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Crítica | Curtas do Oscar 2023: Animação

Experiências fabulares, cotidianas e sobrenaturais em animação.

por Davi Lima
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No seguinte compilado, você encontrará críticas de todos os indicados a categoria de Melhor-Curta Metragem em Animação do Oscar 2023 em ordem de indicação do Oscar. Mas, antes, uma ressalva: o curta-metragem O Menino, a Toupeira, a Raposa e o Cavalo, disponível no Apple TV+, tem crítica própria no site, bastando clicar no link em questão. Vamos aos demais concorrentes então?


My Year of Dicks

Esse curta é um daqueles bons exemplares de transformar memória em audiovisual. A adaptação da roteirista Pamela do seu próprio diário sobre garotos e coisas constrangedoras é bem pragmática: divisão de atos sobre um ano buscando perder a virgindade. O quão boa é a adaptação é difícil de conferir realmente sem uma análise com o roteiro e o diário em comparação. Porém, podemos bem saber que a diretora Sara Gunnarsdóttir conversou bem com Pamela para modelar não apenas a imaginação íntima da roteirista como refletir com o 2D a fluidez da temática sexual – que confere as ilusões.

A sexualidade não se baseia apenas em sentimentos, mas se baseia em sangue, medo e política também. Só com esses fatores se formam fetiches, em que o desejo provoca uma infinitude de pensamentos sobre outra pessoa que se queira compartilhar o ato sexual. My Year of Dicks é uma mistura do que é o sexo na mente e no físico, estando no meio termo entre o lírico visual e o realismo biológico da coisa toda.  O curta segue numa ambiguidade acerca disso, tanto no aspecto de aprendizagem, quanto no aspecto da experiencia juvenil, apesar do título indicar uma linguagem chula. Essa ambiguidade é bem cinematográfico, em que a diretora caracteriza alguns atos, em planos de fotografia também, como um gênero específico do cinema, de animação, ou de série de TV, para expurgar pensamentos da protagonista.

Assim, a qualidade que a gente assiste na obra é partir dos atos que Pamela seleciona do seu diário, de maneira progressiva e direta na tela – colocando títulos para cada momento com garotos específicos -, para nos entregar tanto base do que uma mulher pode desenvolver na mente quanto ao sexo, quanto o que se fala por aí sobre sexo – seja na TV, seja em casa. Pamela torna didática suas imaginações, Sara bagunça para ficar mais legal de se assistir. E no final, ainda há o romance real, aquele que se coloca vulnerável, e não apenas é passivo para acabar com a virgindade. Entre um vampiro, um nazista e um “francês” do cinema, é sempre certo que a realidade prevalece – incluindo a conversa com os pais sobre sexo.

My Year of Dicks (EUA, Islândia 2022)
Direção: Sara Gunnarsdóttir
Roteiro: Pamela Ribon
Elenco: Brie Tilton, Jackson Kelly, Klarissa Hernandez, Chris Elsenbroek, Sterling Temple Howard, Mical Trejo, Sean Stack, Dylan Darwish, Chris Kelman, Laura House, D. Ribon Upton, Martinique Duchene, Pamela Ribon, Ira Carling
Duração: 24 minutos.

 

Ice Merchants

A preciosidade de assistir Ice Merchants é o alto grau de melancolia e medo, que inesperadamente podem formar uma equação que o resultado é paz. Desde da fotografia da animação 2D com planos isométricos – aqueles que vemos algo de cima, como um mapa – aos planos invertidos de movimento vertical – ou qualquer produção visual que nos dê o sentimento de aventura ou ação -, o diretor João Gonzalez formula um drama. Esse drama, composto por um suposto pai e filho, envolve o ordinário do dia de trabalho de vender gelo com o ordinário tempo, que muda temperatura e nos dá tanto sentimento de progressão quanto de repetição. É como um tempo histórico e um tempo natural. Por meio das cores, ou da ausência delas, esse ordinário se torna extraordinário, na medida que o ingrediente do medo e da melancolia são postos a cada boné comprado e perdido na floresta do pai e do filho.

O extraordinário é o conflito do curta. A cada detalhe mostrado da casa do pai e do filho, ou da ação de se trabalhar vendendo gelo – ou até mesmo brincar no balanço de uma casa na montanha – é um misto de imensidão com beleza. Isso vai sendo acostumado pela repetição do trabalho, amenizando a loucura que o pai faz de saltar de paraquedas todo dia para vender gelo com o filho. Mas ainda assim fica registrado o risco de se morar e de se trabalhar, ou brincar, nesse dia a dia dos dois personagens. Esse registro serve como erupção para o tempo natural (temperatura, liquidificação, entre outras ações da natureza) mexer no tempo histórico (as ações humanas que nos acostumamos no curta). Tudo isso acompanhado por uma melancolia escondida, de alguma morte, talvez de uma mãe que não voltou, ou se sente saudade.

