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Crítica | Crazy Ex-Girlfriend – 2ª Temporada

por Roberto Honorato
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Já escrevi por aqui o quanto amo a primeira temporada de Crazy Ex-Girlfriend. Humor inteligente, personagens carismáticos, um enredo original, envolvente e até mesmo arriscado, com um diferencial que não facilita o trabalho da equipe criativa, o formato musical. A série é co-criada e estrelada pela comediante Rachel Bloom, responsável também pelas músicas. Pode não ter pego o público ainda, e talvez nem conquiste por conta da sua proposta, mas ela conseguiu ter uma segunda temporada e vamos falar bastante sobre ela agora, mas antes preciso alertar a presença de spoilers necessários para o texto, então se não assistiu, dê uma chance e volte para gente conversar.

Recapitulando: Rebecca Bunch (Bloom) tinha uma vida miserável na cidade grande, mesmo trabalhando em uma firma de advocacia respeitada e sendo considerada para um aumento e novo cargo, algo estava faltando. Procurando por sinais em todo lado, é atormentada por um comercial de manteiga genérico (faz sentido, relaxa), mas encontra a resposta quando esbarra na rua com um amigo de infância com quem teve um breve relacionamento durante as férias de verão, Josh Chan (Vincent Rodriguez III). Eles conversam e Josh menciona como é boa a vida na pequena cidade de West Covina, Califórnia. Rebecca escuta sua voz interior e acredita estar apaixonada. Era a motivação necessária para pedir demissão e fazer as malas para viver uma nova vida na Califórnia, lembrando todos sempre que “não foi por causa do Josh”, o que ninguém acredita.

Terminamos a temporada anterior com o casamento da irmã de Josh. Greg (Santino Fontana), que tentou conquistar Rebecca desde o início e finalmente conseguiu, agora tem a chance de evoluir e manter uma relação saudável, que estava sendo baseada totalmente em sexo. Mas depois de encher a cara por estar com ciúmes, é abandonado na festa, inconsciente. Josh tinha acabado de terminar com sua namorada e vê como Rebecca está triste. Ele corre atrás da amiga, e em um “momento inexplicável” que parece ter saído diretamente de uma comédia romântica, os dois se beijam. A segunda temporada começa onde a anterior parou, com o casal no carro voltando para casa, mas agora percebendo todas as possíveis consequências do que acabam de fazer.

Neste retorno temos a mesma comédia de antes, talvez até mais absurda, mas com um propósito narrativo que é recompensado de forma inventiva, considerando todas as dicas e referências inseridas ao longo da trama principal de Rebecca, o que também quer dizer que no fim as coisas podem ir de uma situação cômica para um número musical mais sério. Na música Santa Ana Winds, surge a primeira chamada na letra que a conecta diretamente com You Stupid Bitch, da primeira temporada. Não é apenas uma ligação gratuita, é o desenvolvimento de um arco construído com muito cuidado para que a trama seja ao mesmo tempo coerente e lúcida em sua proposta, até mesmo elementos cenográficos complementam a intenção da letra, se a razão da música é a constante auto sabotagem da protagonista e como isso resultou em sua porta de vidro despedaçada, no número musical os cacos de vidro se transformam em um móbile reluzente de decepções, com direito a uma platéia, mesmo que imaginária.

As reprises também tem uma função narrativa, mais direta mas ainda assim importante, trazendo a realidade da situação para mais perto, por vezes encurralando Rebecca, outras ajudando na negação. E como eu disse, tem bastante espaço para piadas, agora com liberdade para alfinetar a própria série, como a falta de público e o risco de cancelamento, reproduzida em Love Kernels através de um videoclipe no melhor estilo Beyoncé, estilizado e tão bem produzido que “o vídeo devorou todo nosso orçamento […] e Darryl (Pete Gardner) agora será interpretado por um bigode colado em uma vassoura”.

