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Crítica | Curtas do Oscar 2022: Live-Action

O cinema apelativo de temática urgente domina o Oscar.

por Michel Gutwilen
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No seguinte compilado, você encontrará críticas de todos os indicados a categoria de Melhor-Curtas Live-Action do Oscar 2022. Leia as críticas e mande seu comentário!.

The Long Goodbye

Em termos de linguagem cinematográfica, a parte mais interessante de The Long Goodbye é a sua “primeira metade”, com a introdução da vivência de ingleses-paquistaneses a partir do microcosmo familiar que existe em um caótico apartamento, com o som sendo o elemento central para catalisar esse cabo de guerra cultural. Mistura-se o inglês com o urdu, os personagens vão atropelando as falas uns dos outros, o som da TV  e o da rádio se sobrepõem aos diálogos da casa. Tudo isso contribui para um choque bastante fluido que é representado através de uma guerra de ruídos, a ponto de importar menos o conteúdo que se escuta e mais o contraste de sons, o que não deixa de conferir já, desde seu início, uma musicalidade ao filme. Em ritmo da montagem e também da direção, Abel Karia opta em fazer um exercício progressivo de ansiedade que parece algo como um filme dos irmãos Dardenne com os Safdies, misturando a câmera na mão tremida com uma velocidade acelerada que tenta acompanhar uma realidade intensa e sufocante no seu ambiente interno, mas que também acabam sendo escolhas que deixam uma pulga atrás da orelha se elas seriam apenas muletas estéticas para esconder uma péssima edição/direção.

À primeira vista, The Long Goodbye pode fazer um estranho movimento de ruptura com sua narrativa nos minutos finais, quando o personagem de Riz Ahmed, praticamente voltando a ser o próprio ator e saindo de sua interpretação, quebra a quarta parede para fazer um monólogo-musical denunciador. Ora, na verdade, o curta em questão não é nada mais do que uma parceria do ator, que também é rapper, com o diretor Aneil Karia, para realizar uma espécie de versão visual de um trecho de seu novo álbum musical (de mesmo nome), que carrega em suas letras temas sobre a extrema-direita e xenofobia no contexto pós-BREXIT da Inglaterra.

Com essas informações em mente, percebe-se que a narrativa é criada já pensando em chegar naquele seu clímax final musical. Isso tira a credibilidade (o que é diferente de verossimilhança) do filme, pois se percebe que seu objetivo é apenas criar uma situação maniqueísta e apelativa que dê força ao discurso final. Do pior jeito possível, o discurso precede o Cinema, que se torna literalmente subjugado a ele. E se entrarmos em termos de representação da imagem enquanto uma escolha moral, não deixa de ser irônico que o filme precise reproduzir, em imagens, justamente aquilo que ele busca um fim, se inserindo dentro do próprio ciclo de violência. 

Por isso, encerro parafraseando o crítico português Carlos Natálio, de À Pala de Walsh, na ocasião do filme Listen: “Acho que é um daqueles casos em que o filme procura encaixar na política e não o contrário. Assim sendo, as personagens são caricaturas sociais que servem para ilustrar uma comprovada situação real de injustiça. O filme corre para chegar às cenas e espaços de confronto – as lágrimas, os gritos, a revolta – para nos mobilizar para uma causa. Mas não estávamos já nesta causa, antes de existir o filme? Assim sendo, o que mudou? No mundo, em nós?”.

The Long Goodbye (Idem, 2020) — Reino Unido
Direção: Aneil Karia
Roteiro: Aneil Karia, Riz Ahmed
Elenco: Riz Ahmed, Hussina Raja, Javed Hashmi, Sudha Bhuchar, Rish Shah, Ambreen Razia, Taru Devani. Reynah Rita Oppal
Duração: 12 min..

