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Crítica | Curtas de Alfonso Cuarón

As origens e pensamentos de um grande diretor.

por Iann Jeliel
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No seguinte compilado, falarei de três dos seis curtas dirigidos (apenas os dirigidos) por Alfonso Cuarón em sua carreira. São eles: Cuarteto Para El Fin Del Tiempo (1983), The Possibility of Hope (2007) e I Am Autism (2009). Dos outros curtas de sua filmografia, dois deles, Who’s He Anyway (1983) e Vengeance Is Mine (1983), são filmes perdidos, portanto, não foram considerados para análise. O último seria parte da antologia do longa-metragem Paris, Eu Te Amo (2006), que já tem crítica no site, logo, não precisa ser comentado aqui novamente.

Além desses, foram desconsiderados todos os outros vários curtas que Cuarón escreveu ou produziu, fotografou, editou ou atuou. Antes das críticas, segue abaixo uma lista exata de todos os curtas com seu nome por função (considerando também os já citados):

  • Roteiro: Who’s He Anyway (1983), Vengeance Is Mine (1983), Sístole Diástole (1997), The Possibility of Hope (2007), The Shock Doctrine (2007) e Muddy Girl (2014)
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  • Produção: Me La Debes (2002), The Possibility of Hope (2007), The Shock Doctrine (2007), The Second Bakery Attack (2010) e Aningaaq (2013)
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  • Fotografia/Cinematografia: Recuerdo de Xochimilco (1981), Andante Spianato (1982), Vengeance Is Mine (1983), Una Temporada En El Infierno (1983), San Ciudadano Mártir (1983), Las Palabras (1983), Fuga En Por Menor (1983) e Final de Los Juegos (1983)
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  • Editor: Who’s He Anyway (1983), Vengeance Is Mine (1983), Cuarteto Para El Fin Del Tiempo (1983) e La Divina Lola (1984)
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  • Ator: San Ciudadano Mártir (1983) e Las Palabras (1983)

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Cuarteto Para El Fin Del Tiempo

Cuarteto Para El Fin Del Tiempo é o título de uma famosa obra do compositor francês do século XX, Olivier Messiaen, uma das primeiras obras artísticas a elucidar o chamado “mal do século XXI”: a depressão. A escolha não foi arbitrária. O terceiro curta-metragem de Alfonso Cuarón, ainda feito no século passado, quando estava em seu segundo ano de escola de cinema na Cidade do México, com apenas 21 anos, contempla um estudo particular e melancólico da doença mental, através de um acompanhamento tedioso da rotina um jovem músico (Angel Torriba) se isolando em seu apartamento com sua tartaruga de estimação. Já aqui podemos ver muito das características do diretor enquanto autor, não só na temática da solidão, que viria a ser uma amálgama em sua filmografia, mas no seu estilo de filmagem: valorizando planos-longos, usando o silêncio para o aproveitamento sonoro realista do ambiente, o passeio lento pelos cenários da mise-en-scene na perspectiva do personagem, a montagem cuidadosa nas transições.

O apreço técnico para um filme de estudante é impressionante. O mergulho na proposta é praticamente garantido. É um curta enfadonho, mas propositadamente, pois assim elucida o sentimento que engole o protagonista. Mesmo colocando algumas narrações em off para deixar claro do que se trata a ideia temática,  fala-se somente o necessário e o restante consta em um exercício imersivo na impotência de viver perante tantas incertezas. Talvez falte somente um ponto de virada climático, que em seus longa-metragens futuros acabariam tendo, pela linguagem hollywoodiana. Há um apelo onírico na conclusão que parece vazio de significância, mesmo que a intenção encaixe na proposta, trazendo um sentimento de indiferença um tanto prejudicial ao drama. De todo modo, Cuarteto Para El Fin Del Tiempo serve como um prelúdio a carreira do Cuarón, já demonstrando a sensibilidade diferencial do mexicano.

Cuarteto Para El Fin Del Tiempo (México, 1983)
Direção: Alfonso Cuarón
Roteiro: Alfonso Cuarón
Elenco: Angel Torralba, Ramón Barragán, Guillermo García Cantú, Mariagna Prats, Rafael Sánchez Navarro
Duração: 23 minutos
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The Possibility of Hope

The Possibility of Hope é um curta-documentário/propaganda de Filhos da Esperança, lançado como material bônus no DVD da ficção científica. Nele, Cuarón chama alguns especialistas (cientistas e filósofos) para discutir as problemáticas levantadas pelo seu filme no contexto da realidade, num processo muito semelhante ao que a sua própria ficção propõe. No caso, uma dissertação projetando como essas problemáticas vindas da globalização vão piorar em vários níveis a nossa existência, criando uma afirmativa que o futuro de Filhos da Esperança, em algum momento, deve acontecer de modo semelhante, mas, por de trás, tenta se agarrar a algum símbolo para um futuro melhor.

Estruturalmente, a proposta de entrevistas entrecortadas é a mais básica possível. Há até uma divisão por tópicos em capítulos. O didatismo, no entanto, não soa pedante, pois Cuarón até edita muito bem as falas de modo a se complementarem em uma ideia, cravando o ponto de vista do documentário e do diretor. O problema é que fica perceptível a inteligência dos convidados, mas o direcionamento dado ao material coloca o que eles dizem como algo que já sabemos, por ter visto o filme. Não oferece um complemento real ao assunto destacado, apenas o reafirma na boca de quem tem teoricamente tem propriedade.

The Possibility of Hope (EUA, 2007)
Direção: Alfonso Cuarón
Roteiro: Alfonso Cuarón, Juan Elias Tovar
Elenco: Fabrizio Eva, John Gray, Naomi Klein, James Lovelock, Saskia Sassen, Tzvetan Todorov, Slavoj Zizek
Duração: 27 minutos
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I Am Autism

É surreal que essa propaganda enganosa sobre o autismo tenha sido dirigida por Alfonso Cuarón. O diretor é muito seletivo em seus projetos, certamente não entraria nesse aleatório por dinheiro ou favor. Havia algo que ele acreditava para se prestar a esse papel, o que provavelmente revela o lado mais errôneo da sua personalidade. Basicamente, I Am Autism é a representação mais distorcida possível da síndrome. Aquela visão demonizada ou “coitadista” que ficou muito marcada no imaginário popular nos anos 2000, muito por essa e outras campanhas da organização (que não deve ser a única a ter feito isso) chamada Autism Speaks. Basicamente, o discurso aqui seria aquele usado contra as pessoas homossexuais, sobre a busca de uma cura a uma condição natural humana com o poder da familia.

O curta se inicia com uma voz do mal falando das propriedades do autismo, que ela é tão letal quanto AIDS, câncer, faz com que seu casamento fracasse, leva você à falência, mata sua vida social, destrói toda a esperança, entre outras frases absurdas para criar uma redoma de medo sobre a condição. Logo depois, essa mesma voz ganha ares angelicais com a solução: amor e carinho. O que não está de todo errado: um autista merece ter cuidados especiais, mas o tom do discurso em nenhum momento elucida que os autistas vestidos de branco na imagem, apesar da condição, são pessoas normais e autossuficientes. A construção do curta dá a entender que aqueles com maior lucidez na comunicabilidade, não podem ser rotulados como autistas, como dá a entender na pergunta final – “Autista, você está ouvindo?”. Bem, como diria Joe E. Brown: “ninguém é perfeito”. Definitivamente essa frase vale para Cuarón quando vemos isso em sua filmografia.

I Am Autism (EUA, 2009)
Direção: Alfonso Cuarón
Roteiro: Billy Mann
Comercial Autism Speaks
Duração: 3 minutos

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