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Crítica | Cursed Films – Minissérie Completa

por Leonardo Campos
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Movidos não apenas pela qualidade estética e dramática, alguns filmes possuem lugar privilegiado quando o assunto é “maldição”. O Exorcista, Poltergeist – O Fenômeno, A Profecia, O Corvo e No Limite da Realidade são alguns deles, selecionados para a minissérie Cursed Films, produção com cinco episódios voltados ao resgate de clássicos e suas mirabolantes histórias supersticiosas. Com padrão narrativo em torno dos 25 a 29 minutos de duração, a história sobre a maldição nos bastidores de O Exorcista e O Corvo são os momentos mais focados e interessantes, pois demonstram uma escrita mais focada no tema central que, especialmente em alguns trechos da análise de A Profecia e em quase todo o episódio sobre No Limite da Realidade, momentos em que há alguma perda de tempo em situações tangentes, sem se deter exatamente ao envolvente debate central.

Escrito e dirigido por Jay Cheel, Cursed Films se divide entre cenas de bastidores, reportagens jornalísticas nos formatos impresso e televiso, além de alguns depoimentos com membros do elenco, da produção ou da equipe técnica que legitimam a afirmação/negação de algumas histórias supersticiosas que gravitam em torno destes filmes. Há também editores de revistas de cinema, colecionadores, especialistas em diversas vertentes religiosas, críticos de cinema, dentre outros, participações que abrem os debates em torno das questões levantadas sobre cada um dos clássicos dissecados. Acompanhados pela condução musical de Justin Small e Ohad Benchetrit, as entrevistas são editadas pelo próprio criador/diretor/produtor/roteirista, em blocos antecedidos pela eficiente abertura macabra. Lançada na plataforma de streaming da produtora Shudder, é preciso que haja desinibição com a barreira da indisponibilidade das legendas em português para investir na empreitada.

O primeiro episódio é sobre O Exorcista, um dos filmes de terror mais respeitados da história do cinema, dirigido por William Friedkin, tendo como base o roteiro escrito por William Peter Blatty, o autor do romance homônimo. Com excertos de jornais e imagens de reportagens televisivas da época, os depoimentos contam, juntamente com a costura da narração, como a produção se tornou amaldiçoada, em especial, pelas mortes constantes de pessoas próximas ao elenco e equipe técnica, incêndios no set de filmagens e mais para o final, a suposta derrocada da carreira de Linda Blair, atriz que aparece para legitimar alguns depoimentos, um dos pontos altos do episódio.

Na época, um padre foi chamado para benzer o set, numa série de eventos que foram além das propostas religiosas e seguiram os padrões bem-sucedidos de marketing já estabelecidos pela publicidade deliciosamente histérica da equipe de Alfred Hitchcock para Psicose.  Interessante as observações sobre o ritual de exorcismo ser mais popularmente conhecido por causa do filme e seu legado, tendo breves cenas de Invocação do Mal e O Último Exorcismo como ilustração de um padrão narrativo que se repete com sucesso desde os anos 1970. Outro ponto assustador é a presença de um quase figurante na cena do exame cerebral da menina possuída. Paul Bateson, considerado um profissional de saúde calmo e respeitoso com seus pacientes, em 1977, foi preso por assassinato, após ter esfaqueado outro homem no peito, figura com quem manteve uma relação sexual envolta em drogas e álcool, problema que para muitas pessoas que adoram lendas e contos macabros da vida real, associa-se com a sua breve participação em O Exorcista.

Apontado como um filme que não teve a devida consideração dos produtores durante a execução, pois muitos acreditavam que não faria sucesso, o clássico terror sobre exorcismo, ganhador de prêmios na tradicional cerimônia do Oscar, bem como em outros eventos badalados da época, é também respeitado por sua extensa pesquisa arqueológica, algo já presente no romance que lhe serviu de inspiração. Para alguns religiosos, o próprio celuloide estava amaldiçoado. Caso algum dono de cinema decidisse exibir, amaldiçoaria o seu recinto. Pessoas desmaiavam durante a sessão, outras tinha convulsão com o trailer que teve de ser retirado do circuito.

O circo midiático armado para O Exorcista foi um dos maiores fenômenos sociológicos da história do cinema, resgatada com louvor no primeiro episódio desta série convencional em sua estética, sem nada de diferente ou especial do que já sabíamos por rumores, mas que reacende questões para nós, amantes do cinema e dos grandes clássicos do horror, marcantes e sobreviventes ainda na contemporaneidade. Linda Blair, hoje uma mulher pacata, a cuidar de animais, informa em seu depoimento que logo após o filme, as pessoas tinham medo de chegar perto dela, pois a consideravam o demônio em pessoa. Algo que para uma adolescente, era quase o equivalente ao bullying que desnorteia muitos jovens nos corredores e salas de aula ao redor do planeta.

