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Crítica | Curtas do Oscar 2022: Documentário

Documentando os sem-teto, jogadores e românticos infantis.

por Davi Lima
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Curtas Documentário Oscar 2022

No seguinte compilado, você encontrará críticas de todos os indicados a categoria de Melhor Curta-Metragem em Documentário do Oscar 2022 em ordem alfabética.
. Curtas Documentário Oscar 2022

Audible

Bons documentários muitas vezes conseguem quebrar a barreira do puro registro da pesquisa de fontes, documentos e entrevistas, ampliando as possibilidades desses fatores criarem uma narrativa tão viva quanto uma ficção arquitetada. Audible pertence a essa espécie de curtas-metragens documentais. Não é apenas pela direção de Matthew Ogens conseguir expressar o universo dos surdos que ele acompanha na história real na escola de Maryland, com sons e imagens do audiovisual; o principal é a assertividade do diretor em escolher tão bem seu tema específico a ponto de seu tema geral sobre a inclusão dos surdos na sociedade ter seu ponto de transição e sua problemática desenvolvida pela história de um personagem. Amaree, o principal entrevistado, surdo e jogador de futebol americano, é bem relacionado como fonte pelas conexões que proporciona como tema específico de uma pesquisa sobre os desafios dos surdos na juventude.

A narrativa que começa com a queda para chegar na vitória do jogo não é o que mais importa, pois é o desenho que proporciona a realidade famosa. O time de surdos de Maryland com 42 vitórias seguidas, ao perder, cria uma insatisfação ainda mais profunda, especialmente por estar perto do homecoming, a tal formatura dos estudantes, o passo para a vida adulta. A motivação da vitória, ao mesmo tempo, vai ganhando detalhes, como a homenagem a um garoto surdo chamado Teddy, depois da tragédia em sua vida pelo bullying sofrido numa escola de não surdos. Esse cenário é bem selecionado por Matthew Ogens, porque enquanto Amaree tem o drama de ser o único membro surdo da família e não ter crescido com seu pai, suas entrevistas acessam do íntimo ao mais expansivo do esporte na escola, e como esse espaço de surdos cria uma comunidade motivada a se superar, mostrar como vivem como pessoas comuns. Há uma narrativa de high school comum, onde o jogador de futebol namora com a animadora de torcida, o jogo importante é o drama, enquanto no processo de treinamento, Amaree expurga suas preocupações.

Com uma trilha sonora facilmente imersiva, a ideia das vibrações que o surdos conseguem sentir, a montagem segue o ritmo dos movimentos, assim como o protagonista usa seu amplificador auditivo para ouvir música para se acalmar. Ora, a máxima que o curta quer trazer é a proximidade da realidade dos surdos como algo normal, sem perder de vista como a sociedade ainda não os inclui fora da comunidade. Então, esse detalhismo da vida do jogador é a esperança da inclusão, mesmo com o medo da vida adulta fora de Maryland. O jogo é um impulso de confiança, jogando contra não surdos de outra escola, assim como o pai de Amaree, levando-o para a igreja e utilizando o testemunho deles como uma pregação, traz uma espiritualidade sensitiva para tratar com a morte de Teddy. São campos dramáticos que vão se conectando e se abrindo em volta da narrativa de um jogador surdo que representa uma nova fase de expectativa que o seu amigo Teddy não teve no mundo fora da comunidade surda.

Audible, dessa forma, é o recorte muito bem escolhido para ser documentado e perfurar fronteiras e problemáticas dos surdos na sociedade. O esporte, a vida familiar, a vida escolar, tudo isso envolta de Amaree é desenvolvido com técnicas audiovisuais que implementam tanto uma montagem de suas entrevistas com seu percurso ao homecoming, como também de sua vivência de vibrações. Tudo é ouvido de outra forma, afinal.

