Lembro que na época de lançamento, Da Magia à Sedução foi considerado um filme simples, sem grandes momentos, mas uma interessante narrativa sobre amor, inevitabilidade do destino e preconceito social. Sandra Bullock, na ocasião, precisava se recuperar do desastre em torno de Velocidade Máxima 2, um fracasso completo de crítica e bilheteria. Nicole Kidman, por sua vez, necessitava de uma pausa para algo mais ameno, depois de anos envolvida no ousado projeto de Stanley Kubrick, De Olhos Bem Fechados, além do midiático desfecho de seu casamento com Tom Cruise, acontecimento que deu uma intensa guinada em sua carreira. As duas protagonistas desta trama sobre irmãs bruxas diante de uma maldição parecia ser a escolha certeira para as suas respectivas carreiras. E, no final das contas, o saldo foi positivo. Com a continuação anunciada recentemente pelos envolvidos no projeto, elas retornam maduras, para nos apresentar mais uma jornada em torno de suas existências desafiadoras, quase três décadas depois do primeiro filme. Neste encalço, considero relevante entendermos um pouco da narrativa de 1998, uma história morna, tranquila, mas sedutora como o seu título, com elenco primoroso, situações cativantes e desempenhos dramáticos carismáticos.
Inspirado no livro homônimo de Alice Hoffman, Da Magia à Sedução, dirigido por Griffin Dunne, nos apresenta, ao longo de seus 103 minutos, a seguinte estrutura dramática: a história da família Owens, ambientada em uma pequena cidade de Massachusetts, é um poderoso exemplo de como o peso do passado pode moldar a identidade e a trajetória de uma linhagem. A ancestral Maria Owens, que sobreviveu a uma tentativa de execução por bruxaria, estabeleceu, sem querer, uma maldição que assombra suas descendentes. O feitiço que Maria lançou para proteger seu coração da dor da perda acabou se retornando contra sua própria família, condenando as mulheres Owens a um ciclo de amor trágico e desgraça. Assim, a narrativa se desdobra ao longo de três séculos, revelando como a desconfiança e a hostilidade da comunidade em relação a bruxas se entrelaçam com questões de amor, sacrifício e identidade.
No centro dessa narrativa estão Sally e Gillian Owens, interpretadas por Nicole Kidman e Sandra Bullock, que enfrentam a dura realidade de uma infância marcada pela dor e pela rejeição. Criadas por suas tias após a morte trágica de seus pais, as irmãs aprenderam desde cedo a navegar em um mundo que as via como estranhas. O bullying que sofriam na escola não era apenas uma manifestação da ignorância dos outros, mas um reflexo das expectativas e preconceitos enraizados na sociedade. Ao mesmo tempo, elas absorviam ensinamentos sobre magia prática, vivendo em um espaço que, apesar de mágico, era permeado por um sentimento de perigo e opressão. A dualidade de suas vidas, entre a vida cotidiana e a magia, ressalta a complexidade das experiências femininas e a luta por aceitação em um mundo que rejeita a diferença. Sempre conectadas, a dupla pode até se manter distante, mas mentalmente interligada, sendo que uma sempre sabe quando a outra precisa de atenção ou está em perigo.
À medida que as irmãs crescem, o peso da maldição se torna ainda mais evidente, especialmente quando Gillian se envolve com um namorado abusivo. Esse relacionamento sublinha a temática pertinente do abuso doméstico, que é tratado com uma sensibilidade notável. A dinâmica entre Gillian e seu parceiro, embora envolvida em elementos sobrenaturais, reflete uma realidade que muitas mulheres enfrentam. A decisão de usar a magia para enfrentar e derrotar o espírito maligno do namorado destaca não só a necessidade de empoderamento feminino, mas também a urgência de se libertar de ciclos de violência. O filme, ao mesclar gêneros diversos, tais como comédia romântica, fantasia sobrenatural e suspense policial, e assim, cria um espaço para a reflexão sobre questões sérias, tornando a história acessível e envolvente. Ao longo dos anos, conquistou um status cult devido à sua habilidade de entrelaçar temas feministas, intimidade familiar e a luta contra forças opressivas em uma narrativa repleta de humor e emoção.
O talento do elenco, junto à trilha sonora marcante e à estética visual vibrante, contribui para a atemporalidade do filme. A mensagem de que a verdadeira força reside na união e no amor entre as mulheres é um hino à resiliência feminina. Assim, a jornada das irmãs Owens não é apenas sobre superar uma maldição, mas também sobre descobrir seu próprio poder, redefinindo o que significa ser uma bruxa em um mundo que ainda luta para aceitar a magia como parte de sua riqueza cultural. Ao final, a história é uma celebração da capacidade das mulheres de transformarem dor em força e de se unirem contra forças que buscam desmantelar seus laços e sua identidade. Contada sob o ponto de vista da eficiente direção de fotografia de Andrew Dunn, imagens acompanhadas pela trilha sonora de Alan Silvestri, Da Magia à Sedução também acerta no design de produção, cuidadoso nas ambientações, em especial, na habitação dessas bruxas, um assertivo trabalho assinado por Robin Standefer. Com material dramático menos aproveitado do que deveria, o filme flerta com diversos temas, mas acaba não aproveitando muito para se aprofundar adequadamente nas temáticas, no entanto, ainda assim, consegue nos entregar entretenimento leve com camadas de crítica social que, do lado de cá, enquanto espectadores, nós fazemos o trabalho de interpretação, reflexão e debate.
Da Magia à Sedução (Practical Magic, EUA – 1998)
Direção: Griffin Dunne
Roteiro: Robin Swicord, Akiva Goldsman, Adam Brooks
Elenco: Sandra Bullock, Nicole Kidman, Camilla Belle, Goran Visnjic, Stockard Channing, Dianne Wiest, Aidan Quinn, Evan Rachel Wood, Caprice Benedetti, Mark Feuerstein, Caralyn Kozlowski
Duração: 103 min.