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Crítica | Curtas Pixar – Parte 4 (SparkShorts, 2019 a 2020)

por Iann Jeliel e Davi Lima
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SparkShorts
  • Acesse aqui nossas críticas sobre os outros curtas da Pixar.

Depois de anos produzindo curtas originais, a Pixar em 2019 decidiu abrir mão dessas produções e abriu suas portas para seus funcionários com os recursos da empresa, articularem suas próprias animações independentes, lançadas em um mesmo pacote, intitulado SparkShorts. Desde a criação do seu projeto, foram realizados 8 curtas, incluindo aí o indicado ao Oscar Kitbull e os recém lançados Segredos Mágicos e Burrow (esse segundo estreando lado a lado do novo filme da Pixar, Soul). Comentaremos esses curtas um a um, nesse último compilado de críticas dos curtas da Pixar. Todos os curtas estão disponíveis na plataforma de streaming do Disney Plus.
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Purl

Nesse curta da diretora e escritora Kristen Lester, em vez de trabalhar o verossímil em caráter diretamente humano quanto ao mercado de trabalho, a opção estilística da animação aproveitar formatos e estereótipos para conflitar emocionalmente um padrão empresarial é tão simplista em compreensão quanto compreensivo das dimensões liberais atuais.

Tematicamente o curta é uma voz anti-masculinidade tóxica, a inclusão do diferente, do colorido no ambiente homem cinza, rígido e verbalmente agressivo para macho dentro das dinâmicas capitalistas do business. Só que o diferencial adaptativo do novelo de cor rosa e a relação com croché guarda mais fortemente essas dinâmicas dos escritórios e causa da história para transformação do curta quanto a inclusão e a adaptação em reflexão desses ambientes.

O ponto antropomórfico trabalhado pela animação coloca a temática em exercício visual de estranhamento e plausibilidade dentro do universo do curta. No jeitinho Pixar, a verossimilhança advém da empatia visual e como ela emocionalmente falando precisa ser aliviada pelo conflito visual e dramático centrado na personagem Purl.

No fim, o alívio é tanto visual quanto liberalmente falando correto, porque há a sustentação da empresa também pela inclusão. Para alguns pode soar incoerente ou hipócrita, mas o sistema estrutural também se refere a pessoas, não a algo abstrato. Ou então a abstração se concretiza na animação para passar a mensagem. Esse é o poder da animação e seu trato de possibilidades com a realidade em conflito, qual seja sua estrutura ou dimensão.

SparkShorts Escrito por: Davi Lima

Purl (EUA, 2019)
Direção: Kristen Lester
Roteiro: Kristen Lester, Michael Daley, Bradley Furnish, Kristen Lester, James Robertson
Elenco: Bret ‘Brook’ Parker, Emily Davis Emily Davis, Austin Madison, Domee Shi
Duração: 9 minutos
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Smash and Grab

Premissa batida da revolta das máquinas em um contexto fofinho de amizade improvável e impossível perante o sistema que as conduz tarefas. Apesar de belíssimo, o universo do filme carece de uma introdução mais hábil, que utilize a imagem para reiterar a importância da liberdade para os seus protagonistas.

Parece muito acidental, o trabalho dos robôs possibilita um jogo de “esmagar e pegar” de pedras que aparentemente dão a energia a locomotiva dos conceitos e logo no segundo instante que os divertiu momentaneamente já vira motivo desesperador de uma fuga. O curta poderia trabalhar melhor elipses temporais para a criação do vínculo, especialmente pela sua transformação no gênero de ação no ato final. Em termos de ideias conceituais não há nada de novo, mas o olhar de Brian Larsen consegue ser um pouco mais íntimo do que a genericidade aparente do curta, quando direciona essa amizade para uma alegoria romântica de conotações homoafetivas.

Há uma cinergia no momento de ação que transmite um romantismo exagerado que só funciona na confirmação dessa perspectiva de romance. O coração dado para salvar a vida do amante, no caso, o coração compartilhado, onde os robôs que queriam “se divertirem”, possam fazer isso sem um sistema os impedindo.