Audible (EUA, 2021)
Direção: Matthew Ogens
Elenco: Amaree McKenstry-Hall
Duração: 39 minutos
. Curtas Documentário Oscar 2022

Onde Eu Moro

Curtas Documentário Oscar 2022

Não é de hoje que a Netflix tem distribuído curtas documentários focados na questão das políticas públicas americanas. Teve o End Game (2018), sobre pacientes em hospitais próximos à morte, e outro chamado American Factory (2019) que retratava o mercado de trabalho americano em disputa com os asiáticos. A política dos EUA em relação à liberdade entra em choque nesses documentários, pois assim como Onde Eu Moro há uma pretensão de apelo emocional objetivo com denúncia engajada. Nisso, o caráter temático-visual de um curta se abstrai.

A qualidade dessas obras se baseiam na sua relevância mais imediata e nos ganchos que fazem o público chorar. O qualitativo pode ser questionado, assim, em como cria-se um desleixo com vidas sendo documentadas com tantas intenções propagandistas para um objetivo de denúncia. Numa estrutura de dependência interpretativa, apenas com base nas imagens e relatos, a história de pessoas sem-teto em Seattle, Los Angeles e São Francisco são confrontadas com a “espionagem” da fotografia que passeia pelas cidades do recorte do tema tratado. Mostra-se as pessoas em casas, no conforto, enquanto os sem-teto, fazendo as mesmas ações, acordam na barulheira das ruas, no desconforto sonoro e físico. E para enfeitar ainda mais esse registro, a trilha sonora do curta enfatiza ainda mais esse drama, com sons graves.

Esses recursos de imersão são interessantes para introduções, mas a montagem do curta nunca sai desse cenário. Na apresentação de vários sem-teto, há a escolha de 4 narrativas para se detalhar, além da diversidade das entrevistas feitas aos variados rostos que comentam da situação sem moradia. No entanto, como o fundamento é fazer o espectador chorar o mais rápido possível, para se adentrar na denúncia à  falta de moradias nas cidades citadas, logo um morador é perguntado sobre a situação e a câmera espera ele chorar. Não se questiona a legitimidade das emoções, e sim a instrumentalização delas, o tempo dado em tela e como as pessoas são gravadas em meio ao rolo de cenas gravadas das cidades, como uma integração insensível. A ideia é o conflito e ajuda nas transições das histórias, mas vai tornando os dramas dos cidadãos picos de uma preparação desleal de terreno. Soa desleal porque o efeito da câmera passeando pela cidade cria um amaciamento. A trilha sonora, algo artificial no curta, explicita isso, sempre tentando tornar os registros reais ainda mais dramáticos.

Junto disso, os cortes da edição de cenas com uma das narrativas dos sem-teto são rápidas, como se entregasse fast food de pessoas chorando. Entretanto, Onde Eu Moro “salva-se” minimamente em sua produção por também deixar clara algumas intenções dessa manipulação emocional e imediatista. Os registros de políticos discutindo sobre o problema de moradias nos bairros das cidades e o uso de discursos deles entre essas conversas são bem utilizados para amenizar as “ofensas” audiovisuais que o documentário parece traduzir. Literaliza-se tudo numa denúncia necessária e urgente, justificando algumas escolhas para o tratamento temático-visual. A abstração de qualidade não é desculpa, entretanto, o documentário se assume imediatista e manipulador como propaganda de denúncia. As cenas da cidade acabam bem colocadas, como uma reprodução mais geográfica que passeios, como necessárias para amostras que políticos precisam enxergar ao considerar seu poder. Logo, evidencia-se o preconceito existente dos moradores com a política pública de novas moradias, engajando ainda mais o curta no preceito da liberdade americana.