A primeira grande mudança nesta temporada é o equilíbrio entre estes extremos, o cômico e o dramático. Quando a série quer ser engraçada, faz isso sem problemas, e quando quer falar sério não se contém e vai até o limite – isso fica mais evidente e intenso na terceira temporada, mas ainda não chegamos nela, só deixei logo registrado. O que acaba afetando um pouco o ritmo é a falta de harmonia entre estes dois elementos importantes, como em casos onde em apenas um episódio temos tanta coisa acontecendo e subtramas tão distintas que fica visível como correram com algumas coisas e deixar outras um pouco mais de lado. A quantidade de episódios também foi reduzida (dezoito na primeira, treze na segunda) e isso pode ser um dos motivos para essa execução inconsistente, felizmente não interrompe a trama principal ou compromete muito no desenvolvimento de outros personagens. Josh tem um destaque maior, enquanto Paula (Donna Lynne Champlin) fica um pouco na sua depois de deixar a obsessão de Rebecca afetá-la, Darryl continua um amor de pessoa e sua relação com o “Josh Branco” tem altos e baixos mas é a mais sincera de todo o programa.

No entanto, por conta da ameaça de ser cancelada e convites para outros projetos, a série perde um personagem essencial logo nos primeiros episódios, o trágico porém adorável bartender Greg Serrano. Depois de lidar com seu vício em álcool e deixar de procurar desculpas para não seguir em frente com sua vida, Greg decide se despedir de todos e iniciar seus estudos, mas é claro que não pode ir embora antes de cantar a belíssima – e facilmente melhor música da temporada – This Was a Sh*t Show para Rebecca antes de partir, no momento mais comovente de Crazy ex-Girlfriend até agora. É uma perda enorme e um espaço que não pode ser preenchido, mas para se aproveitar disto, Aline Brosh McKenna (co-criadora da série) encaixa esta situação na série agilmente e a transforma em um ponto de ruptura na personalidade da protagonista, fazendo com que o título da série passe a fazer cada vez mais sentido.

No intuito de manter a estrutura da série e ao mesmo tempo prosseguir com algo novo, temos a introdução de Scott Michael Foster, interpretando o charmoso e malicioso Nathaniel, um jovem empreendedor que compra uma enorme parte das ações da agência de Darryl e passa a ser um dos donos. Isso significa que Rebecca agora recebe ordens de um “homem branco e hétero” (é só escutar a música Who´s the New Guy?), o que, de acordo com a própria equipe do escritório “deve ser uma atitude desesperada para ajudar na audiência”.

Falando nisso, esta série merece mais uma vez o reconhecimento por conseguir manter um grupo de personagens interpretados por minorias de forma criativa e orgânica, sem depender de estereótipos e piadas preconceituosas. Aqui encontramos um debate estimulante sobre a indústria televisiva e o meio do entretenimento, celebrando a diversidade e o espírito de comunidade. Isso e, claro, todo o foco em temas complexos como depressão, ansiedade e instabilidade mental. Pode ser uma comédia, mas não serve só pra te fazer rir.

A série toma um rumo diferente e pode sofrer um pouco com a perda de um personagem tão importante e o ritmo indeciso, mas consegue se sustentar no que diz respeito ao núcleo principal e a consistência narrativa. Com uma grande mudança na trama e uma reviravolta ainda maior no desfecho da temporada, Crazy ex-Girlfriend estabelece território para algo muito mais ousado em seu terceiro ano.

Crazy Ex-Girlfriend – 2ª Temporada — EUA, 2016
Criação: Aline Brosh McKenna e Rachel Bloom
Direção: Marc Webb, Kabir Akhtar, Jude Weng, Stuart McDonald, Paul Brigante, Erin Ehrlich
Roteiro: Rachel Bloom, Aline Brosh McKenna, Sono Patel, Marc Webb
Elenco: Rachel Bloom, Donna Lynne Champlin, Santino Fontana, Vincent Rodrigues III, Scott Michael Foster, Pete Gardner
Duração: 13 episódios de aprox. 42 min.

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