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Crítica | Curtas do Oscar 2022: Animação

Um pouco de tudo no material de animação do Oscar 2022.

por Davi Lima
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2022: animação

No seguinte compilado, você encontrará críticas de todos os indicados a categoria de Melhor-Curta Metragem em Animação do Oscar 2022 em ordem alfabética.
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A Sabiá Sabiazinha

O orçamento e o material peludo usado para os animais animados em A Sabiá Sabiazinha criam uma interessante contradição para a simplicidade da história de uma sabiá que queria ser um rato. Com todos os esforços de ser um musical, o interessante da produção é o abraço à fantasiosa inclusão do sabiá numa família de ratos, mas o que negativa a contradição é a própria forma narrativa.

Com um roteiro um pouco mais aberto para cenas musicais, ainda assim ele parece escrito para uma estrutura menor, mas com o visual, se agiganta. A ave protagonista tem seus momentos mais contemplativos numa sequência, e num corte da edição já parece uma história lúdica de um sabiá reagindo a tudo sem nenhuma coordenação motora. O que provavelmente pode encher os olhos do espectador é a mensagem de representatividade da filha torta de uma família de ratos ser aceita, ter sonho de transmutação de ave para rato como desejo de Natal. No entanto, mesmo que emocionalmente tenha  seu efeito com a base visual simpática de tecido, o mini filme se diferencia no escopo do seu universo.

A pequena parcela de mitologia audiovisual dos ru-humanos sendo assustadores e a dicotomia do Natal farto com os restos de comida que o corvo apresenta ao sabiá contempla algo ainda diminuto na proporção da história. Mas a cena explicando sobre a estrela da árvore de Natal e o cenário das casas colocam uma densidade que duela com a fragilidade material da composição visual dos personagens. A introdução do curta, como nascimento do sabiá, dinamiza bem isso, mas quando os diálogos e a trama se desenrolam com essa dualidade entre matéria e universo há um desaproveito da qualidade do design da animação.

Muitos não vão se importar com isso, na medida que o universo dá sustento à história simples a ter pedigree, algo que a Netflix confere na distribuição da produção. O maior curta-metragem de animação no quesito duração entre os concorrentes do Oscar se privilegia pela forma de narrativa medíocre com um refino lúdico de um sabiá fêmea que ser um rato sem ter a identidade de não chamar atenção por ser uma ave conhecida por emitir sonidos e chamar atenção. Essa antítese é a que melhor se integra à contradição interessante da inclusão. O jeito abobalhado da protagonista se repete tanto que se reflete em um  deus ex machina (resoluções fáceis de roteiro sem um agente componente da história).

A Sabiá Sabiazinha é visualmente grande com um pensamento apequenado. Numa réplica, é possível afirmar que a proposta da obra seja essa, de criar uma dicotomia a partir do material “aveludado” de fazer as animações. Por outro lado, detalhes de montagem ritmam bem o roteiro com musical, e não acompanham o design.

A Sabiá Sabiazinha (Robin Robin | EUA, 2021)
Direção: Daniel Ojari, Michael Please
Roteiro: Daniel Ojari, Michael Please, Sam Morrison
Elenco: Bronte Carmichael, Richard E. Grant, Gillian Anderson, Adeel Akhtar, Amira Macey-Michael, Tom Pegler, Endeavour Clutterbuck, Megan Harris
Duração: 32 minutos.
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Affairs of the Art

Joanna Quinn, ao longo dos anos, foi aprimorando sua arte com a personagem Beryl, passeando por temas associados à vida dessa mulher ousada e peculiar com a arte e com os homens. E assim como o estilo do desenho da autora foi alcançando a beleza do visual de rascunho animado, o encontro dessa forma com o conteúdo da obsessão – tema do curta – tem uma harmonia quase automática. Ao mesmo tempo em que o Quinn parece obcecada pelo ritmo e por detalhamentos humanos do traço da boca sincronizada com o roteiro técnico, isto se torna um achado prolixo da autora para expressar algum conceito lúdico e seriamente modernista de hiper futurismo.

De longe essa preocupação com essa conceituação é fundamental na história de Beryl e sua família. A tática clássica freudiana de quem fala é escrava do que diz, e quem fica calado é senhor de si. Conhecemos mais Beryl por falar de seus parentes do que sobre seus parentes em si. A obsessão de sua irmã Bev reflete bem mais como Beryl era obcecada pela estranheza da irmã. Como uma boa desenhista de tudo, louca para retratar e inventar tudo na ponta do papel, contar sobre a irmã devota de Lenin, Trigger e várias outras formas de preservar corpos mortos é um mar criativo para se animar cada detalhe na temática da obsessão. A sinergia da trilha e a movimentação da história entre contar sobre os parentes com um certo realismo, Beryl dialoga com o público e pelo menos dois momentos fantasiosos vão unindo o roteiro, sem muita trava aonde quer chegar.

