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Crítica | Cyberpunk 2077

por Kevin Rick
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Promessa e decepção são uma dupla de palavras que resumem a indústria de games nos últimos anos, e, assim como o eleitorado não acredita em discurso político, os gamers têm ficado cada vez mais céticos com o comprometimento antecipado de desenvolvedores de jogos, principalmente pela falta de execução da realidade que o marketing vende. Claro que exceções existem, mas o pessimismo e a incredulidade reinam nos coraçõezinhos daqueles que amam videogames. Não obstante, por algum motivo maluco, delirante e desmiolado, sempre existe a nutrição da esperança quando assistimos uma gameplay maravilhosa, com cutscenes cinemáticas, especialmente quando a própria lenda Keanu Reeves aparece diante de nós. Foi assim, com promessas desiludidas, que começou a relação de ódio/amor com Cyberpunk 2077.

Depois de sete (ou oito?) anos em construção, atrasos aparentemente intermináveis ​​e alegações da equipe sendo impiedosamente sobrecarregada nos meses finais, o RPG de ação e ficção científica de mundo aberto, estrelada por John Wick, imensamente esperada e muito divulgada, evocou uma tremenda resposta emocional, apenas talvez não o que a comunidade gamer esperava. O jogo eletrônico desenvolvido pela CD Projekt Red acompanha a história do (a) mercenário (a) V, personagem este completamente personalizável, desde simples linhas faciais até as genitálias em uma bizarra fixação dos desenvolvedores, desde quantidade de pêlos, até piadas sobre as partes íntimas durante a experiência jogada , com três possíveis escolhas de história de origem – eu joguei majoritariamente como Nômade, mas naveguei nos outros dois modos – que afetam o diálogo e acrescentam uma peculiaridade intrigante para cada uma das escolhas, ainda que, no escopo geral, sejam basicamente “inúteis” para a trama principal, mais estilísticas do que significativas para a história.

Já de cara é preciso enaltecer meu ponto favorito do jogo: a ambientação cyberpunk. A imersão no mundo tecnologicamente sujo e violento, com arquiteturas angulares, luzes neon, infinitos outdoors reluzentes e vibe punk e delinquente, rapidamente demonstram a paixão e o trabalho dos criadores pela temática. É possível notar uma série de inspirações na criação de mundo, desde filmes como Blade Runner e Matrix, até jogos como a franquia Deus Ex, e animações japonesas do gênero, Ghost in the Shell e Akira. Essa amálgama de influência acaba criando um clima único para o jogo, ora fortemente luminoso e colorido, ora taciturno e sombrio. O diferente trio de backgrounds colaboram para essa divergência visual, com designs singulares para cada âmbito.

Esse cunho distópico melancólico é levado para a narrativa principal do game, tocando em temáticas de ambição, corrupção, revolução, ganância e, principalmente, identidade. A humanidade precisa da tecnologia para sobreviver, e é dentro dessa concepção de cultura cibernética tomando conta da biologia humana que Cyberpunk 2077 atinge o ápice da sua história, investindo toda a experiência na quase onírica e esquizofrênica jornada de V. Todo esse procedimento da construção do personagem influenciado pelo seu entorno elabora a visão da influência exterior no pessoal, e até da intrusão tecnológica no psicológico, fazendo um ótimo paralelo com problemas atuais da nossa sociedade cada vez mais viciada no mundo virtual.

Meu único problema com a trama é o prólogo demasiadamente extenso, que quebra um ritmo inicial divertido, com a básica “ascensão ao poder”, que demora tanto para chegar no ponto inicial do núcleo do jogo que chega a ser enfadonho a experiência, a despeito da ótima construção de mundo. Outra coisa que notei, ainda que me incomodou de modo ameno, é um certo distanciamento com o protagonista, já que a própria escolha dos criadores em manter uma experiência mais imersiva com o diálogo, algo até comum em RPG’s, mas que aqui descaracteriza o personagem de tal forma que ele lentamente torna-se um “papel em branco” na história, mais servindo como guia do que necessariamente parte integral da narrativa. Digo que não me aborreceu tanto pela forma que o entorno, e não só o já citado ambiente, mas os personagens secundários funcionam de modo formidável, meio que te colocando nesse papel do V, que é o intento, contudo, senti um pouco essa desconexão emocional com o protagonista a ponto de não me importar com sua trágica trajetória.