Logo, o medo acumulado unido com a melancolia da morte imposta sobre o pai e filho cria uma inversão – assim como a fotografia pode inverter uma queda num movimento de ascender ao céu. A inversão é a paz, como um extraordinário alcançando fielmente o ordinário para revelar algo que o tempo histórico e o tempo natural produzem sem observação plena. Quanto se fala sobre vida e morte, até mesmo o dia a dia pode se tornar mais especial, ou mais urgente. Nessas horas é que vamos observar, com sensibilidade, o que o cotidiano tem feito: nos salvado, nos livrando da morte, ou nos matando, nos atravessando com a vida que resta.

Ice Merchants (Portugal, Reino Unido e França, 2022)
Direção: João Gonzalez
Roteiro: João Gonzalez
Elenco: movimento, imagens e sons
Duração: 14 minutos.

 

An Ostrich Told Me the World Is Fake and I Think I Believe It

Parecido na metalinguagem com o curta brasileiro Animando de Carlos Magalhães, e com fortes referências a Matrix das Wachowski, essa animação indicada ao Oscar fica melhor quando captamos o humor australiano (britânico, em geral) por trás da parafernália de arte sobre arte. Se Animando era a transformação do movimento animado em reflexo da realidade live-action,  An Ostrich Told Me the World Is Fake and I Think I Believe It é uma reflexão da própria produção do stop motion criando vida. E se Matrix tinha o ator Keanu Reeves como Neo descobrindo seu universo falso dentro de um escritório,  com base filosófica, Neil, nosso protagonista do curta, é um trabalhador ruim, e por isso percebe a sua realidade artificial.

Essas referências servem para direcionar para o assunto mais importante: a comédia. O diretor Lachlan Pendragon, além de um bom produtor de stop motion, compreende que sua metalinguagem ajuda muito mais ao campo cômico, por trás do trabalho árduo de mexer os bonecos para a câmera. O diretor Tim Burton certa vez falou que preferia fazer animações stop motion do que trabalhar com atores, porque ele controlava muito mais com sua estranheza suas buscas narrativas e dramáticas da história. Da mesma forma, Lachlan termina o curta sobre um comercial, porque sua grande obra é de bastidores, não sobre o mistério, necessariamente, de como produz stop motion.

Assim, a metalinguagem e a vibe Matrix fala muito mais da demissão do protagonista, que não trabalhava bem, do que sobre alguma reflexão profunda da história. Qual a metáfora do Avestruz? Não sei. E do comercial? Também não sei. Porque na verdade é muito mais engraçado e profundo saber fazer uma quebra de expectativa: o protagonista curioso é de fato um preguiçoso.

An Ostrich Told Me the World Is Fake and I Think I Believe It (Australia 2022)
Direção: Lachlan Pendragon
Roteiro: Lachlan Pendragon
Elenco: Lachlan Pendragon, John Cavanagh, Michael Richard, Jamie Trotter
Duração: 11 minutos.

 

The Flying Sailor

O jornal New Yorker há um tempo investe em curtas-metragens para o Oscar. Ano passado foi na categoria de curtas documentários, esse ano conseguiu relacionar uma história real com animação para ser elegível em curtas animação. Porém, apesar de histórias reais serem por vezes muito surreais, a direção da dupla Amanda e Wendy miram numa reflexão ontológica, sobre origem da morte e da vida, mas parecem apenas abstrar a concretude de uma morte.

Os flashes metafóricos, a comparação do homem com o peixe, a desnudação do marinheiro…parecem documentos dispostos a serem investigados pelo espectador, mas não há base para isso. Uma pesquisa ajudaria, descobrindo quem era o protagonista e o evento em que dois barcos se chocaram e o mataram. Mas em defesa da animação e do audiovisual, até que ponto esse curta nos afeta? O efeito, o mais evidente e qualitativo é a definição de um flashe entre vida e morte.

Ao final, é bonito de ver o conceito ser “audiovisualizado”, especialmente pensando na vida desse marinheiro. O próprio título tem algo reflexivo, em que um marinheiro, acostumado em nada ou navegar, agora vai voar. Assim, The Flying Saylor é bom por reproduzir o conflito do seu protagonista, mas se torna também hermético em traduzir algo documental, concreto, em abstrações que se sobrepoem – diminuindo o drama.

The Flying Saylor (Canadá 2022)
Direção: Amanda Forbis, Wendy Tilby
Roteiro: Amanda Forbis, Wendy Tilby
Elenco: um marinheiro como protagonista
Duração: 8 minutos.

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