É como algo escrito sem escaleta de roteiro pensada, embora raciocinada para cenas-chave empolgantes para Joanna dirigir. Por isso, o conceito artístico que a personagem principal busca alcançar na sua narrativa, mesmo que não seja o foco, é o que dá sentido mínimo à união automática do desenho rascunhado e o tema da obsessão que parece querer sair da tela em movimento. Esse pulsar é harmônico, mas só pula mesmo com um background modernista.

A lógica do corpo em movimentos intermediários de movimento, que segundo Beryl, ao usar seu esposo como modelo de corpo, não tem a ver com sexo ou masculinidade, define bem a obsessão artística do curta em geral. Beryl parece uma personalidade extrapolada de Quinn, por isso esse conceito de hiper futurismo tem uma linha tênue de perspectiva inteligível da artista, como também parece uma ironia da autora com a protagonista acerca do tema da obsessão. O que soa mais obsessivo que um quadro abstrato ou impressionista?

Na nudez de Beryl, ou do seu marido, tentando pintar o corpo em tempos diversos, une a história da irmã, o detalhismo do filho de Beryl e a insatisfação da protagonista com o corpo e a perda de oportunidades pela relação com o corpo: a gravidez. Ou seja, mesmo que Joanna Quinn e seu parceiro Les Mills não anseiam por um curta que engrene uma discussão de arte, ao menos isso alavanca em como a história de Beryl e sua família obsessiva conta muito também sobre o modernismo – que por muitas vezes não se interage com o cotidiano, bem diferente do próprio Affairs of the Art.

Affairs of the Art (Canadá – Reino Unido da Grã-Bretanha – Irlanda do Norte, 2021)
Direção: Joanna Quinn
Roteiro: Les Mills
Elenco: Menna Trussler, Brendan Charleson, Joanna Quinn, Mali Ann Rees
Duração: 16 minutos.
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Bestia

Com zooms intensos, uma trilha sonora tensa e o uso do surrealismo, Bestia tenta alcançar uma temática diferenciada: a especulada culpabilidade de um torturador ser punitiva na ficção de uma história nacional revisitada. A animação, como quase sempre, permite a re-imaginação ilimitada. A protagonista com cabeça de porcelana e corpo de pano, embora tenha o mesmo formato de outros personagens na história, pertence a uma imaginação aterrorizante, seja para a história ditatorial do Chile com Pinochet, seja  para a protagonista chamada Ingrid Olderock, agente secreta do governo na época.

As sugestões sexuais entre a tortura e o torturador passeiam por um prazer e uma dúvida, enfatizados pelo surrealismo, a trilha sonora e os zooms de suspense. Existe uma atmosfera punitiva para a personagem enquanto há um mistério empático que vai sendo desvendado para o espectador que não a conhece. Por isso a especulação da punição. Para os conhecedores, pode seguir a linha do prazer; para outros que não a conhecem, é a linha da dúvida a ser traduzida num buraco de bala na cabeça de porcelana. Mas existe um porém que a obra não conta.

A expressão histórica do final, com imagens documentais e a explicação do contexto ditatorial no Chile com pessoas desaparecidas por abusos sexuais, foge da especulação, que em geral a ficção se assume, como o  processo de destruição da personagem no avião, num mero momento de seu cotidiano. O conflito é que a culpabilidade se esvazia para que a história seja revelada como morte natural.

Por um lado a indignação com Ingrid é um efeito calculado pelo que se mostra na história do curta, por outro o terror elaborado na fotografia não tem entrega no final, tem o reverso disso. A cena de pessoas observando a personagem nas nuvens é um desvio surrealista que o curta parece confortável em elaborar, mesmo que perca o  realismo e a tensão que o stop-motion conservava. A descoberta histórica com o processo de suspense em primeiro lugar, garante o sucesso de experiência, mas quando busca entender as arestas do quadrado desenhado pelo diretor, o curta vai da especulação a uma linha dramática melosa, não tanto punitiva quanto uma bala na cabeça de porcelana.

Bestia (Chile, 2021)
Direção: Hugo Covarrubias
Roteiro: Hugo Covarrubias, Martín Erazo
Duração: 16 minutos

Boxballet

Boxballet tem uma dialética (traduzida em: tese X antítese  = síntese) explícita para um conflito visual, criando um drama de contato entre uma bailarina e o boxeador. Entretanto, busca narrar primeiramente o drama romântico dos dois personagens, delegando o diálogo das profissões para o clímax e sujeitando-a à tese e à antítese numa síntese sobre a  Guerra Fria.

A montagem russa é parte da visão dialética do cinema russo a que o curta pertence, e isso está positivamente presente na obra  criando uma boa edição de cenas que sabem contar a história de maneira objetiva, mas que se perde nos signos diretos que a narrativa tenta suspender. A grande dificuldade Boxballet é dramatizar as suas caricaturas quando evita trabalhar com eles. É como se o roteiro só tivesse noção da dinâmica da antítese dos personagens, desenvolvendo apenas a tese do encontro entre  diferentes, como num romance comum.