Ela alega, no entanto, que não enxerga maldição e fracasso, pois na ocasião do convite para o filme, seu desejo era ser veterinária. Outro ponto interessante é a sua confirmação sobre uma das pessoas da produção ter lhe contado sobre o frenesi comandado pela distribuidora, responsável por organizar as controvérsias, com ambulâncias do lado de fora de varias salas de exibição, informes sobre grávidas e pessoas com mais sensibilidades não terem a devida indicação para assistir, dentre outras estratégias que funcionaram tão bem, algo comprovado neste primeiro e interessante episódio.

O segundo episódio retrata as supostas maldições que envolveram parte do elenco de um dos clássicos do terror dos anos 1980, Poltergeist – O Fenômeno, dirigido por Tobe Hooper. Um dos depoimentos alega que muita gente conhece mais o folclore em torno do filme do que a produção propriamente, haja vista o longo alcance das histórias supersticiosas sobre a maldição que teria ceifado a vida das duas atrizes que lutaram, junto aos familiares, com os fantasmas da casa maldita. Um dos pontos da suposta presença sobrenatural que teria marcado o destino dos envolvidos no filme é a famosa cena da piscina enlameada, repleta de esqueletos que teriam sido de cadáveres indianos profanados pela equipe técnica, a porta de abertura para a maldição.

Dominique Dunne, morta por estrangulamento pelo namorado após o lançamento do primeiro filme, não teve a sua tragédia associada ao cinema, algo que ganhou corpo apenas na sequência, ocasião da morte de Will Sampson e Julian Beck, atores que interpretaram personagens importantes para a construção da atmosfera sobrenatural, mortos por causa de falência hepática e câncer no estômago, respectivamente, causas que acenderam nos amantes de narrativas folclóricas, a associação da franquia com elementos sobrenaturais macabros. Tudo fica ainda mais assustador com a morte da pequena Heather R’Ourke, a loirinha que é um dos pontos altos da lenda que envolve tais filmes.

Com diagnóstico indevido durante um tratamento médico, a garota teve um choque toxico quando um abcesso estourou em seu intestino, problema de obstrução que antes tinha sido tratado como doença de Crohn. Para o capítulo final da série Poltergeist, os executivos do estúdio solicitaram uma dublê e emendaram a história de qualquer jeito para não ter o investimento perdido. É o que declara Gary Sherman, diretor que viu na experiência a ânsia por dinheiro lastimável, uma das coisas mais bizarras da sua história profissional. Ele é quem legitima os depoimentos como alguém que esteve em uma das produções, reforço para nos contar algo de dentro do próprio eixo de realização.

O clássico A Profecia, de 1976, dirigido por Richard Donner, também é um filme amaldiçoado? Saberemos mais detalhes ao longo do terceiro episódio, voltado aos desdobramentos de uma suposta presença maligna durante e depois da execução deste filme sobre o triunfo do anticristo. Segundo o diretor e o produtor Mace Neufeld, “amaldiçoado” não é um termo adequado para a produção que rendeu tanto dinheiro e ainda se tornou uma franquia. Para os bruxos e satanistas presentes nos depoimentos, A Profecia na verdade é um filme abençoado. Por ele mesmo, Satanás, supostamente agraciado pelo seu triunfo e vitória respeitados ao longo do enredo.

Conforme outras visões religiosas, não há nada de benção, pois a produção deu visibilidade a uma entidade que estava em busca da invisibilidade enquanto agia nas diversas esferas de nossa sociedade. Na cronologia da série, este foi o episódio com mais depoimentos dispersivos, afinal, senti um afrouxamento do roteiro diante da sedução dos depoimentos de representantes da magia negra e afins. Ainda assim, há algum impacto quando somos informados dos males que permearam o filme. Gregory Peck e David Seltzer, protagonista e roteirista em A Profecia, respectivamente, tiveram os aviões atingidos por raios durante as filmagens, quando ambos se deslocavam para resolução de questões pessoais.

Peck, por sinal, escapou da morte ao cancelar seu embarque num voo que caiu logo após a decolagem, acidente que ceifou a vida do piloto e de sua família. No ocorrido, o avião se chocou com uma vã e matou as pessoas que trafegavam, isto é, a família do piloto que saia do local após deixa-lo para o trabalho. Assustador, não é mesmo? E combustível para a criação de lendas e superstições em torno do filme. John Richard, parte integrante da equipe de efeitos especiais, sofreu um acidente de carro com resultado aberrante para a sua noiva, mulher decapitada, tal como o que ocorre num ponto crucial da produção em questão. O zelador do zoológico conhecido pela cena com os babuínos morreu algum tempo depois das cenas gravadas no local. Conta-se que ele deixou acidentalmente um dos portões entreabertos durante a alimentação de felinos e foi devorado por leões. Outros dizem que foi por tigres. Recortes de jornais da época expõe a situação que reforçou o caráter maldito de A Profecia, um dos tantos filmes de terror que de acordo com alguns depoentes, abrem portais para a presença do sobrenatural.