SparkShorts Escrito por: Iann Jeliel

Smash and Grab (EUA, 2019)
Direção:
Brian Larsen
Roteiro: Brian Larsen
Duração: 8 minutos
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Kitbull

As produções da Pixar em geral têm suas obras pautadas em emocionalismo, o que não é um ponto negativo quando se faz boas histórias que comovem. Com o curta animado Kitbull não é diferente. A oportunidade que o projeto SparkShorts deu para estagiários da Pixar permitiu que uma modelagem 2D dos animais com um cenário praticamente estático, colorizado e com pouca textura tivesse pulsão emotiva bem representativa do estúdio. Circunstâncias adversas e diferenças biológicas entre um cachorro e um gato são a ponte para a formação de uma amizade e encontro com uma vida melhor para os caracterizados animais domésticos aqui.

Em geral, o gatinho preto é acostumado a viver na rua, tem seu canto escondido, embora frágil, como sua caixa de papelão aponta. A personalidade dele é forte o suficiente para encarar um cachorro. Quando chega um para viver perto de sua moradia, há uma interação de casualidades. Com uma edição de som muito viva, assim como a trilha, os momentos se tornam críveis, mesmo com o 2D explícito. Assim, de maneira natural, os dois rivalizam por instinto, porém com atitudes lúdicas diante das circunstâncias em que se encontram. O cachorro permanece preso na coleira e o gato livre no seu lixo.

Diante desse cenário, o que pode usurpar esse naturalismo captado no curta, ou elevar a qualidade da experiência, é a influência proposital do ser humano na narrativa. O maltrato marcado no corpo do cachorro determina um momento dramático importante que influencia tanto a aproximação final do gatinho quanto a conclusão esperançosa do curta.

SparkShorts Escrito por: Davi Lima

Kitbull (EUA, 2019)
Direção:
 Rosana Sullivan
Roteiro: Rosana Sullivan
Duração: 9 min.
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Flutuar

É o tipo de mensagem mais obvia possível, mas que garante comoção pela sensibilidade o qual é tratada como imagem que nunca sobrepõem sua alegoria de modo complexado. Pelo contrário, a intenção do curta é ser o mais direto possível na problemática que defende, tanto que reforça isso nos créditos e tudo sem qualquer sutileza.

A parte mais interessante é realmente as escolhas estéticas da animação para conferir a transmissão da mensagem. O conceito da flutuação por si só já indaga uma premissa de liberdade e especialidade, ao mesmo tempo que a cessão dessa flutuação comunica de forma claríssima que essa especialidade está sendo reprimida por olhares alheios. E faz sentido no lirismo do curta que esses olhares estranhos aconteçam pensando no espelhamento com a mensagem em territórios realistas, afinal, só tem como olhar estranho para o poder de flutuação se não existir um Q de inveja ali, misturado obviamente com o estranhamento de aquilo parecer não pertencer ao nosso mundo, sendo que na verdade o acrescenta. É belíssimo como esse conceito do flutuar é levado para potencializar a alegoria em território climático, ainda que apele para a breguiçe do melodrama é bem bonito o fechamento simbólico da cena do balanço.

Não fica tão brega porque justamente a intenção é muito intima de pai para filho, e somente para eles, tanto que a reação de quem está ao redor não necessariamente acompanha a apoteose emocional ali e curta foi preciso nesse detalhe. É preciso quem cuida aceitar primeiro e na verdade é só ele quem realmente precisa para garantir a felicidade da cria.

SparkShorts Escrito por: Iann Jeliel

Flutuar (Float | EUA, 2019)
Direção: Bobby Rubio
Roteiro: Bobby Rubio
Elenco: Eli Fucile, Bobby Rubio, Luna Watson, Mika Kubo
Duração: 7 minutos
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Vento

No projeto de SparkShorts, há um lado pessoal muito forte em cada curta, onde os animadores parecem querer soltar certos demônios e encaixá-los esteticamente em uma construção agradável de animação. Ventos talvez seja o exemplo mais pessoal desses, tão pessoal que parece ser particular, porque não há exatamente uma complexidade alegórica, mas falta clareza em o que seu direcionamento deseja transmitir.

