientes, como personagens cortados em cartolina, por vezes dublados por atores famosos como Patrick Stewart.

Engana-se, porém, quem achar que Cosmos é documentário científico for dummies. Apesar de começar com uma narrativa bem simples com De Pé na Via Láctea (Standing Up in the Milky Way), os episódios vão progressivamente se sofisticando e se complicando. Não chegam a ficar impossíveis de entender, mas eles acabam exigindo mais do que meramente “assistir”. Há que se prestar atenção, mas cada segunda dessa atenção extra vale a pena. E é claro que estou falando como leigo que sou, pois cientistas, provavelmente, acharão tudo muito tranquilo de entender, mas esse programa não é para eles, mas sim em homenagem a eles.

Já no segundo episódio, Coisas que as Moléculas Fazem (Some of the Things That Molecules Do), Tyson aborda a evolução e, no lugar de começar pelo óbvio, que seria a seleção natural, nos dá um exemplo muito mais próximo, só que da chamada seleção artificial, usando, para isso, a origem dos cachorros a partir dos lobos selvagens. É extremamente interessante ver como o apresentador parte do micro para o macro ao longo do programa, apresentando exemplos muito didáticos da evolução e os vários eventos de extinção em massa pelos quais a Terra passou.

A coisa começa a complicar já no terceiro episódio, Quando o Conhecimento Venceu o Medo (When Knowledge Conquered Fear), que trata da capacidade humana de reconhecer padrões. Parece um assunto estranho a primeira vista, mas vemos, desde o começo dos tempos, o Homem tentando entender a natureza e, sem encontrar os tais padrões, assumindo que tudo seria algum tipo de obra divina. Aqui, Tyson começa fortemente a bater no Criacionismo, mas sem usar esse nome, claro. Ele coloca magistralmente em xeque a crença sobre a idade da Terra com exemplos óbvios, que seria aprofundados ainda mais no episódio seguinte, Um Céu Cheio de Fantasma (A Sky Full of Ghosts) cujo título já é um primor da síntese: o que vemos no céu estrelado são fantasmas das estrelas há muito extintas e, partindo dessa princípio, ele nos fala da luz e da distância e de como medi-la, automaticamente obliterando a tese completamente sem pé nem cabeça de que a Terra não teria muito mais do que 6 mil anos.

Meio que continuando na temática da luz e do brilho das estrelas extintas, o quinto episódio, Escondido na Luz (Hiding in the Light) é absolutamente fascinante. Quase que como em um filme de suspense, Tyson vai desvelando aos poucos os mistérios da luz e das cores e das ondas que as formam. Mas ele vai além, muito além, abordando as descobertas de Newton e, especialmente, as de von Fraunhofer e sua amplificação do espectro da luz visível, descobrindo um mundo novo que é capaz de nos revelar a composição química de planetas e estrelas. É simplesmente de arrepiar, para um leigo como eu, ver informações tão complexas serem explicadas tão bem por Tyson.

Aprofundando (Deeper, Deeper, Deeper Still) inverte o telescópio e, no lugar de olhar para fora, passa a olhar para dentro, especificamente dentro de uma gota de orvalho e todo o incrível e efêmero mundo que ela encapsula. Confesso que, dentro do conceito de Cosmos, esse é um episódio estranho, pois tem muito mais “a cara” de algo que vemos costumeiramente em canais como o Discovery do que algo típico de um programa inspirado por Carl Sagan. Mas Tyson continua e vai bem mais além, partindo da minúscula gota de orvalho para explicar as postulações dos filósofos gregos Tales e Demócrito sobre toda a matéria ser feita da combinação de átomos. Da postulação, ele então nos mostra efetivamente como é que isso funciona e, como o título do episódio deixa muito claro, o aprofundamento da complexidade narrativa é palpável, mas necessária.

E, ao longo de todos os demais episódios, Tyson aborda diferentes e assombrosos assuntos: em Sala Limpa (The Clean Room) ele fala do trabalho de Clair Patterson para determinar a idade da Terra; em As Irmãs do Sol (Sisters of the Sun) ele triunfa ao deixar muito clara a composição das estrelas e o que provavelmente acontecerá com elas em um futuro muito distante; em Os Mundos Perdidos do Planeta Terra (The Lost Worlds of Planet Earth) ele nos leva ao passado imemorial da Terra, tratando desde as árvores no Carbonífero até o impacto do asteroide no Cretáceo que teria gerado a extinção dos dinossauros, permitindo que nós, mamíferos, passassem a governar o planeta. E a estupefação e brilhantismo narrativo continua por outros quatro episódios ainda que nos fazem passar por gangorras sensoriais impressionantes, abrindo nossos olhos para um universo que simplesmente não somos capazes de enxergar.

Longe de ser original – e nem é essa a proposta – o novo Cosmos cumpre sua função: a educação e a iluminação de pessoas como eu (e, provavelmente, você) que estão longe da ciência no dia-a-dia, mas que apreciam uma saudável dose quando ela é bem feita e cativante. E cativante a série é. Apesar de haver muita informação para processar, o trabalho é facilitado por um texto que realmente ajuda e por um apresentador que sabe do que está falando, tem reverência extrema a tudo o que veio antes (e não estou falando apenas de Carl Sagan, talvez o maior “comunicador de ciência” que o mundo já teve) e encanta a espectador.  

Cosmos (Cosmos: A Spacetime Odyssey, EUA – 2014)
Showrunner: Ann Druyan, Neil deGrasse Tyson
Direção: Brannon Braga, Bill Pope e Ann Druyan
Roteiro: Ann Druyan e Steven Soter
Elenco: Neil deGrasse Tyson, Patrick Stewart
Duração: 572 min.

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