Home FilmesCríticas Crítica | Cry Macho: O Caminho para Redenção

Crítica | Cry Macho: O Caminho para Redenção

por Kevin Rick
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Com o rosto castigado pelo tempo e a mobilidade vagarosa, Clint Eastwood, o intérprete e diretor de longa data, é um homem que entende e gosta de abordar suas limitações. Desde o lançamento de Os Imperdoáveis, o ícone americano tem descontruído sua imagem lendária e estudado o comportamento masculino (macho) que acompanhou seus personagens de morais questionáveis em faroestes e crimes. Aos 91 anos, fantasticamente ainda dirigindo e atuando após sete décadas de atividade artística, Clint oferece em Cry Macho mais uma obra que mergulha na sua autoimagem, trabalhando temas comuns da sua filmografia, como redenção, fragilidade humana e envelhecimento.

Baseado no romance homônimo de 1978 do escritor N. Richard Nash, que por sua vez idealizou a história primeiramente como um roteiro cinematográfico (rejeitado pela Fox nos anos 70) antes de transformá-lo em um livro, Cry Macho tem estado em processo de adaptação há várias décadas, circulando nomes como Arnold Schwarzenegger, Pierce Brosnan, Burt Lancaster, Roy Scheider e o próprio Clint. Finalmente embarcando no projeto em 2020, Eastwood interpreta Mike Milo, um ex-astro do rodeio cuja carreira terminou após uma grave lesão nas costas. Além disso, o protagonista perdeu sua família em um acidente de carro, resultando em uma vida de bebida, remorso e raiva. Após décadas trabalhando como criador e treinador de cavalos, Mike é demitido, no início da obra.

Estranhamente, um ano após o acontecimento, seu ex-chefe (Dwight Yoakam) o contrata para ir ao México resgatar seu problemático filho de 13 anos Rafo (Eduardo Minett), que está sendo criado (e abusado) por sua mãe desequilibrada. Milo concorda e depois de encontrar o garoto no meio de uma briga de galos, ambos começam a jornada de volta ao Texas, iniciando o seu típico road movie. Tal qual acontece em Gran Torino, Mike deve se relacionar com um jovem cuja cultura se mostra totalmente estranha para ele, levando ambos personagens por uma jornada de amizade, epifanias e autodescoberta. No entanto, diferente de Walt Kowaski, o protagonista de Cry Macho se encontra em uma posição ainda maior de vulnerabilidade. Em dado momento da narrativa, Mike faz a seguinte afirmação: “Eu não posso curar velhice“.

Entre a violência mais surpreendente sendo desferida não com armas ou punhos, mas por um galo chamado Macho, até o andar lento e posicionamento frágil da interpretação de Clint, o filme sempre se move em sincronia com os 91 anos do cineasta, tanto físico quanto mental. Se ele não pode (e não devia) curar a velhice, ele abraça sua inevitabilidade para refletir o passado e o (curto) futuro, entre o novo e o velho. Despojando-se da violência e dos duelos armados da sua iconografia, Clint reavalia o verdadeiro significado do western (ou neo-western) em sequências pacientes e elegíacas da experiência do cowboy, a maneira anticlimática e cômica que resolve conflitos e perseguições, e a importância da família, comunidade e relacionamentos humanos – mantendo sua direção minimalista com a já conhecida sensibilidade e ternura do cineasta que transformam o cotidiano em uma serena e poderosa reflexão.

Claro que o autor se “auto-lisonjeia” em várias situações, como seu deslocado sexy appeal em algumas circunstâncias – também não sou fã do romance frívolo e repentino entre Mike e Marta (Natalia Traven) – ou então ao próprio fato de na sua idade interpretar um personagem claramente escrito para um homem mais jovem, possivelmente na casa dos 60 anos. Não é nem uma questão de suspensão de descrença – desesperadamente requerida -, mas a falta de credibilidade e razoabilidade nas ações em tela de um nonagenário. No entanto, este pequeno desconforto é um pormenor no contexto de remodelação que o autor faz da sua carreira, do ethos masculino e da velhice.

Para mim, os principais problemas do filme residem em como a proposta é extremamente respaldada por um conhecimento da carreira do Clint. É quase um filme-projeto apenas para ele e seus fãs na forma que ganha uma dimensão estritamente relacionada a informações extra-fílmicas e uma bagagem temática não aprofundada, detraindo a verdadeira experiência cinematográfica de Cry Macho. Quando tomamos a obra de uma perspectiva em si, fica bastante claro o fiapo narrativo, a história cansativamente clichê e esse aspecto verborrágico do discurso – particularmente odeio alguns diálogos expositivos, mastigando o arco e a epifania de Mike.

Os dois personagens principais têm uma química confortável, mas o roteiro não dá a eles substância suficiente para trabalhar, apenas oferecendo uma série de batidas emocionais superficiais com o encontro de indivíduos caricatos e aventura inexistente de conflito, especialmente para o garoto que mais funciona como uma muleta para a jornada de Mike do que um personagem bem desenvolvido. O filme não chega a ser o que almeja: um conto envolvente, ainda que simples. Clint se resolve muito bem com as simbologias e algumas sequências comoventes, mas o roteiro ralo deixa o road movie estranhamente sem vida.

O que realmente importa em Cry Macho é seu autor, e não sua história ou personagens. Somos envolvidos por Clint Eastwood continuar seu lendário legado artístico mesmo aos 91 anos, ainda buscando discutir, reformular e desconstruir sua autoimagem e iconografia, além, claro, de entrelaçar sua história individual com o humano. O filme é um ótimo exercício do superestimado macho, como Mike divertidamente pontua, mas a embalagem e o contexto sofrem frente a uma história esquecível e sem substância. Ainda assim, a obra mais que vale a experiência. Assistir Clint Eastwood é um privilégio e uma inspiração. Que seu sorriso torto continue agraciando nossas telas por mais alguns anos.

Cry Macho: O Caminho para Redenção (Cry Macho) — EUA, 16 de setembro de 2021
Direção: Clint Eastwood
Roteiro: Nick Schenk, N. Richard Nash (baseado no romance Cry Macho, de N. Richard Nash)
Elenco: Clint Eastwood, Dwight Yoakam, Eduardo Minett, Natalia Traven, Fernanda Urrejola, Horacio Garcia Rojas, Alexandra Ruddy, Ana Rey, Paul Lincoln Alayo
Duração: 101 min.

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