É um caso em que a narrativa foi pensada a frente do conceito e o conceito acaba se adaptando para a narrativa, o que mesmo em território animado pode gerar incoerências de universo, principalmente considerando uma linha tênue atravessada entre o mítico e o realista. É difícil e requer algum esforço pensar nos conceitos em vias mais universais de comunicação, como dito, parece uma animação muito particular, onde alegoricamente seu criador queria demonstrar seus anseios diversos e pessoais em cenas especificas. Dá para captar a ideia do sonho em ser astronauta, dá para captar a ideia da vó como figura importante, e dá para captar dentre outras mensagens que não se parecem conectar de forma conjunta na animação.

Acaba que o curta fica confuso e com ideias dispersas ou de funcionabilidades não tão claras. Faltou a direção organizá-las em blocos coerentes que deixem o conceito por trás mais relevante na mensagem. Acaba que o fator independente fez a diferença negativa para o exercício de diversão e reflexão do curta.

SparkShorts Escrito por: Iann Jeliel

Vento (Wind | EUA, 2019)
Direção: Edwin Chang
Roteiro: Edwin Chang
Elenco: Emilio Fuentes, Sonoko Konishi
Duração: 8 minutos
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Fitas

SparkShorts

O mérito do curta está em não transformar a condição especial em um artefato de pena para facilmente manipular o emocional do espectador no exercício empático. O demérito é não fazer isso em uma narrativa aparentemente relevante, em que a trivialidade não é convertida como mote naturalizador da deficiência em condições normais.

O curta até tenta, é verdade, mas é pouco didático para um exercício primário de autismo numa animação para estabelecer a funcionabilidade comunicativa da personagem deficiente e de quem acompanha. Sem esse didatismo sobreposto se torna difícil compreender a situação da personagem em linhas especificas, encadeando o drama somente pela condição por si só e o que representa a perda daquele aparelho sonoro para promover tamanho desespero na personagem. O outro, como dito, não sente pena da situação, porque o curta sabe elaborar interações que vão criando na cabeça dele uma humanidade a outra personagem que vai sendo correspondida ao longo do curta. Por isso que acho desnecessário estabelecer o conflito se a pegada não fosse para ser didática, porque assim o trivial seria valorizado com a naturalidade condizente a condição da personagem.

Acaba que mistura tudo e fica um curta limitado em todas as vertentes, especialmente por ser um dos poucos que não trabalham com leituras alegóricas entre os SparkShorts, para complementar ou reforçar a sua ideia. É um curta bem direto, mas acaba não sendo tão efetivo por conta dessas dificuldades entre o campo explicativo e o dramático.

SparkShorts Escrito por: Iann Jeliel

Fitas (Loop | EUA, 2020)
Direção: Erica Milsom
Roteiro: Adam Burke, Matthias De Clercq, Erica Milsom
Elenco: Madison Bandy, Christiano Delgado, Louis Gonzales, Asher Brodkey, Erica Milsom
Duração: 9 minutos
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Segredos Mágicos

SparkShorts

Quando o Vale LGBTQI+ culturalmente em trejeitos oníricos traz a mensagem de conciliação familiar. Sem dúvida a discordância de muitos pais quanto aos filhos gays é muito mais comum, alguns motivos puramente preconceituosos, outros por motivos justificáveis (raros) que vão além de uma tradição social. Mas o caso aqui remete o outro olhar dos pais, em que a aceitação, que não acomete necessariamente concordância, advém do desprendimento espacial de uma família. O grande conflito é o filho se mudar, mas a opressão social contra a liberdade de opções amorosas se faz como impulsionador do problema principal.

