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Crítica | Creepy (2016)

Crime e terror em um mistério angustiante.

por Rodrigo Pereira
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Vários dias se passaram desde que assisti Creepy e sentei para escrever. Inclusive, considerei não fazer esse texto, já que não costumo criticar qualquer obra após muito tempo de seu consumo. O que aconteceu com esse trabalho de Kiyoshi Kurosawa, no entanto, foi uma insistência em permanecer na minha mente, relembrando cenas e seus significados dia após dia. Além disso, julgo uma situação similar com a história contada tão bem pelo diretor japonês, sendo mais um motivo para a concepção dessa crítica.

No filme de 2016, o detetive Koichi Takakura (Hidetoshi Nishijima) opta por deixar seu cargo na polícia de Tóquio após sofrer um ataque de um psicopata dentro da prisão. Em busca de uma vida mais tranquila com sua esposa Yasuko (Yuko Takeuchi), eles se mudam para uma nova vizinhança enquanto o ex-policial inicia sua trajetória docente como professor universitário de psicologia criminal. Tudo parece correr bem, até que Nogami (Masahiro Higashide), um antigo colega da polícia, reabre um caso não resolvido de assassinato e pede ajuda de Takakura, reacendendo sua chama investigativa (que, na verdade, nunca se apagou completamente).

Dentro dessa perspectiva, é interessante perceber como Kurosawa utiliza, ao longo de toda a fita, alguns elementos cenográficos semelhantes com propósitos diferentes para cada personagem, com destaque para grades e densa vegetação. No caso do primeiro, vemos o realizador utilizar esse elemento em praticamente todas as aparições de Nishino (Teruyuki Kagawa), o misterioso vizinho do casal Takakura, para sugerir que o homem esconde algo, como se mantivesse um segredo trancado em uma gaiola (a estupenda atuação de Kagawa, que trabalha tão bem a dubiedade da personagem a ponto de questionarmos se realmente esconde algo, é digna de destaque). Da mesma forma, as grades são usadas nas sequências que envolvem Saki Honda (Haruna Kawaguchi), uma sobrevivente do caso não resolvido, mas para demonstrar que ela, mesmo após anos do acontecimento, não consegue superá-lo, sendo oprimida e perseguida pelo terror das lembranças.

Por falar em terror, a cena em que é interrogada por Takakura em uma sala é digna de um filme do gênero. Kurosawa, que tem como uma de suas marcas justamente essa “mistura” de gêneros, faz isso em vários momentos de Creepy, mas a referida cena é o maior destaque. Conforme a interrogação avança e Honda vai sendo confrontada por seus fantasmas, a iluminação acompanha o interrogatório e vai se tornando sombria, criando uma atmosfera tenebrosa no ambiente. Assim como os movimentos de câmera, que vão de quase estáticos para uma movimentação que acompanha Honda na sala e sempre tentando estar em sua frente, como se os pensamentos a cercassem e impedissem de continuar sua vida. Não à toa, vemos a personagem, exausta, buscar a luz vinda da rua após o término das perguntas, provando o quão traumático lhe é aquela experiência.

Se grades, cercas, escadas e demais estruturas semelhantes são utilizadas pelo cineasta como uma forma de ligar personagens ao crime e ao lado misterioso da narrativa, sejam como vítimas ou suspeitos, a vegetação serve para ilustrar o contrário. Em diversos momentos da obra vemos, por exemplo, Yasuko cercada por uma grande quantidade de plantas, como no jardim de sua casa ou no parque próximo da residência, trazendo sensações de paz e aconchego nesses ambientes. Tal qual seu marido, que se desvincula das grades quando está fora de seu expediente, como se o diretor estabelecesse através da imagem que essas são personagens “seguras” e não possuem mistério ou segredo escondido, dando ao público pistas sobre quem deve ou não desconfiar exatamente como um trabalho investigativo.

E é exatamente por isso que vemos Nishino investir nesses ambientes e elementos para passar a sensação de normalidade. No seu caso, como é algo muito mais simulado, a sensação de tranquilidade nunca se apresenta, trazendo um constante estado de alerta e tensão nas interações com o casal Takakura e demais personagens. Tanto é que, diferente dos outros, Nishino sempre possui próximo de si grades ou elementos que remetem a essas estruturas, como o portão de sua casa ou a cerca de uma construção civil, sugerindo que ele, de fato, esconde algo.

Creepy é um filme angustiante. Passamos toda a sua duração nos preparando para que algo horrível aconteça e, mesmo após seu término, parece que ainda há algo a mais para se descobrir. A atmosfera de dúvida e tensão e o mistério aparentemente indecifrável construídos neste trabalho de Kiyoshi Kurosawa remetem a outros grandes filmes do gênero, como Seven: Os Sete Crimes Capitais e Memórias de um Assassino. Com toda essa qualidade, chega a ser curioso não ser uma obra mais exaltada.

Creepy (Kurîpî: Itsuwari no rinjin) — Japão, 2016
Direção: Kiyoshi Kurosawa
Roteiro: Kiyoshi Kurosawa, Chihiro Ikeda (baseado na obra de Yutaka Maekawa)
Elenco: Hidetoshi Nishijima, Yuko Takeuchi, Teruyuki Kagawa, Haruna Kawaguchi, Masahiro Higashide, Ryôko Fujino, Takashi Sasano, Masahiro Toda, Michie Ikeda, Naoko Satô, Misaki Saisho
Duração: 130 min.

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