On My Mind

A partir da perda de sua filha, o diretor Martin Strange-Hansen (que já ganhou o Oscar de melhor curta-metragem em 2002) decide transformar sua experiência traumática em uma narrativa ficcional, como tantos outros cineastas já fizeram. O que mais chama atenção no curta-metragem é a sua opção por reter ao máximo, do espectador, a verdadeira motivação envolvendo a tristeza do protagonista, o que por sua vez é uma condição que se faz visível desde o seu início. Sabemos que ele foi para um bar de manhã, está bebendo e insiste em gravar a si mesmo cantando a música On My Mind no karaoke, que parece ter um sentido especial para ele. Mas o que aconteceu? Alguém morreu? Se sim, quem? Ele foi largado amorosamente? 

Em um primeiro momento, confesso que até olhei com desconfiança para essa tentativa de ocultação de uma informação que poderia ser dada desde o princípio, como se ele buscasse o “choque” da revelação final, mas essa seria uma leitura mau humorada do filme. Na verdade, essa escolha narrativa parece levar a um exame de consciência a partir de uma moral sobre não julgar os outros apenas por sua aparência, sem conhecer sua história. Tanto nós, espectadores, quanto o dono do bar, um homem ganancioso, julgamos o protagonista sem a sua devida contextualização. Ora, à primeira vista, ele parece um bêbado, um mendigo (barbudo, não possui dinheiro suficiente…) e que canta terrivelmente desafinado. Neste sentido, o próprio ato de cantar no karaoke se torna narrativamente um obstáculo a partir dos desejos de interrupção por causa do dono, que deseja o valor que o protagonista não possui. De maneira explícita, a insensibilidade do capital se contrasta com um valor sentimental inegociável que ainda não sabemos exatamente sobre o que é. Assim, é dentro deste contexto que surge o final do filme, desconstruindo a imagem previamente criada e dando sentido a seus significados ocultos. 

Portanto, até chegar a esta desconstrução, será justamente o ato de tentar capturar pequenos momentos mágicos (como de um filme natalino de Frank Capra) que o Strange-Hansen vai acumulando uma força, como se estivesse contida, até chegar ao seu final, no qual ela se liberta. A marca das digitais de uma mão na janela, um vento que bate como se fosse uma entidade, o orvalho em um copo de vidro, o palco do karaoke. Todos esses pequenos acontecimentos “normais” ganham aqui são filmados com contornos místicos. No fim, o gesto mais bonito que o diretor-pai concede à memória de sua filha é acreditar que sua presença continua existindo no mundo e no Cinema, em um filme-terapia sobre finalmente aceitar sua libertação.

On My Mind (Idem, 2021) — Dinamarca
Direção: Martin Strange-Hansen
Roteiro: Martin Strange-Hansen
Elenco: Rasmus Hammerich, Camilla Bendix, Sissel Bergfjord, Ole Boisen, Adam Brix, Anne-Marie Bjerre Koch
Duração: 18 min..

The Dress

No primeiro momento do média-metragem polônes The Dress vemos a rotina de Julka (Anna Dzieduszycka), que possui a condição de nanismo. Assim, uma introdução se estabelece a partir de sequências que vão explorando a solidão, principalmente sexual, da protagonista, além das dificuldades de aceitação que a mesma possui. Vemos a personagem sofrendo preconceito na rua, há planos dela fumando sozinha olhando sem esperanças para o extracampo, vemos ela se masturbar nas sombras de seu quarto, assim como ela se encarando no espelho com uma dificuldade em olhar para sua forma física. Neste sentido, os símbolos escolhidos pelo diretor e roteirista Tadeusz Łysiak pertencem mais a uma esfera de identificabilidade universal do que a particularidades do nanismo, podendo estas cenas pertencerem muito bem a qualquer coming-of-age sobre uma adolescente insegura ansiosa para ter sua primeira vez.

