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Crítica | Cubo (1997)

Um experimento sociológico ousado.

por Iann Jeliel
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“O que tem lá fora?”

“A vasta estupidez humana.”

Bem antes de Jogos Mortais e derivados, Cubo exploraria a premissa de jogar estranhos em um lugar enclausurado com armadilhas e enigmas mortais para alçar um grande estudo sociológico. O filme independente canadense dirigido por Vincent Natali, no entanto, possui méritos para além de ser uma espécie de precursor (e um dos melhores executados) desse subgênero do terror bem específico – não só ele, mas a outros, como Resident Evil: O Hóspede Maldito, em que a cena dos lasers foi totalmente inspirada na primeira e espetacular cena de morte de Cubo –, principalmente quando pensamos seu intuito no contexto de seu lançamento e comparamos com a forma como desenvolve a análise temática na construção do suspense.

Lembremos, a segunda metade da década de noventa ficou marcada pelo medo da virada de século e o ápice da paranoia acerca dos avanços significativos da tecnologia nos comportamentos. Se acreditava muito que a internet, na sua ampla capacidade de compartilhamento de informações em rede, servia como uma ferramenta para fundos estatais ou corporativistas de controle populacional. Embora nunca fique claro (neste filme) a origem exata do “Cubo”, o desenvolvimento narrativo, ao admitir cada vez mais conscientemente de que aquilo é um experimento social, inclina uma resposta relacionada a teoria descrita de maneira implícita. Creio eu que o intuito de Natali inicialmente era brincar com essa percepção paranoica das pessoas à época. Tanto que (apesar de não estar interessado nas respostas), o diretor estimula o telespectador a procurar justificativas, explicações e racionalizações sobre o que é o local, além do propósito dos personagens  ali e de como iram sobreviver e escapar.

Nesse ponto, o instiga o enredo é imediato e inegavelmente sustentado durante a projeção perante a curiosidade e falsa sensação de que haverão explicações para as perguntas implantadas. Tanto que a resolução aparente dos enigmas passam por contas matemáticas complexas (que o filme nem faz questão de explicar direito), descritas como “só resolvíveis por computador”. É aí que se mata a charada do porquê Cubo não se contradiz ao basicamente manter todas essas respostas incertas de concretude. A incerteza alimenta a paranoia e a paranoia vira delírio à medida que transforma aqueles cinco estereótipos presos no labirinto em mais perigosos uns com os outros do que as armadilhas propriamente ditas. Representativamente, o cenário cíclico da rede de cubos fornecendo aquelas interações descontroladas (seria o “Cubo” hoje, a internet?), simbolizavam como a sociedade vinha perdendo seus valores, com  as pessoas tão envolvidas na logística corporativista e automatizada que o medo de pensar como ela se tornaria no novo mundo depois da virada do século.

SPOILERS!
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O final já nasce em aberto nesse contexto, pois o terror vem desse sentimento de descontrole sobre o futuro. Por mais que houvesse como projetar e teorizar, não havia como prever para onde a sociedade estava se encaminhando. Ainda que o filme instigue a busca por respostas, nem ele as tem direito. Por isso as explicações matemáticas vão mudando ao longo da narrativa, e vão dando certo para os personagens progredirem (vai dando certo até onde convém à história), acabando no mesmo lugar. No marco zero (o milênio) em que se acreditava acontecer no fim do mundo (a maioria morrendo no clímax), mas com alguma esperança de que se a humanidade sobrevivesse, iria progredir com isso (o último sobrevivente é o ingênuo, o deficiente, o “gênio”). Isso numa leitura da época, claro, mas Cubo vai além e atinge outros tempos justamente por não ter se preocupado em entregar respostas para se concentrar no estudo social.

Analisando as transformações dos estereótipos perante seu arquétipo principal, a obra oferece diversas outras provocações pertinentes na queda de máscaras sociais em subversões exemplares, enquanto exercício de gênero. Aparentemente, Quentin (Maurice Dean Wint) é o protagonista do filme. Estabelecido como mocinho pelo fato de ser um policial e pai (separado) de família – negro, ainda por cima, sem outros personagens negros contracenando para distanciar o debate racial da coisa. Contudo, em algum momento, Quentin vira o vilão. Não porque as circunstâncias o obrigaram e ele tinha que lutar pelos filhos a qualquer custo ou algo do tipo, mas  porque sua verdadeira natureza de abusador é revelada nas suas interações sob  pressão com as personagens femininas. Enquanto isso, o esquisitão Worth (David Hewlett), apesar de ser colocado como participante da montagem do “Cubo” (informação que traz aquela inclinada a ser algo construído por corporação), se torna mocinho principal, junto à adolescente amedrontada Leaven (Nicole de Boer).

Ela que é estabelecida como elo fraco do grupo, mas além de pouco tempo depois ser colocada como a inteligente resolvendo os problemas matemáticos, perto do clímax, rebate com força uma investida de Quentin (que se torna quase um assassino slasher) ganhando quase uma configuração de final girl, pensando na sua personalidade inocente, algo igualmente subvertido no final. Rennes (Wayne Robson), o presidiário colocado como elo forte, morre nos primeiros minutos. Holloway (Nicky Guadagni) estabelecida como mulher emocionalmente instável é quem toma as atitudes mais humanas, como cuidar do deficiente Kazan (Andrew Miller) e controlá-lo para  ficar quieto na absolutamente tensa sequência da armadilha do silêncio (a minha favorita do filme). Kazan cai no estereótipo do deficiente gênio, mas fica ambíguo se esse seu conhecimento de tudo, não é porque ele conhece a organização por trás, como Worth que tinha uma conexão. Fica em aberto a possibilidade, considerando o fato dele ser o último sobrevivente

FIM DOS SPOILERS!
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Há o público que reclama das atuações caricatas do elenco – que para mim, contempla toda a atmosfera artificial da narrativa, mas que pode sim, tirar alguns da imersão –, bem como outros elementos datados na parte técnica: uso de alguns efeitos especiais, um design de produção extremamente simplista, fade-outs abruptos nas transições de tempo e outras escolhas de enquadramentos holandeses questionáveis de motivação. No entanto, todos esses problemas, reflexos de baixo orçamento, acabam falando pouco perante tantas boas ideias apresentadas pelo thriller de ficção científica. Noventista até a alma por apresentar questionamentos sobre a não-realidade do futuro e o limite do conhecimento humano, mas atemporal pela forma como a lente observa seus personagens, como espelhos da mutabilidade de nossa espécie em contextos adversos.

Cubo (Cube | Canadá, 1997)
Direção: Vincenzo Natali
Roteiro: André Bijelic, Vincenzo Natali, Graeme Manson
Elenco: Nicole de Boer, Nicky Guadagni, David Hewlett, Andrew Miller, Julian Richings, Wayne Robson, Maurice Dean Wint
Duração: 90 minutos

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