Para reforçar as colocações, comentam as conexões entre o edifício marcado pela morte de John Lennon, local que também serviu de passagem para as filmagens de O Bebê de Rosemary, filmado por Roman Polanski, cineasta que teve a esposa Sharon Tate assassinada pelos seguidores de Charles Manson. Um feixe de ilustrações para reforçar o poder do mal, mais metafísico do que possamos imaginar.

O caso que envolve Brandon Lee não é necessariamente uma especialidade para cinéfilos, pois a morte do ator no encerramento das filmagens de O Corvo é algo muito intrigante e alvo de um extenso folclore que saiu dos anos 1990 e chegou ao contemporâneo por meio dos sites sobre curiosidade mórbida e, posteriormente, as redes sociais. O que sabemos basicamente é que o ator morreu por causa de uma bala numa cena e compartilhou da mesma maldição de seu pai, morto da mesma maneira. Verdade? Mentira. O que aconteceu com Bruce Lee foi diferente. Ele morreu depois de tomar um analgésico para dormir e não mais acordou.

O filho, por sua vez, decidiu sair da sombra do pai, pois estava envolvido com produções conectadas aos temas das artes marciais. Há, inclusive, uma tosca teoria que afirma ter sido a máfia chinesa a responsável pela morte do ator (Bruce, o pai), pois este teria entregado os segredos as artes marciais em seus filmes. Assim, Brandon gozava da juventude e de um talento que o levaria ao patamar de outros brutamontes de sucesso no cinema hollywoodiano da época. Infelizmente, o destino trágico ceifou a sua vida numa das últimas sessões de gravação do sombrio O Corvo, filme que pavimentou o caminho de determinadas passagens e opções estéticas de obras como Matrix e Cavaleiro das Trevas, o segundo Batman da nova geração. Há, inclusive, passagens ilustrativas para a comparação.

Na tal cena da tragédia real, o revolver utilizado deveria ter sido revisado, pois havia resquícios da bala de festim estourada noutro momento, algo que no disparo se tornou um resto de bala mortal, haja vista a sua velocidade e impacto ao sair da arma. Tal como a maldição seguinte, não vejo O Corvo como uma obra tomada pelo tom maldito, caso comparado aos anteriores, radiografados nos três primeiros episódios. Isso não impede que haja uma atmosfera de coincidências da vida real que se tornam macabras, tal como o acidente com um dos membros da equipe fotográfica que não teve a sua vida ceifada, mas perdeu as orelhas e nunca mais foi o mesmo depois de uma descarga elétrica gigantesca. O furacão com ventos de 185 km/h que devastou parte dos cenários também foi encarado como um mal presságio para aqueles que alimentam a crença nas superstições.

Bem trágico, no entanto, o filme se tornou mais macabro, um legítimo ato espúrio, quando os envolvidos tiveram que finalizar a história e contratar um sósia para interpretar Brandon Lee nas cenas que ainda precisavam de ajustes. Era desconfortável e degradante para muitos dos participantes, traumatizados com os eventos com Brandon Lee. Para coroar de realidade os depoimentos, temos Jeff Most, um dos produtores, e Lance Anderson, responsável pelos efeitos visuais e maquiagem. Ambos fornecem depoimentos tomados por emoções e lembranças de algo que parece ainda muito vivo na memória, sem se prender aos elementos gravitacionais sobre maldição que estão atrelados ao legado de O Corvo na história recente do cinema.

O episódio final gira em torno da tragédia nos bastidores do antológico No Limite da Realidade, em especial, o segmento dirigido por John Landis, tomado por uma devastadora tragédia mais voltada ao caos da falta de bom-senso humano, um pouco distante do padrão estabelecido pelos antecessores na lista. Por ser o filme que encerra a série, achei indigesto considerar os fatos como material para uma maldição em tom sobrenatural, pois o que se estabelece é a imprevisibilidade de determinados acontecimentos na vida, por isso nomeamos de tragédia, algo que escapa das nossas mãos também por causa da sua inevitabilidade quando o assunto é destino. Amaldiçoado? Sim, talvez por causa dos acontecimentos, o filme perdeu o seu brilho e apelo comercial oficial, sendo fruto da curiosidade mórbida das pessoas que desejaram compreender mais profundamente os desdobramentos da cena noturna, a última do processo de filmagem, demarcada por uma desgraça quando explosivos foram manipulados próximo aos helicópteros que produziam a passagem. Pior, as crianças em cena trabalhavam ilegalmente na madrugada, condição proibida por lei.