Onde Eu Moro (Lead Me Home | EUA, 2021)
Direção: Jon Shenk, Pedro Kos
Roteiro: Jon Shenk, Pedro Kos
Elenco: Seattle, Los Angeles, São Francisco, moradores sem-teto, entrevistador, etc
Duração: 40 minutos
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The Queen of Basketball

Curtas Documentário Oscar 2022

Um filme sobre a simpatia da entrevista gravada frontalmente com a grande jogadora de basquete Lusia Harris e a elaborada narração visual com documentos de foto e vídeo. O chamariz de Queen of Basketball é essa montagem do “entre” a personagem falando conosco, em toda a sua fala pausada e com interjeições nos contando sua história, enquanto vídeos e fotos se alteram pela fala dela e ilustram o que ela diz. Embora haja esse sustento de qualidade no olhar de cima no como as cenas são editadas, a temática perde força por uma mínima indecisão técnica.

O trato da imagem em mostrar Lusia no presente, antes de sua morte em janeiro de 2022, cria uma lacuna. O movimento visual da fotografia se expandindo, como se alterasse o tempo, para mostrar Lusia na garagem da sua casa com a família, parece tratar o tempo como mero ritmo. A história da primeira e única mulher convocada para jogar na NBA, entre os homens, é grande demais para que essa revelação seja um clímax da escolha dela cuidar da família em vez de jogar profissionalmente. Porque o gancho disso é exposto para se fazer uma crítica à falta de oportunidades das mulheres ao estrelato.

O curta até tenta compensar o tempo para afiar essa crítica quando usa artimanha visuais, alterando as fotos dos jogos de basquete em cores negativas, naquele filtro “ghost” para causar impacto. Mas a grande verdade é que a maneira como a ex-jogadora se revela e simpatiza com a possibilidade de ser entrevistada é muito mais importante. Estranhamente é como se o documentário abordasse seu tema de maneira incisiva como conflito narrativo da protagonista, não como construção de um drama. Entenda como o jogo de imagens empolga com a música, nos anima para ver a trajetória de Lusia, quando a reviravolta…não necessariamente insere o conflito, programa-se o conflito.

Lusia escolher cuidar da família e se mostrar associada ao basquete por diversão e amor ao basquete não é um drama, é um percurso que se molda nos últimos instantes como problematização. É muito tarde para a metragem do curta, mesmo que o questionamento acerca da igualdade da profissionalização seja relevante e engajada dentro da história da protagonista, fruto de investimento público para incentivar mulheres a jogar basquete. Apesar de uma indecisão temporal com o tema, além de conhecer Lusia é difícil não sorrir com a simpatia da falecida rainha do basquete.

The Queen of Basketball (EUA, 2021)
Direção: Ben Proudfoot
Elenco: Lusia Harris, Oscar Robertson, Larry Bird
Duração: 21 minutos
. Curtas Documentário Oscar 2022 Curtas Documentário Oscar 2022

Três Canções para Benazir

Curtas Documentário Oscar 2022

Uma história afegã de amor nacionalista, documentando a desigualdade, a insegurança do Estado do Afeganistão e a vida ordinária de um casal para expor também responsabilidades familiares com teores religiosos. É um curta que no íntimo trata da masculinidade de Shaista, um jovem recém casado que ainda não é um homem fora do romantismo. O nacionalismo é atrativo, as músicas que canta são suas interações com a esposa e o trabalho não é levado tão a sério, o que mais importa questionar os balões de espionagem que sobrevoam o céu. A esposa Benazir é o objetivo próximo de sacrifício, mas que o jovem ainda não enxerga. Sua jornada para se tornar homem, mesmo que alcance um pesar ao final da história, fixa a crença na importância da família como sobrevivência, mesmo que reste pouco para viver com ela.

As músicas para Benazir se tornam mais fortes quando o ambiente não é apenas romântico, como se fosse uma luz em meios às trevas, quando antes era mais um ponto luminoso na visão de Shaista sempre alegre. O casamento cria um elo de justificativa de vida e de melhora para ele, quando em meio aos problemas de desigualdade no país do Afeganistão, e por uma reflexão sobre o sacrifício que o casamento impõe, o que vai mais importar é preservar a geração, os filhos, e a esposa, a escolha romântica que se sustenta. Ao mesmo tempo que se pode ter essa interpretação, na maturidade vê-se a necessidade de indignação com a pobreza da família de Shaista e como o trabalho na plantação de ópio, que garante mais dinheiro, acaba sendo perigoso.