Retornando ao elenco de apoio, onde o jogo também se sobressai, desde os comparsas iniciais Jackie, T-Bug, Judy, Evelyn e Viktor, até as corporações antagonistas, concebendo esse tom revolucionário do proletariado criminoso versus os gigantes conglomerados, criando essa situação social ambígua e bem próxima da realidade indefesa das classes baixas em relação à corporações gigantescas. É nessa vertente de ebulição de grupos revolucionários que somos apresentados a Johnny Silverhand (Keanu Reeves), meu personagem favorito da obra. Acho um tremendo subterfúgio bacana utilizar um ator tão amado e idolatrado como Keanu num personagem egoísta, narcisista, violento e mal caráter, e o melhor de tudo, o intérprete aparenta estar se divertindo com cada frase maligna e ação hedionda, o que colabora demais para o teor psicologicamente quebrado do protagonista nos seus divertidos embates mentais, até o desfecho amargurado da história do V. Ainda acho o prólogo muito longo, e o resto da história curto em comparação, faltando um certo ritmo para a trama como um todo, mas, mesmo assim, é uma história muito bem feitinha que casa com o gênero cyberpunk e o teor melancólico e pessimista que segue obras desse estilo.

Mas se a ambientação e a narrativa são ótimas, porque o jogo é uma decepção tão grande? Bem, se você vive em uma caverna e ainda não escutou algum criticismo na internet sobre Cyberpunk 2077, deixa eu te iluminar: esse é um dos jogos mais bugados da década. E antes de qualquer coisa, é preciso estabelecer que eu joguei e zerei Cyberpunk 2077 no console Xbox One, que em muitos casos não difere tanto a experiência de plataforma para plataforma, mas uma olhadinha e gameplay rápida no PC me deixaram borbulhando de felicidade e inveja ao mesmo tempo ao descobrir, que mesmo tendo bastante bugs, a versão de computador é anos-luz acima da experiência no console.

Também preciso frisar que não sou daqueles gamers chatos que se enamoram mais por gráficos do que pela experiência em si, mas a partir do momento que os bugs deixam de ser acontecimentos raros e engraçados, e começam a destruir a gameplay, é impossível não enervar-se com o descaso dos desenvolvedores por soltarem um jogo claramente ainda em processo de complementação. Travamentos e crashs a torto e a direita, antagonistas sumindo e aparecendo, o protagonista caindo através de pisos e atravessando paredes, falta de interação com objetos jogáveis, e qualquer outro tipo de interrupção absurda nunca esperada de um jogo dessa magnitude. Muitas vezes estava perdido com os acontecimentos em tela, com interrompidas ações no qual não conseguia diferenciar o que era um problema visual ou parte do jogo, destruindo o progresso como jogador.

Aliás, a jogabilidade não me conquistou. Desde a ação nos tiroteios até a travada direção nas ruas de Night City, passei o jogo todo sentindo uma falta de suavidade nos controles, que só piorava quando tinha que abrir o confuso e poluído inventário, somado às péssimas A.I. do jogo, com inimigos esperando você hackear software para iniciarem o ataque, o trânsito mais estúpido que já vi nas últimas gerações, e personagens de lojas e estabelecimentos que não interagem nem quando estão sendo roubados.

Achei especialmente problemático ao tentar ser furtivo ou usar a mecânica sofisticada de hacking, que visa fornecer opções estratégicas à V. Muitas vezes é mais fácil – e bem menos enfadonho e irritante – e rápido apenas correr com armas em punho do que tentar ser astuto ou furtivo. Isso torna o jogo menos divertido, já reiterando todos os problemas de imersão e visuais ditos. Como história cinemática, Cyberpunk 2077 tem uma das melhores tramas do gênero cyberpunk. Ele só esquece de ser jogável. O que é muito triste pensando não só na história principal, mas como as missões secundárias são divertidas, com a exploração fenomenal da Night City, evitando um sentimento de repetição, com missões paralelas bem coreografadas e intrigantes dentro da construção de identidade e violência desse universo.

De certa forma, ainda considerei a nota boa por essa narrativa somada à ambientação, e também por certas atualizações que melhoram demais alguns problemas de bugs, ainda que seja claro a dificuldade dos desenvolvedores em melhorar a performance da obra, sistemas básicos de jogabilidade e A.I.. Cyberpunk 2077 é o filho do comprometimento desencantado com a pressa estúpida. Era melhor deixar os gamers esperando mais 1 ou 2 anos do que lançar um jogo que em seu cerne tem tudo para ser espetacular, mas que falha tecnicamente de maneira tão miserável, especialmente nos consoles, quebrando a experiência jogável fantástica que tão claramente poderia ter sido proporcionada. Ainda acho o saldo positivo, mas não tem como dizer que o jogo não é uma decepção.

Cyberpunk 2077
Desenvolvedor:
CD Projekt Red
Lançamento: 10 de dezembro de 2020
Gênero: RPG/Ação/Ficção Científica
Disponível para: PS4, Xbox One, PC

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