Assim, a transfusão “almática” do protagonista para o cachorro de maneira sobrenatural é o artifício narrativo para a mudança de foco do medo de contar para os pais sobre o namoro. O ouvinte passivo que vários cachorros são em suas famílias integra bem a proposta de emocionar o público com o conflito principal do desprendimento dos laços familiares. Ao mesmo tempo que animal doméstico é o bicho que chora por se apegar fisicamente aos familiares, mais que os gatos de dimensões espaciais, os seres humanos cada vez tem colocado de maneira imediata suas opiniões e discordâncias acima da estrutura familiar de unidade integral em suas diferenças. Por isso a representação animalesca endeusada do arco-íris do vale, que não se vale apenas o incentivo de sair do armário em uma interpretação mais superficial e relevantemente identitária, vale mais pela compreensão de como  gato e cachorro juntos representam hoje o limiar das relações familiares em geral, ao ponto de serem considerados filhos.

Assim, a Pixar traz sua visão identitária mas pautada mais uma vez essencialmente nas relações familiares, em que a compreensão dos pais do namoro gay é a finalização em um plano de distanciamento, em que a revelação não é frontal como a mãe se declarando para o filho. Porque família é muito mais que o amor sexual ou de companheirismo envolvido no princípio de um casamento, por exemplo, e sim é entender como o sangue genético tem que fazer valer a real fraternidade.

SparkShorts Escrito por: Davi Lima

Segredos Mágicos (Out | EUA, 2020) 
Direção: Steven Clay Hunter
Roteiro: Steven Clay Hunter
Elenco: Bernadette Sullivan, Kyle McDaniel, Caleb Cabrera, Matthew Martin
Duração: 9 minutos
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Toca

SparkShorts

Aprendendo-se o valor do comunal diante da terra compartilhada. Esse é o objetivo moral do curta 2D, que utiliza sua estética de animação muito mais para contar uma história sobre animais e embelezar a narrativa sobre natureza do que explorar algo mais dramático sobre esse impacto problematizante do individualismo. O grande problema do protagonista coelho não é apenas querer fazer algo sozinho, ou morar isolado dos outros animais escavadores do solo, se baseia muito mais na vergonha de pedir ajuda e instinto de concorrência comparativa. Esse é o efeito fabular, nos quesitos dos escritores de fábula La Fontaine e Esopo, que conflitam o conto da natureza antropomórfica com o contemporâneo.

Dessa forma, o que o curta mais incita em sua simplicidade é a descoberta, uma espécie de aventura trágica que força o efeito “epifânico” do coelho pedir ajuda para construir sua casa. Como de costume em fábulas, a personalidade dos animais, ou a tentativa de alinhar biologicamente teores sentimentais, caracterizam o conflito. Os coelhos anseiam por ambientes calmos e tranquilos, por isso sua dificuldade de aceitar a noção comunal do complexo de tocas de vários animais diferentes, quase uma cidade embaixo da terra. Porém, o maior mais interno é o comparativo de inferioridade, em que a noção de solitude ou manter-se isolado em perspectivas individualistas não causam mal, mas a personalidade do coelho de se envergonhar do seu projeto de casa, além de não querer pedir ajuda por medo de constrangimento, é o que, afinal, causa vexame emocional ao coelho apenas em sua individualidade insegura.

Infelizmente o curta-metragem trabalha, como de praxe, a verossimilhança da Pixar. No entanto, essa construção 2D em torno dessa narrativa de fábula naturalmente se torna associativa à realidade, faltando um proveito da forma animada do quadro a quadro desenhado para maior efeito dramático sem depender da trilha sonora. Se por um lado o 2D acelera os movimentos na sensação de traço por traço, é o bom trabalho da montagem que contribui para que a qualidade narrativa usurfrua desse detalhismo sem soar apenas paisagismo naturalista. Muito do curta se perde por apostar na rapidez como artifício cômico, quando são as cenas escritas, nessa animação sem diálogos, que frutificam um curta moral-social com apelo emocionante de fato.

SparkShorts Escrito por: Davi Lima

Burrow (EUA, 2020)
Direção: Madeline Sharafian
Roteiro: Madeline Sharafian
Duração: 6 minutos
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