O resultado foi a morte do dublê e das crianças que contracenavam. Um dos helicópteros caiu e devastou os seus corpos, numa cena absurda e macabra, digna de um verdadeiro filme de horror. Os pais das crianças assistiam ao espetáculo de horror que possui imagens de arquivo para a sua comprovação. Acusatórios, alguns depoimentos reforçam os descuidos de Landis nos bastidores, cineasta apontado como inconsequente, desinteressado em participar dos depoimentos, conforme sabemos no desfecho do episódio, quando uma legenda expõe que ele foi contactado, mas não respondeu ao chamado.

Quem mais aparenta sofrimento ainda hoje é Richard Sawyer, dono dos depoimentos lacrimejantes em quase todas as suas passagens. Designer de produção de No Limite da Realidade, ele estava no auge da carreira e teve seu trabalho de reconstrução da cenografia vietnamita imaginada constantemente elogiado. Não sabemos se ele chora exatamente pelo fim de sua carreira ou pela morte das crianças. Talvez seja pelos dois motivos, um tormento que o persegue mais de três décadas após os eventos traumáticos. A direção de fotografia aproveita o momento para frisar suas emoções num zoom in eficiente, diferente dos primeiros momentos enquadrados de maneira mais aberta.

Para reforçar as questões sobre acidentes em sets de filmagens, somos apresentados a alguns trabalhos realizados pela Troma, produtora conhecida pelos clássicos modernos O Vingador Tóxico e Tromeu & Julieta, ambos integrante do ponto mais alto da cultura trash no cinema independente, âmbito de criação que não possui verba suficiente para trabalhar com os devidos cuidados e evitar acidentes. Quem também dá as caras é Kane Hodder, o Jason predileto para a maioria dos fãs da franquia Sexta-Feira 13. Ele conta como se acidentou e teve 45% de seu corpo queimado numa demonstração dos procedimentos de trabalho de um dublê em 1977, ocasião de uma entrevista. Estranho é observar que tais participações são dispersivas, mesmo que tenham o intuito de legitimar outras situações que tenha como foco, acidentes em sets de filmagens.

Como parte das conclusões obtidas, podemos observar que a série traça a religião, a religião, a religião como alguns dos combustíveis que mantém a chama destes filmes acesa. O Exorcista reforçou a necessidade da religião no mundo, mesmo que alguns segmentos tenham sido contrários. Basta observar que os mocinhos da trama são os homens da fé, em luta contra as forças do mal que na época, o Papa Paulo VI tinha indicado como metafísica, algo não respeitado por uma sociedade que não dava mais os devidos créditos ao catolicismo, enfraquecido e ultrapassado, juntamente com os seus dogmas numa era de questionamentos. No caso de Poltergeist – O Fenômeno, as superstições reforçam a nossa necessidade vil de transformar em narrativas explicáveis, acontecimentos que foram determinados como causas trágicas da nossa condição em vida, isto é, uma morte por erro médico e a outra pelo machismo opressor doentio.

É um curioso caso de metalinguagem exterior ao filme, pois a maldição interior se torna uma obsessão no terreno da recepção. No episódio sobre A Profecia, há várias reflexões sobre a presença de maldições como padrões estabelecidos quando não conseguimos explicar cientificamente determinadas coincidências sequenciadas, o que nos leva a ficar curiosos diante de observações sobre o mal como inevitável quando se manipula o mal enquanto possibilidade dramática. O episódio sobre O Corvo expõe a nossa necessidade de criar narrativas para explicar coisas que aconteceram diante de coincidências infelizes, algo muito além das maldições sobrenaturais em torno dos filmes anteriores. O mesmo ocorre com No Limite da Realidade, produção que tem como maldição, a sentença eterna dos envolvidos no trágico acidente que ceifou a vida de duas crianças inocentes, tudo em prol da pirotecnia e do desejo dos envolvidos em enraizar-se ainda mais dentro do esquema de produção cinematográfica. Curioso é tentar saber se haverá outra temporada. E, caso haja, quais os filmes serão selecionados? Você, caro leitor, conhece outras produções amaldiçoadas para compartilhar conosco?

Cursed Films – Minissérie Completa (EUA, 02-16 de abril de 2020)
Criador: Jay Cheel
Direção: Jay Cheel
Roteiro: Jay Cheel
Elenco: Linda Blair, Mace Neufeld, Richard Donner, Phil Nobile Jr., Mitch Horowitz, Hector Avalos, Doug Cowan, Matt Gourley, Matthew Hutson, Ryan Turek, April Wolfe, Barton Lane, Kane Hodder
Duração: 5 episódios, com cerca de 29 min.

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