Passando para um segundo momento, a solidão dá espaço à esperança, a partir do surgimento de um homem com quem a protagonista passa a trocar olhares, posteriormente se tornando a promessa de um encontro. Deste modo, a cena de masturbação no primeiro ato, que antes era solitária e escura, agora sofre o contraste de um momento ensolarado, no qual a própria câmera parece fazer mais questão de evidenciar o corpo de Julka, como se esquecesse a vergonha que ela sente dele. Igualmente, os olhares vazios para o extracampo agora se tornam sorrisos bobos ao vento e há um momento em que Julka se olha no espelho, só que desta vez se sentindo empoderada ao se vestir para o encontro. Ou seja, a despeito de uma certa direção muitas vezes protocolar, a estrutura de contraste entre os momentos de cada atos permite ao filme adquirir uma certa força. Por outro lado, The Dress também vai muitas vezes para o lado do “filme de ator”, optando por inserir em seu roteiro cenas expositivas de conversação, nas quais a protagonista chora e grita pela frustração de sua condição, o que se torna uma certa redundância diante das sequências mais silenciosas na qual já era possível entender toda sua dor sem precisar dizer uma palavra. Bem, particularmente, eu prefiro filmes que me mostrem do que aqueles que me digam. 

Chegando em seu clímax (o encontro), The Dress opta novamente pelo caminho do pessimismo. O encontro que culmina em sexo cheio de sensualidade rapidamente se transforma em um breve filme de terror no qual a protagonista fica perto de ser violentada, além de descobrir que o homem teve relações com ela apenas um fetiche. Após voltar para casa desolada, nos é oferecido um plano final no qual a personagem olha uma mulher nua, deitada de costas. Não há como não dizer que se trata de uma loira, com um corpo definido e de alta estatura, ou seja, tudo que Julka gostaria de ser. Se ela é fetichizada durante o sexo, seu olhar é o mesmo que fetichiza o corpo feminino do Outro. Estranho que o filme decida acabar desta forma, com a predominância do sentimento de “inveja”. 

É neste terceiro ato que o filme me perde, já que sinto que ele dá uma volta em um círculo apenas para voltar ao sua condição inicial, sem mudanças. Ora, quando The Dress começa, a protagonista é infeliz com sua condição de nanismo e o espectador obviamente já chega ao filme consciente de todas as dificuldades que quem possui tal condição sofre. Assim, quando o filme acaba, todos continuam exatamente na mesma condição, público e espectador. É claro que há de se falar em como o filme joga uma certa luz na questão da negação social ao prazer de um corpo com nanismo, que quer transar como qualquer outro, mas ainda assim não sustenta a sua longa jornada de trinta minutos. Por isso, talvez o único ponto de escape da obra de sua sensação de mesmice seja justamente o seu universalismo. The Dress funciona muito menos como uma narrativa sobre nanismo e mais como um filme feminista. Importa mais ao clímax revelar que todo homem pode ser um babaca, e que, tanto Julka, uma mulher com nanismo, quanto sua colega de trabalho, sem nanismo, que fora abusada por seu marido, podem ser vítimas apenas por serem mulheres.

The Dress (Sukienka, 2020) — Polônia
Direção: Tadeusz Łysiak
Roteiro: Tadeusz Łysiak
Elenco: Anna Dzieduszycka, Dorota Pomykała, Szymon Piotr Warszawski, Andrzej Glazer, Lea Oleksiak
Duração: 30 min..

Take and Run

Desta leva de curtas de ficção live-action do Oscar, Take and Run é o mais ausente de qualquer ideia de mise-en-scène. A direção aqui se reduz à mera tradução “eficiente” do roteiro em imagens da forma mais ilustrativa possível, sem tomar qualquer escolha artística no processo — obviamente não há nem o que falar sobre a câmera tremida na mão como muleta de uma geração de cineastas políticos sem a menor noção de gramática cinematográfica. 