Entre plantar ópio, fazer tijolo ou ir para  a guerra, o romântico tem justificativas para lutar pelo Afeganistão. Vai ser treinado e estudado, saindo do buraco da desigualdade, nem sendo tão romântico assim. Mas o outro lado romântico e realista é o casamento. O matrimônio concede também a masculinidade ao menino se tornar homem em uma cultura mais conservadora e religiosa com os termos das responsabilidades de Shaista com Benazir. A música dele para ela é também seu dever. Os seus familiares dizem: não podemos cuidar dela por você. Ele os considera covardes, mas aí entra-se a ambiguidade sobre o romantismo e a responsabilidade do casamento em uma família.

Ao fim, Shaista parece pertencer à história que quebra o padrão de “o que se colhe é o que se planta”, mesmo que literalmente isso tenha a ver com o ópio e a plantação. Porque, afinal, o trabalho trágico direcionou qual o romance mais maduro pela circunstância do protagonista. As músicas românticas são necessárias, mas elas sempre tem uma direção, uma porta do tempo que não pertence ao básico “causa-e-consequência”.

Três Canções para Benazir (Three Songs for Benazir | Afeganistão, 2021)
Direção: Elizabeth Mirzaei, Gulistan Mirzaei
Elenco: Shaista, Benazir
Duração: 22 minutos
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When We Were Bullies

Curtas Documentário Oscar 2022

O bullying como apetrecho documental dificulta a elaboração de uma mediação conciliadora, buscando  privar as fontes de pesquisa a quem fez o bullying. O processo de saudosismo da escola como parte da visita a ela e as colagens lúdicas da edição como rememoração do ato do bullying não fragiliza o tema, apenas mostra como ele é distante de quem o pratica na escola.

A professora diz que Jay, o diretor do curta, lembra do ato de bullying retratado no curta porque ele participou. Essa é a constatação mais afiada e problematizadora da investigação do curta. A magia do autor que relembra de uma questão na escola mediante ao seu trabalho de direção cinematográfica e decide tratar com os bullies vai se perdendo no realismo que são as interações de Jay com Ritchie, na utilização de vídeos antigos românticos e na narração fúnebre, deslocada dos outros formatos. O diretor até tenta se justificar constantemente, abusando da narração, até chegar no principal problema quando se trata de fontes históricas.

Existe uma passagem específica do curta When We Are Bullies quando mostra a foto do anuário e há uma pretensa criatividade de expor a voz dos ex-alunos por cima da fotografia estática, que é registrada nas escolas dos alunos na época. Essa ilustração da voz também indica o que Jay interpreta de fontes como essas, registros parados no tempo, sempre reaproveitando as fotos pequenas para ilustrar a turma em dimensões diferentes. Ele se esforça nisso pela limitação de estender a vida que uma fonte histórica tem, buscando explorá-la por métodos do cinema experimental.

Os anuários, além de reconhecimento do passado, servem como base para o presente. A insistência de Jay em girar em torno da página do anuário, criando até um mistério dramático, na verdade é uma superfície falsa de associação com o presente. Por isso a história parece distante da mensagem de desculpa e culpa. Ele sempre retorna à fonte sem praticar diacronismos ou sincronismos, apenas o anacronismo nos vídeos ilustrativos das escolas da década de 60 e 70. Infelizmente o bullying é distanciado dos adultos que cresceram e veem a escola como um momento de reencontro, não para pensar como eles podem ter traumatizado alguém por toda a vida por um ato “infantil”.

When We Were Bullies (EUA, 2021)
Direção: Jay Rosenblatt
Roteiro: Jay Rosenblatt
Elenco: Mark Athitakis, Ruth Bromberg, Wendy Newman, Jay Rosenblatt, Richard J. Silberg
Duração: 36 minutos

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