A síntese com a animação, o utilizar das figuras da bailarina bem magra e do boxeador parrudo, não acontece realmente. Torna-se um adereço para que as profissões sejam os conflitos principais, seja na brutalidade das lutas que significam a tristeza do boxeador, seja no universo do ballet com um professor abusador. Apesar de serem dramas  com uma  “montagem russa”, com o recurso de planos ousados e  frames animados trazerem agilidade técnica para se acompanhar a narrativa de maneira qualitativa – como o boxeador estar numa apresentação de ballet e depois estar numa luta como reflexo da diferença de contextos das profissões e diferença social deles – tudo parece não passar de ilustrações em busca da síntese.

A dialética está toda desenhada na história, mas ela só se resume à passagem dos fatos, não um ritmo que produza uma síntese a partir da animação e os efeitos visuais. Os signos da bailarina e do boxeador parecem se tornar invisíveis para alguma reviravolta da metáfora dos muros que a Guerra Fria causou na Rússia. Existe até mesmo uma busca pela tese da emoção que quebra isso, quando a bailarina, sensível, chora e sensibiliza o lutador. Mas todas essas significações que a animação traduz são postas em segundo plano, estranhamente.

Boxballet (Rússia, 2021)
Direção: Anton Dyakov
Roteiro: Anton Dyakov, Andrey Vasilyev
Duração: 15 minutos.
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The Windshield Wiper

Apesar da narrativa muito frouxa, assim como é a estética de Alberto Mielgo (Homem Aranha no Aranhaverso, Love Death + Robots, Tron: A Resistência), The Windshield Wiper é feito de micro-histórias sobre o amor, na vertente da espera e da prática. A divisão da obra audiovisual é como uma corrida e lapsos de encontros e desencontros amorosos contemporâneos. Num ardor incômodo  para o espectador desolado no amor, ao assistir a união da música e das imagens num fervor romântico para a vida, o curta expõe bem a dinâmica entre o horizonte do prazer e a diversidade na insatisfação nos romances. Pela história temática e a facilidade de escolher canções que sustentam o explícito assunto, surge a possibilidade do argumento unilateral que a obra apenas encanta pelo visual, nada mais.

No entanto, a escolha de Mielgo em introduzir um ouvinte de conversas em cafés e também narrador personagem na janela desses ambientes, conversa com a arte impressionista do diretor bem mais do que a transitoriedade da vida e qualquer filosofia erótica que ele promova para atrair público. Na verdade, a definição da pergunta sobre o amor e a resposta de ser uma sociedade secreta, é o título do curta do tal para-brisa que ajuda os vidros a serem limpos no percurso dos automóveis, por exemplo. O ângulo de apreciar o trânsito não é bom sem um limpador que tire a neve da chuva para se ver além.

Mielgo parece mais cínico do que entregue às paixões que conta, precisamente pela edição de som que capta as conversas de café e pela precisão dos decalques iniciais na tela com a finalização do narrador personagem, que fala para a emulação da fotografia realista de uma câmera. A divisão da duração do curta em ritmos diferentes também indica uma reflexão além do pragmático visual atrativo e música confortante.

A dificuldade do impressionismo ser visto além da superfície e do esclarecimento do movimento estático da tela é o que Mielgo sempre se preocupa com sua arte, e consequentemente seu tema do amor. O “cartoon-motion”, ou alguma definição parecida de sua estética realista e detalhista com o cartunesco frouxo e lúdico, tem relação com o impressionismo atrativo mediante as vezes que se enxerga e os ângulos que se captam no movimento de se assistir ativamente.

Logo, a ideia mais passiva de captar informações, que o cinema nos acostumou atualmente, é desafiada pelos movimentos dos personagens e as histórias de amor em trânsito, secretamente observadas no ambiente urbano. A falha de Mielgo é criar um conforto, como uma película de tela do celular para não arranhar, mas o registro moral dos amores modernos se confrontam naturalmente com o começo e o final do curta.

O começo pela edição de som de conversas em cafés, o final pelo mesmo motivo, mas ainda mais pela quebra de ritmo que questiona o conforto do trânsito do amor antes da morte, como diz a música que toca no curta. Mielgo ao registrar o secreto com doçura demais traduz perfeitamente a insatisfação na mesma medida de uma sociedade que depende demais desses encontros e desencontros, ignorando compromissos que sejam além dos sentimentos de gritar para vestidos na fachada de lojas, como se o morador de rua conversasse com sua ex-parceira. O “cartoon-motion”, nesse sentido, com o detalhismo misturado com a ausência dele, faz o casamento, o compromisso amoroso de conteúdo e forma que Mielgo parece entender muito bem nas composições dos ângulos, quadros e histórias que se movimentam entre eles.

The Windshield Wiper (Espanha – EUA, 2021)
Direção: Alberto Mielgo
Roteiro: Alberto Mielgo
Elenco: Eboni Adams, Kara Dyan Whitfield, Fanny Rosen, Charlie Bean, Jake Bercovici, Zachary Rosencrantz, Andrew Calder, Anca Tiribeja, Alberto Mielgo
Duração: 15 minutos.

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