E aí se o filme é despido de qualquer ideia no cenário de Cinema, sobra apenas a “narrativa” para se pensar, o que talvez seja pior ainda. Dá para dizer que este é quase que um curta “institucional”. Afinal, o objetivo primário de Take and Run é denunciar o grave problema cultural de países do Oriente em que homens de vilarejos menores raptam mulheres para serem suas esposas, indo na contramão de uma geração mais jovem que quer ir para a cidade com mais liberdades e oportunidades de estudo. 

O problema é que o filme nunca consegue existir em si, só há a denúncia. Foi como se pensassem (ou melhor, não pensassem) na história mais simples possível para suportar uma situação que se encaixasse no tema e servisse para exportar a denúncia política em formato de filme para o exterior ocidental. Só que isso não basta, não há nem Cinema enquanto imagem e nem desenvolvimento narrativo. Tudo se desenvolve em uma primeira camada muito superficial que não se aprofunda em nada, nem em relacionamentos de personagens, desdobramentos da fuga ou até uma maior investigação da cultura daquele país. São 38 minutos enfadonhos de voltas que não chegam a lugar nenhum, de uma protagonista e uma jornada de sofrimento que só existem enquanto experimento para comover a nós, o público ocidental que consome Oscar. 

Take and Run (Ala Kachuu, 2021) — Quirguistão, Suíça
Direção: Maria Brendle
Roteiro: Maria Brendle
Elenco: Alina Turdumamatova, Nurbek Esengazy Uulu, Madina Talipbek
Duração: 38 min..

Please Hold

Please Hold é como se fosse um episódio de Black Mirror, só que ao invés de seu moralismo ou sem se achar mais esperto que o espectador, preferisse rir com o espectador do absurdo que pode ser o futuro da sociedade através de uma estética camp. Sim, atuações exageradas, uma caricatura da figura do latino autoconsciente, até efeitos especiais de “filme B”, uma direção com cara de filme pra TV e um humor absurdo. Qualquer um que disser que acha o filme “mal feito” não está prestando atenção em todos os elementos propositais que se ligam a proposta do curta.

Justamente por esse motivo também acaba sendo o melhor curta da categoria do Oscar. Todos os filmes possuem um conteúdo sensível e político, mas Please Hold, diferente dos outros, não bota o discurso na frente do Cinema, sem recorrer a atalhos por caminhos apelativos através do choque, mas se focando apenas em fazer um filme de gênero. A política vem naturalmente do que se vê em tela. O que chamo de filme “honesto”.

Tudo bem que por alguns momentos são escolhidos alguns lugares comuns do que se pode esperar de uma distopia sobre prisão, como todo o esquema de pontos a partir do trabalho para conseguir trocar por ligações telefônicas, mas por outro lado há também um lado criativo como na possibilidade do robô probabilístico que antes da audiência dá a porcentagem de chances de vitória, permitindo ao acusado desistir apenas pela probabilidade. 

No geral o curta consegue gerar bem o sentimento de “terrir” (terror + comédia), principalmente pela frustração que se gerar diante do acúmulo absurdista de diversos processos burocráticos, como os comerciais que precisam ser vistos ou ele ter que aceitar um termo de compromisso, ou pela ideia de prisão desumanizada através de diálogos completamente absurdos com robôs que não entendem suas particularidades. Só isso tudo já vale e pelo menos é rápido o suficiente para não se tornar repetitivo e também dinâmico na montagem para não se tornar. Sim, em seus temas estão assuntos sérios como obviamente a discriminação contra o imigrante latino na América, as prisões arbitrárias, as prisões privadas, a desumanização do trabalho, da mentalidade capitalista etc., mas tudo flui com muita despretensão e sem a menor pompa de “filme importante ou urgente sobre os tempos de hoje”.

Please Hold (Idem, 2020) — EUA
Direção: K.D. Dávila
Roteiro: K.D. Dávila, Omer Levin Menekse
Elenco: Erick Lopez, Daniel Edward, Mora Doreen Calderon
Duração: 18 min.

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